10.17.2002

Se isto não é o fundo, onde é que está o fundo?

Primeiro, Guterres decide afastar-se do pântano político em que os seus sucessivos governos, a espaços recauchutados, tiveram o condão de mergulhar Portugal.
Aborreceu-se de ser o bombo da festa.
O país que ficasse quietinho no pântano, que ele ia ali comprar cigarros e já vinha.

Foi trabalhar para o IPE - o Instituto que distribuiu milhões ao amigo Belmiro e ao amigo Murteira Nabo nos Brasis - acumulando com o cargo de explicador particular de matemática. Tudo correcto. Mesmo sem passar recibos verdes, não incorre em incompatibilidade.
Depois as eleições. Ganhou o PSD. Começou a governar o PP (Paulo Portas).
Tudo normal, em Portugal.
Das medidas propaladas aos 4 ventos, até agora, nada. Medidas nunca imaginadas, é à Fartazana: aumento do IVA, fim do crédito bonificado para os jovens, alargamento dos prazos do regime das reformas na Função Pública. Bastava que tivessem anunciado um só destes 3 espectaculares "desarrincanços" antes das eleições para que o PS continuasse, a seguir ao Guterres, com maioria absoluta. Reforçada.

Segue-se a Moderna. As confusões, as promiscuidades, as negociatas, o salve-se quem puder.
Tudo gerido da pior maneira imaginável pelo PP (Paulo Portas) que tudo fez menos demitir-se para não envergonhar mais este arremedo de estado de direito que lhe paga o ordenado. E a ministra do PP (Paulo Portas) que nomeia e desnomeia e volta a nomear gente da confiança política (de quem?) para gerir o descombate ao crime do colarinho branco. Que hoje assume proporções inacreditáveis, segundo a PJ.
E depois o outro ministro do PP (Paulo Portas) que queria mudar os feriados mas a Igreja não o deixou.Literalmente. Em alternativa, mudou os directores gerais todos das finanças, que isso a Igreja já deixa. E foram 18 no mesmo dia, despedidos por fax.

Subitamente, o Expresso - e não o PSD - descobre que o Jorge Coelho responsabilizou a empresa construtora do túnel alagado pelos prejuízos, e a seguir o Ferro Rodrigues desculpabilizou a mesma empresa, comprometendo-se a não pedir indemnizações por contrato (!). E chama palermas ao grupo parlamentar do PSD.

E devem ser, mesmo, palermas.
Então não sabem que quem estaria previsto para assinar a esperada desresponsabilização, passados os 6 meses da ordem, e receber a correspondente torradeira eléctrica de lembrança, era obviamente o próprio ministro Coelho? E então não sabem que o Coelho não teve tempo para assumir esse acto corrente de gestão, porque teve que se demitir na sequência da queda da ponte?
E alguém tinha que fazer essa cobrança, digo, esse serviço, pelo antigo ministro. Esperemos que as contas, digo, as entregas dos relatórios, entre os ministros, já estejam acertadas, a esta hora.

- "Ele é rufia… ele frequentava o Casal Ventoso em vez de ler livros, ele é o ministro drogado" - berra o intelectual aspirante a co-marido da Bábá Guimarães.
- "Portas e Bagão… são lacaios do patrão…" - berram os sindicalistas profissionais (a mais activa classe de malandragem organizada desde a Carbonária).
- 1800 metralhadoras israelitas Uzi foram vendidas para sucateiros de Poiares e Benavente. Ninguém sabe delas. Nem os sucateiros que as compraram. Um exército criado à solta capaz de ocupar Lisboa num próximo 25 de Abril qualquer.
- Madaíl ainda não decidiu de que lobby há-de receber por contratar o próximo treinador para a selecção. Estou a falar de futebol. Não de investigação científica.
- PP (Paulo Portas) diz que em democracia a opinião é livre, menos quando é contra si. À crítica do CEMGFA responde desunhando-se para demiti-lo. Já convenceu Durão. Durão não convenceu Sampaio. Mas este não tem outro remédio senão convencer-se de que tem que se convencer do que o PP está convencido.
É também isto o bater no fundo da democracia portuguesa. Um presidente decorativo (!) obrigado a fazer o que sabe ser injusto para satisfazer um capricho de um ministro.
- Santana Lopes recebe o dobro do que devia, descobre outra vez o Expresso. Se calhar até não. Mas ficámos a saber que só no seu gabinete há mais 4 (quatro) amigos vereadores que recebem por mais 3 e 4 cargos que ocupam ao mesmo tempo! Tudo na base dos 2500 contos por mês, fora os cartões de crédito. Admiráveis as capacidades de trabalho e dos bolsos destes afincados executivos que conseguem, portanto, trabalhar 24 a 32 horas por dia.

Ora, logo agora que se tinha começado a desviar a atenção do povo com esta do metro subaquático e a começar finalmente a incomodar o Ferro e o Coelho, dando alguma folga às costas do PP (Paulo Portas), não é que o ex-director da PJ militar Alcino Roque vem pôr a boca no trombone berrando a plenos pulmões que o PP (esse mesmo) tem conhecimento de casos gravíssimos que se passaram e passam no seio das FA, muito mais graves que aqueles que se mencionaram publicamente, e nada fez? E que até o Juíz que estava entregue ao processo se demitiu das suas funções súbita e inexplicavelmente?
Mas já é azar do ministro. Então não lhe dão uma folgazita?
É que ninguém é de ferro. Nem o próprio Rodrigues, nem o PP (o mesmo), e nem a paciência de um martirizado povo que ainda ontem - dia 16 - mostrou que se recusa a continuar a sustentar esta desgraçada novela, digna da Venda do Pinheiro.

"Os portugueses" da TVI, adormecidos e embasbacados pela brilhante magnificência do Big-Brother Famosos não devem ser os mesmos Portugueses que agora mostraram à Nação uma coragem e vontade quase esquecidas. Estes estão vivos. É verdade que são sempre os mais avisados a prejudicarem-se na luta pelos mais desfavorecidos. Estes nunca farão qualquer greve, contribuindo ingenuamente para a manutenção deste perpétuo "bater no fundo" da democracia portuguesa. Nunca a farão, acima de tudo, porque poupam as migalhas que perderiam com o protesto – valor que, para si, é mais importante que a situação do país.
Está tudo dito.
Mas os Portugueses conscientes do estado da Nação (e pelos vistos até são mais do que se poderia pensar) aspiram por uma solução séria de governo. Não interessa se vinda do PSD, do PP - tirando o Paulo Portas, vade retro! - do PS ou do PC, desde que administre com seriedade e justiça os parcos recursos (impostos) roubados aos bolsos de quem trabalha. Porque os mesmos que recebem periodicamente os milhões do estado, para além de nunca pagarem um cêntimo, os utilizam afincadamente para o arruinarem.
Um governo que actue com o mínimo de decência, sem abafar milhões, sem traficar influências, sem se encher de luvas e comissões; e uma Justiça que puna os criminosos actos perpetrados contra a Pátria por uns, e encobertos por outros, é o que se tem necessitado por cá desde 1640.

joao.tilly@netvisao.pt