10.07.2002

Seia de costas voltadas para a Educação

O Ministério disponibilizou hoje os dados relativos às classificações do universo dos alunos das várias escolas secundárias do país relativamente aos últimos exames do 12º ano.
Das 619 Escolas observadas, a nossa Escola Secundária, a de Seia, ficou em 356º lugar. Quase 8% abaixo da Escola mediana, por acaso a de Mangualde. Felismina Alcântara, de seu nome.

É claro que uma montanha de vozes se levantou de imediato, vociferando contra tal iniciativa, rotulando este ranking desde aberrante até criminoso.
Que destrói a vaidade e o orgulho nas escolas.
Que destrói a vontade dos alunos de frequentarem a escola.
Que foi a pior coisa do mundo o classificarem as escolas por este método (ou por outro qualquer, presumo).
De tudo disse a presidente eterna do sindicato dos profs da UGT. Suponho que o da CGTP dirá o mesmo. E pensam estes presidentes destes sindicatos que estão a prestar um grande serviço a quem lhes paga o ordenado, dizendo o que dizem.

Mas não.
Por pior que tenha sido o critério escolhido para mostrar o que se passa nas escolas secundárias e, particularmente, para avaliar que preparação estamos a dar aos nossos adolescentes, a verdade é que as classificações nuas e cruas, com ou sem critérios regionais discutíveis associados, são imparciais.

Mais do que perder tempo a tentar antecipar as razões que terão levado o Ministério a esperar para os alunos de Seia uma média de 94.49 (negativa capicua), enquanto que para os de Mangualde, Nelas, S. Pedro do Sul , Pinhel, Oiveira do Hospital e Gouveia espera bem mais (só na Escola de Fornos o governo esperava resultados piores que os de Seia, vá-se lá saber porquê), preocupa-me, isso sim, a classificação final que os alunos obtiveram.

E o tristemente curioso é verificar que os alunos de Seia ficaram, em classificação pura, sempre abaixo dos seus congéneres das regiões vizinhas. Quer isto dizer que apesar de terem sido beneficiados pelo Ministério, que deles exige menos do que dos vizinhos, mesmo assim os alunos de Seia não aproveitaram essa vantagem e colocaram-se decididamente abaixo de todos os outros à excepção dos de Fornos de Algodres e de Celorico da Beira.

Alguns números: a média de Nelas foi de 104.46, a de Oliveira foi de 101.45, a de Gouveia foi 100.72, a de Mangualde foi de 96.06, e até a de Pinhel foi de 94.67.
Seia ficou-se pelos 92.87, já em terreno claramente negativo, mesmo abaixo da negativa já esperada pelo governo, que era, repito, de 94.49.

E agora? De quem é a culpa?
Dos alunos apenas?
Não, porque os alunos foram percebendo que a vida estudantil é não perder pitada dos big brothers, jogar e ver futebol, e fazer tudo menos estudar.
Estudar, nunca! Qual é o aluno do ensino básico que estuda em casa um quarto de hora, por dia? Muito poucos ou quase nenhum. A regra nesta região é não se fazer peva. Trabalhar é a excepção.
Também não tem sido preciso. Mesmo os alunos negativos durante todo o ano há muito interiorizaram que no 3º período é "meia de graxa" que a varinha mágica funcionará.

É da conjuntura política, a culpa?
Não, porque vivemos em democracia há 28 anos, nenhum destes alunos nem a maior parte dos pais sofreram a repressão e o obscurantismo do antigo regime, e a comunicação social, as novas tecnologias, a própria televisão, por muito pimba que se assuma, ainda difunde, em alguns conteúdos, o mundo e a cultura dos nossos dias. Não há censura; o que mais há é jornais, bibliotecas, e com total acessibilidade e completamente gratuito nas escolas, o maior banco de informação do planeta: a WWW - Internet.

Então será das escolas, dos edifícios, a culpa?
Não, e veja-se aquela onde trabalho, por exemplo: a Abranches Ferrão
Não imagino uma necessidade fundamental que lhe falte. Edifício e recheio impecáveis, salas de aula agradabilíssimas, óptima iluminação, quadros imensos, material didático de apoio à discrição, espaço envolvente maravilhoso, gimno-desportivo novo, biblioteca, ludoteca, cantina e videoteca irrepreensíveis. Auditório totalmente equipado com DVD surround. Clubes de jornalismo, Rádio, Cinema, Saúde, Floresta, galardão Eco-Escola, escola Unesco, cartão magnético interactivo da Escola, etc, etc, etc.

Então tem que ser dos professores, a culpa?
Assim acredito. Mas não pelas razões óbvias.
Não porque ganhem ordenados de ex-deputados sem fazer "nenhum" como os ex-deputados não têm, já, que fazer (embora tivessem, quando o eram).
Não porque se "baldem" ou porque não se interessem pelos alunos. Sei bem, porque lido com eles diáriamente, que todos dão o seu melhor - mesmo desterrados, desalojados, deslocados, e por tudo isso stressados - se não se dedicam mais ao aluno é porque, de todo, não conseguem.

Então porque é?
É apenas porque não exigem diáriamente dos alunos o trabalho que esses alunos têm obrigação de desenvolver, como é esperado e norma em todos os colégios privados, muito bem colocados no topo deste ranking. E de todos os outros rankings que quiserem fazer. Correctos e incorrectos. Ou acham que algum ministro tem filhos nas escolas públicas?
Porque os confundem no dia a dia, com a sua amizade e carinho, dando-lhes a entender que, desde que tenham ouvido falar da matéria e sejam bem comportados, isso é quase todo o caminho andado.
Porque o que mais os preocupa, verdadeiramente, é a indiscipolina dos alunos, que muitos professores também não têm a capacidade ou coragem de controlar, substituindo um procedimento disciplinar nítido por um "não fazer caso", que é a pior das soluções para a indisciplina.

É, assim, paradoxalmente, este comportamento "pro-positivo", "pro-pedagógico" e "pro-amenizador" do professor Senense "muita fixe" que, ao incutir no aluno o sentido da desculpabilização pela ausência do seu trabalho diário, vai alimentando esta medíocre e pantanosa atmosfera na nossa Educação regional, que este e quaisquer outros estudos, sempre que se façam, desgraçadamente reflectirão.

joao.tilly@netvisao.pt