A propósito da estátua de D. Duarte em Viseu, ocorreu-me contar uma história. Não a sua - essa é bem conhecida - mas do seu irmão, o Infante D. Pedro, o Infante das 7 partidas,
o regente que lhe sucedeu e que era um homem muito à frente do seu tempo.
Mas muito inflexível. E talvez por isso acabou por ser morto pelo seu sobrinho, o rei Afonso V, filho do seu irmão, precisamente o D. Duarte, o eloquente.
Esta história envolve Seia também.
Em 3 penadas, D Pedro tinha-se zangado com o sovina do Pai, o D. João I, e foi-se embora de Portugal em 1425.
Foi para a Hungria lutar contra os turcos ao lado do imperador Segismundo.
Depois disso esteve em Barcelona, em Veneza onde comprou o livro do Marco Pólo, das suas viagens fantásticas pela China e Mongólia, esteve em Pádua, em Ferrara e em Roma, onde foi recebido pelo Papa Martinho V.
E depois foi para a Flandres, a capital dos negócios europeus.
E em Bruges escreveu uma carta ao futuro Rei de Portugal, o seu irmão D. Duarte, explicando-lhe o que ele devia fazer quando chegasse ao trono.
As reformas na administração, na Universidade... e, no fundo, aconselhava-o a abandonar Ceuta, que tinha sido o grande orgulho do Pai de ambos (D. João I) mas que D. Pedro considerava "um grande sumidoiro de gente, armas e dinheiro".
Porque em Bruges - Europa desenvolvida - toda a gente fazia troça de Portugal (!) por manter, apenas por vaidade, tão péssimo negócio: Ceuta.
Da Flandres, D. Pedro vai para Inglaterra, volta por Castela onde é recebido pelo Rei, e finalmente regressa a Portugal.
O Infante tinha partido daqui um homem medieval e quando voltou era um homem moderno. Mas a sua inflexibilidade permanecia.
Depois de regressar das "7 partidas", em 1428, D. Pedro pouco aparece na corte. Continua a ter más relações com o Rei seu Pai, a ponto de não comparecer no seu funeral.
Sucede-lhe D. Duarte, o seu irmão mais velho, que reinaria apenas 5 anos. De 1433 até 1438. Morreu de peste ou de tristeza por ter deixado o irmão de ambos num cárcere em Tânger e nas Cortes de Leiria se ter decidido que D. Fernando não se resgataria em troca de Ceuta.
D. Duarte morre mas tinha deixado testamento. Em caso de morte prematura, a rainha D. Leonor, sua esposa, seria a regente, sem interferência de mais ninguem, até seu filho - Afonso (V) atingir a maioridade de 14 anos.
No testamento também pedia que se fizessem todos os esforços para libertar o seu irmão Fernando preso em Fez. Se não fosse possivel de outra forma, que se entregasse a cidade de Ceuta, tal como prometido.
Mas D. Pedro não aceita a regência da cunhada e durante 15 meses desenvolve-se uma luta entre eles até que D. Pedro acaba por conseguir empurrar D. Leonor para Toledo.
E é aclamado pela população de Lisboa em 1439 como Regente de Portugal.
Ao contrário do que preconizava, D. Pedro não entregou Ceuta nem salvou o irmão que acabaria por morrer em 1443 no cárcere.
Esta regência devia durar 8 anos.
Mas quando Afonso V fez 14 anos, este pediu-lhe para continuar a ajudar e D. Pedro continuou a ser o regente.
Ao completar 16 - já por influências de outros fidalgos como o Duque de Bragança, irmão bastardo de D. Pedro, aconselham o Rei a retirar poderes ao regente.
Em 1448 D. Afonso V inicia o seu reinado e o regente D. Pedro volta para os seus Paços de Coimbra (actual Universidade e Faculdade de Direito).
Entretanto, essa facção afecta ao seu irmão duque de Bragança começa a acusar D. Pedro de várias coisas: de ter administrado mal o reino, de ter casado D. Afonso V com uma filha sua e até de ter mandado envenenar a mãe do Rei, a pobre Rainha D. Leonor em 1445, em Toledo.
D Pedro negava mas as acusações eram cada vez mais fortes e havia ainda um episódio muito grave.
Enquanto regente, D. Pedro tinha decidido invadir Castela. E para isso formou um exército que acabou por não ter recontros armados. Mas D. Pedro recolheu as armas e guardou-as no seu palácio, recusando-se a entregá-las ao Rei. Disse-lhe que lhe compraria outras ou que lhe daria o dinheiro para ele as comprar, mas aquelas armas não lhas devolveria.
Isto era ofensa bastante para fazer eclodir uma guerra entre o sobrinho Rei e o tio ex-regente.
Mas o drama final nem sequer foi desencadeado por este episódio. Foi por outro.
O Rei manda pedir ao duque de Bragança para se juntar a si em Santarém. Provavelmente para, juntos, porem o ex-regente na ordem. Ele assim faz, mas quando chega a alturas de Coimbra, D. Pedro atravessa-se na Serra da Lousã e não o deixa passar.
Informado o Rei, este ordena a D. Pedro que deixe passar o seu irmão mas D. Pedro não aceita. As Terras eram suas. E ele não passaria por elas.
O Duque de Bragança teve que voltar atrás e subiu a Serra da Estrela por Seia, desce pela Covilhã e chega a Santarém onde faz queixa ao Rei.
Este manda reunir o Conselho Real e a conclusão é clara. Quem desafia o Rei tem que escolher entre a morte, a prisão ou o exílio.
Acontece que a esposa do rei, que era filha de D. Pedro, soube disso e mandou avisar o pai.
E D. Pedro terá escolhido a morte.
Manda juntar todas as suas tropas: 1.000 homens da infantaria com mais 5.000 cavalaria e artilharia e marcha sobre Lisboa. Mas antes de sair vai visitar a Sé Velha, a Igreja de Sta Cruz e o Mosteiro de Sta Clara.
Põe a coluna em movimento e vem acampar na Ega. Depois vai até à Batalha onde reza no seu próprio túmulo que já estava construído e tinha sido preparado pelo seu Pai. Depois segue para Rio Maior e aí esteve 3 dias à espera das tropas reais. Que nunca apareceram.
Continuaria por Alcoentre, Castanheira, Alverca. E dispõe o acampamento junto de uma ribeira - a de Alfarrobeira.
No dia seguinte chegaria ao Lumiar e depois ao coração de Lisboa.
Mas afinal nunca sairia da Alfarrobeira com Vida.
É nessa altura que o exército Real o cerca. O Rei pretende evitar um combate. Envia os seus trombeteiros e pede ao D. Pedro que recue. Mas os exércitos começaram a atirar pedras mutuamente, depois setas e, por fim, D. Pedro manda disparar a artilharia.
E uma pedra de canhão acaba por cair muito perto do local onde se encontrava a tenda do Rei seu sobrinho, Afonso V. O que foi considerado uma tentativa de Regicídio.
Todo o exército Real cai sobre o acampamento de D. Pedro cujo coração é atravessado por uma seta. Ali ficou abandonado toda a noite. É levado depois para o Mosteiro da Batalha, para o seu túmulo - onde tinha rezado poucos dias antes.
D. Pedro foi um homem muito inteligente mas inflexível.
Que teve a morte às mãos do seu sobrinho.
A morte que ele próprio procurou.