10.05.2020


  Os últimos anos da monarquia

JOÃO TILLY·DOMINGO, 21 DE JANEIRO DE 2018·TEMPO DE LEITURA: 12 MINUTOS
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Querem ouvir falar de falências de bancos? Pensam que isso é só de agora?
Estamos no Reinado de D. Luis.
É um longo reinado. O Rei morre em 1889 na Cidadela de Cascais.
D. Luis preside simbolicamente à vida nacional mas não interfere no governo.
Esta ideia pode levar-nos a pensar que este reinado é um período apagado. Mas isso é errado. No último quartel do sec 19, Portugal dá muitos saltos em frente no sentido do seu desenvolvimento.
Eis alguns destes factos que fazem de Portugal um país mais civilizado.

Em 1870 é inaugurado o cabo submarino que liga Portugal à Inglaterra. Uma novidade tecnológica de que poucos países dispõem.
No ano seguinte, em 1871, dá-se o célebre problema que apaixona Lisboa. As Conferências do Casino. Eram conferências democráticas que o governo proibiu. Essa proibição provocou um alarido e um protesto dos meios anti-monárquicos.
Em 1872 funda-se em Lisboa a Fraternidade Operária. A força operária está a surgir. Com o desenvolvimento da Indústria surge uma força social e proletária nova: os operários.
1873 - 1º Inquérito Parlamentar sobre a Emigração. A emigração é um cancro nacional. As fazendas do Minho ficam abandonadas porque os lavradores vão em catadupa para o Brasil. É um problema grave este, o da emigração do final do sec 19. E o parlamento dedica-lhe um Inquérito que ainda hoje fornece muitos dados importantes.

Ainda em 1873 funda-se o Partido Republicano Federal. É federal porque esta é uma tese ibérica: um só partido para dois países.

1875 - a Fundação do Partido Operário Socialista. O primeiro Partido Socialista português.
1876 - a famosa 1ª Crise dos bancos - os grandes bancos portugueses vão à falência e nalguns casos - como no caso do banco Lusitano - são falências pouco claras. Porque os bancos fecham, as fortunas ficam... e, tal como hoje, não se percebe bem como as coisas aconteceram. De qualquer maneira é o grande movimento de capitais de Portugal para o Brasil e do Brasil para Portugal que provoca essa superabundância de dinheiro. Mas ao mesmo tempo dão-se essas falências de bancos em série.
A crise não impede, no entanto, o governo de continuar com as suas obras públicas.
Em 1877 é construída a ponte Maria Pia, uma grande ponte metálica que liga o Porto a Gaia. Passa a ser possível viajar directamente de Lisboa ao Porto.
Em 1878 faz-se o primeiro censo da população. Verifica-se que os portugueses não chegam ainda a 5 milhões. Apesar disso continua a hemorragia da emigração. No Brasil, o trabalho de assentamento da ferrovia em todos estados é predominantemente realizado por trabalhadores portugueses. O nativo brasileiro não aceita trabalhar e o brasileiro civilizado também não aceita esse tipo de trabalho. E isso aumenta imenso a emigração portuguesa.
É nesse mesmo ano (1878) que é eleito pelo Porto o primeiro deputado republicano.
O ilustre Rodrigo de Freitas.
No ano seguinte, 1879, faz-se o 1º Congresso Socialista em Lisboa.

Em 1880 acontece o 3ª Centenário da morte de Camões. As comemorações foram objecto de grandes festejos nacionais, que o Partido Republicano praticamente dirigiu. E isso permitiu mostrar a grande influência, nos meios intelectuais, nos meios escolares, nas Universidades das ideias republicanas.

Nesse mesmo ano, 1980, aparece mais um grande jornal republicano - o Século. Um jornal de grande expansão claramente republicano e que iria durar muito tempo. Praticamente até ao 25 de Abril.
Em 1884 dá-se um facto extremamente importante para nós.
Na Conferência de Berlim, os delegados portugueses conseguem que as grandes potências que dividem a África entre si, reconheçam os direitos de Portugal às nossas posições africanas. Angola e Moçambique são reconhecidas como possessões portuguesas.
Nesse mesmo ano, mais um facto interno mas muito revelador. Na Póvoa de Sta. Iria funda-se a primeira grande fábrica de adubos para a agricultura. É a agricultura que muda.
Substituindo a velha agricultura tradicional adubada de forma natural passa agora a ter lugar uma agricultura científica com adubos fabricados na Póvoa de Sta iria.
As indústrias, no aspecto técnico, exigem cada vez mais uma mão de obra mais qualificada e é nessa altura que o ministro Emídio Navarro organiza em Portugal o Ensino Técnico. Que depois sofreu várias modificações mas que permaneceu fundamentalmente o que foi criado por Emídio Navarro.
Em 1887 o grupo Comunista-Anarquista de Lisboa publica a sua Declaração de Princípios.
É claro que estamos ainda muito longe da forma moderna de Comunismo, porque não era possível uma ligação Comunista-Anarquista. Mas essa Declaração de Princípios faz sensação.

No ano seguinte, 1888, mais um grande passo em frente. Cria-se a primeira fábrica portuguesa de tintas e vernizes. Uma Indústria química que não existia em Portugal
A Ideia Nova
Morto D. Luiz, sucede-lhe no trono o seu filho mais velho, D. Carlos. Um príncipe que estava aureolado por uma atmosfera de prestígio. Dizia-se que o novo rei era um ilustre cientista, um bom artista, um diplomata exímio nas suas relações internacionais... Portanto ele sobe ao trono numa maré de Esperança e acredita-se muito que esse Homem vai salvar a monarquia.

É a "Ideia Nova" - uma frase criada por Oliveira Martins - uma nova Monarquia em que haja um Chefe que mande, um César. Mas que este líder supremo seja ajudado por todas as forças políticas nacionais.
Esta palavra NOVA será usada mais tarde por Sidónio País, na República NOVA. E depois com Salazar, no Estado NOVO.
Mas a novidade é sempre a mesma: arranjar uma forma mais musculada de exercer o Poder.

O Rotativismo
O sistema político que estava enraízado desde há muitos anos era o Rotativismo, que não permitia essa Ideia Nova. O Rotativismo consistia no seguinte: havia 2 grandes partidos: o Progressista e o Regenerador, equivalentes em força política. E o Rei, quando lhe parecia que um dos partidos já estava cansado, gasto, sem fôlego, demitia o governo e arranjava um governo novo. E depois marcava eleições. E as eleições davam sempre a maioria ao governo novo. Tal foi denunciado com muito espírito por João de Deus.
O Caciquismo
Ora isto é um bocado esquisito: o Rei escolhia o governo, as eleições confirmavam-no, mas a explicação estava numa realidade importante: o Caciquismo. Quem dirigia a política nas aldeias, nos concelhos eram os caciques, gente influente que dominavam o povo pela economia, pela autoridade. Eram centenas ou mesmo milhares os que mandavam votar neste ou naquele partido.
É claro: os caciques viviam dos favores que os governos lhes faziam, portanto votavam sempre pelo governo, qualquer que fosse esse governo.
O Rei determinava um governo novo... e pronto. As eleições confirmavam o governo novo.
As dissidências - João Franco e José Maria Alpoim
Este sistema do rotativismo funcionou ainda nos primeiros anos do reinado de D. Carlos. Mas entretanto surgem as dissidências, que tornam impossível a continuação do rotativismo. A primeira foi a dissidência Regeneradora, chefiada por João Franco. Depois vem a dissidência Progressista, dirigida por José Maria Alpoim. Com estas dissidências, em vez de 2 partidos passa a haver 4. Além disso, o pequeno Partido Republicano agora já tem deputados.
Ora, com cinco partidos é impossível fazer a rotação, porque qualquer que seja o partido escolhido ele terá contra si os restantes quatro. E portanto não faz maioria. Ainda não existia a geringonça.
O Ultimatum
Mas o início do reinado de D. Carlos coincide com um acontecimento dramático para Portugal: o ULTIMATUM Inglês. De 1890.
Portugal tinha conseguido organizar e instalar grandes colónias em Angola, na parte ocidental de África; e em Moçambique, na parte oriental de África.
E, por iniciativa da Sociedade de Geografia de Lisboa, surge um plano - O Mapa Cor de Rosa - que consiste em unir as duas colónias ocupando militar e administrativamente as regiões que se situavam no centro de África entre elas. Portanto, de Angola a Moçambique passaria a ser tudo uma grande colónia portuguesa.

Do Cabo ao Cairo
Simplesmente os Ingleses tinham um outro plano: Do Cabo ao Cairo.
Uma super colónia Inglesa que vinha desde o Cabo, no Sul, até ao Cairo, no Egipto.
E é claro que a existência do Mapa Cor de Rosa impedia o projecto futuro Inglês Do Cabo ao Cairo. Portanto, os Ingleses enviaram-nos um Ultimatum para retirarmos imediatamente.
Ora o governo não tinha outra solução senão ceder. Não era possível entrar em guerra com a Inglaterra, claro.
Mas o partido Republicano tirou disso um grande partido, acusando o governo de não ser capaz de defender os interesses portugueses em África. E até acusando o Rei de cumplicidade com a Inglaterra, para se dar aquele resultado terrível.

A Primeira Revolução Republicana: o 31 de janeiro de 1891
O Ultimatum emocionou profundamente o país. E deu um grande alento ao partido Republicano, que queria “salvar” Portugal e a África.
É na sequência dessa emoção pública que se dá no Porto a primeira Revolução Republicana. A revolução de 31 de janeiro de 1891.

É uma revolução de sargentos, organizada por jornalistas e que termina tragicamente em fuzilamentos pela guarda municipal, por uma falha de informação. Mais um engano. Disseram aos sargentos que a guarda estava do lado deles mas afinal não estava. E isso provocou muitas vítimas, muito sangue. O que alarmou a consciência burguesa que não gostava de violência.
E, durante algum tempo, o partido Republicano desceu a sua popularidade.

A popularidade da família Real e o Franquismo
Durante esse mesmo tempo, a Família Real, aproveitando o comboio, fazia viagens ao interior sob grandes ovações. A Família Real em toda a parte era recebida com carinho e entusiasmo extraordinários. Parecia que estavam criadas as condições para a tal Ideia Nova. E na realidade, em 1906, o rei D. Carlos acaba com a Rotatividade dos partidos e entrega o governo a João Franco, o chefe da Dissidência Regeneradora / Liberal.
Todos os outros partidos ficaram contra o Rei, chamam a esse acto a ditadura Franquista. Não é tecnicamente uma ditadura, uma vez que foram marcadas novas eleições dentro do prazo admitido pela Constituição.
Mas o franquismo cria um período, entre 1906 e 1908, de grande excitação, de indignação popular contra o governo, que é acusado de estar a estrangular a Monarquia.

O Regicídio
É nessa atmosfera unânime contra o governo que se dá o atentado do 1º de Fevereiro de 1908, no Terreiro do Paço, quando a família Real regressava de Vila Viços.
Um conjunto de atiradores republicanos aguardava, em vários pontos do Terreiro do Paço, o coche Real. E todos atiraram sobre a carruagem, matando o Rei D. Carlos e o Príncipe Real D. Luis Filipe.

Depois disso apareceram várias versões e teses de que eram só dois os atiradores, o Buíça e o Costa. Mas isso é falso.
O atentado demorou semanas a preparar e não tem sequer nada a ver com o decreto que D. Carlos assinou na véspera como se tentou dizer. mais uma mistificação.
Tratou-se de uma organização poderosa, que trabalhou durante semanas e que funcionou em pleno. E mataram o Rei.
O período Pós - D. Carlos
A morte de D. Carlos vem privar a monarquia do seu principal alicerce. Morto o Rei, a monarquia ficava numa situação muito frágil. Tão frágil que o primeiro decreto depois do regicídio manda libertar todos os presos políticos republicanos que estavam na cadeia.
Como sempre, o único castigado pelo regicídio acaba por ser o chefe do governo, João Franco, que foi intimado a sair de Portugal.
É surpreendente isto. Então matam o Rei e o culpado é o chefe do governo?
Isto representa a desorientação e o ambiente de pânico que se estabeleceu entre os monárquicos.

Quando se estuda esta época fica-se com a idéia de que estamos num país com uma Monarquia sem monárquicos; e com os republicanos sem República.
Chama-se um novo chefe do governo... quem há-de ser? Chama-se o Almirante Ferreira do Amaral que era um homem de prestígio e que não pertence a partido nenhum - isto mostra o desprestígio dos partidos.
O que é necessário, para Ferreira do Amaral, é acalmar os ânimos da população.
Os ânimos estão muito exaltados com a morte do Rei, há muita agitação, é preciso acalmar a opinião pública para se continuar a governar.
A Revolução Republicana
Neste clima de contemporização com o partido Republicano e com o crime que acabava de ser cometido, passam-se os anos de 1908 e 1909.
E no dia 3 de Outubro de 1910 rebenta em Lisboa a revolução Republicana.
O plano da revolução tinha sido estabelecido por oficiais permanentes e contava com a intervenção das unidades militares da guarnição de Lisboa. E, além disso, com a colaboração da Carbonária. A base do partido Republicano estava ligada à Carbonária, isso é um facto.
A carbonária era uma organização clandestina, armada, que colocava bombas e desestabilizava a população e a autoridade. Algo parecido com uma organização de guerrilha terrorista dos nossos dias.
Simplesmente este plano falhou porque as tropas das guarnições, com excepção do Quartel de Marinheiros, não saiu dos quartéis. A revolução chegou a parecer falhada.
O papel fundamental - que era o da tropa - não apareceu.

O comandante, o director do movimento, o Almirante Reis, julgando tudo perdido, suicidou-se. mas precipitou-se porque os Carbonários que se tinham juntado na rotunda não se renderam. E resolveram resistir até ao fim.
Assim aguentaram todo o dia 4 de Outubro, sujeitos ao fogo monárquico. E na manhã do dia 5, o cruzador Vasco da Gama e o cruzador Adamastor aderiram à Revolução e começaram a bombardear o palácio real.

Nessa altura levam o Rei (D. Manuel II) para Mafra. E daí para a Ericeira, onde ele embarca para Inglaterra, de onde nunca mais voltou.
O equívoco que faz vencer a Revolução.
As condições da proclamação são estranhas.
Não há um acto de rendição. O que se passou foi que o embaixador alemão se vestiu solenemente com casaca e chapéu alto, e dirigiu-se no automóvel à rotunda com uma bandeira branca, a bandeira da paz, para pedir um armistício. Mas isto porque a artilharia já estava a fazer vítimas e ele queria reunir, na delegação alemã, os súbditos alemães que residiam em Lisboa.
A população na Avenida viu passar um carro solene, com um senhor de chapéu alto e com uma bandeira branca, e concluiu que seria o governo a render-se!
Se o governo se rendeu, vem tudo para a rua, numa algazarra imensa.
- Viva a República! Viva a República!
E a República proclamou-se assim espontaneamente.

O directório do partido Republicano entrou na Câmara Municipal, que já estava dominada completamente pelos republicanos - a vereação era toda republicana - e do alto da janela anunciaram a proclamação da República.
Os membros do governo eram fundamentalmente os membros do directório do partido Republicano.

E assim, com a soma de dois enganos sucessivos, se implantou a República... à força, mas com o apoio do povo.


Epílogo:
“Nem apitos nem Ó da Guarda! Nem Aqui d´El Rei!
Viva a República! É o único grito que chama a polícia e nos livra dos malfeitores!”