Do fenómeno e da sua manutenção.
Da fabricação do adepto.
Da importância que o político tem que dedicar ao adepto, para a sua própria sobrevivência.
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Confesso que sempre me senti incomodado com a relevância que o futebol, enquanto espectáculo desportivo, teve e tem em Portugal. Talvez por me parecer uma actividade demasiado evidente e simplista assente na capacidade de excitar as mais elementares emoções. Como as telenovelas e outros romances da mesma espécie, o discurso que enaltece o futebol, assenta na usual (e parece que intemporal) perspectiva dicotómica ou bipolar: uns são "os outros" (os maus) e outros somos "o nós" (os bons). Os adeptos, uns e outros, defendem sempre o "nós", uns contra os outros. O "nós" quer ganhar aos "outros".
Enquanto evento orientado para os grandes grupos (para não dizer "de massas"), o futebol assenta, como todos os outros discursos do mesmo tipo, nas mais primárias (não complexas) premissas que facilitam o entendimento, ou seja a recepção do evento: os adeptos (o "nós") querem vencer para sentir que pertencem ao grupo dos melhores, sabendo que para isso, os "outros" (que querem o mesmo), têm de perder, para serem os piores. Como nas telenovelas, o futebol resume-se à disputa do bom contra o mau (para não dizer do bem contra o mal).
Porém, o que me aflige não é a linearidade do evento, nem tão pouco o tipo de sistema sócio-comunicativo que estabelece. É antes a atitude populista que enforma o seu discurso (do futebol) e a sua presença contínua nos meios de comunicação social.
Entendo que a relevância social do futebol não decorre do jogo em si, mas da continuada promoção (entenda-se publicitação ou mesmo propaganda) proporcionada pelos meios de comunicação social. Claro que o jornalismo, ao incluir o futebol como rubrica obrigatória no seu discurso diário (haja ou não motivo ou notícia), parte do princípio que o futebol e os assuntos com ele relacionados são já do interesse público. Aqui surge o primeiro equívoco jornalístico. O que o jornalismo supõe é que o público manifesta já (naturalmente) um interesse pelo futebol e não que o dever de informar o público sobre o futebol assenta num princípio ideológico que defende o futebol como assunto fundamental e necessário ao público (este último, o fundamento do Ensino).
No entanto, e sabendo que o público só se pode envolver por aquilo que conhece, e que quem dá a conhecer são os meios de comunicação social, pode-se inferir que o interesse público assenta maioritariamente no que estes propagam. Desta forma, este sistema contínuo (também conhecido como pescadinha-de-rabo-na-boca) alimenta-se a si próprio: quanto mais se fala de futebol, mais os receptores se familiarizam com o assunto, pois a informação que passam a deter induz o discurso individual e a opinião, ou seja, um maior envolvimento do receptor no assunto. Assim se cria o adepto: quanto mais se sabe de futebol mais se quer saber de futebol. E se assim é, se o interesse do público aumenta, redime-se assim o jornalismo que pergunta: que podemos senão dar aos receptores aquilo que estes querem? É uma das características do jornalismo capitalista. Mas não há outro.
Daqui a constatação do erro crasso que envolve a expressão "O Futebol é o desporto Rei". Deveria antes dizer-se: "O Futebol foi feito o desporto Rei e agora já é o desporto Rei".
O "populismo" do Futebol decorre logicamente do carácter do evento.
Tornado um fenómeno social de grandes grupos, relaciona-se com a Política por essa mesma razão (a do "populismo"), visto que em democracia a política se legitima na vontade de grupos do mesmo tipo. Daqui resulta a dita promiscuidade entre o Futebol e a Política no sentido em que o eleitor é também um adepto. Contrariar politicamente os adeptos formais ou potenciais significa a não identificação com o adepto, a automática ligação aos "outros" (os maus), e a consequente perda do voto necessário para a legitimação do poder. Ignorar o futebol, enquanto elemento agregador (identificador) de indivíduos é cometer um erro de campanha eleitoral. Por esta razão dificilmente se encontrará um político que não dê ao Futebol a máxima atenção e que não o enalteça. A democracia em portugal está fadada ao Futebol.
Para o adepto do Futebol, Eusébio é um "grande português" e Vianna da Motta não existe. Por isso os políticos mudaram o nome ao avião. Que mais poderiam fazer?
António Tilly.
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