11.06.2017

D. Dinis fez tudo quanto quis... MENOS plantar o Pinhal de Leiria.

Faz hoje 3 semanas que Portugal ficou gravemente ferido pelos maiores incêndios da História e sobressaltado por um grande drama: tinha ardido o pinhal de Leiria, o tal que tinha sido plantado por D. Dinis.


Bom. Isso é mais uma peta que nos contam - como 90% do que nos contam sobre seja o que for, em Portugal - e eu vou dizer-vos o que realmente fez D. Dinis. Que foi um magnífico Rei e fez muito mais do que mandar plantar um pinhal. E isso ele não fez.

No reinado de D. Dinis Lisboa passa a ser a Capital de Portugal. Provavelmente em 1255. Os altos tribunais têm a sua sede em Lisboa. D. Dinis é o primogénito de D. Afonso III mas havia um problema.

Ele é filho da D. Beatriz mas a primeira mulher de D. Afonso III, a tal condessa de Bolonha, ainda era viva, e portanto D. Dinis não era filho legítimo enquanto o casamento de seus pais não se legitimasse.

Os irmãos lançam-lhe, pois, uma guerra. A primeira Guerra Civil portuguesa de que muito pouco se sabe porque não havia cronistas nesta altura. A também denominada Guerra de Portalegre. De que D. Dinis sai vitorioso. Aos 18 anos é coroado Rei.

Os reinados juntos de pai e filho prefazem 77 anos. E durante todo esse tempo Portugal nunca deixou de crescer. O comércio em particular desenvolveu-se muito.

Em 1293, D. Dinis confirmou a Bolsa Marítima que era uma organização dos mercadores portugueses que faziam um depósito de uma parte dos seus lucros para cobrir os prejuízos das viagens, tais como naufrágios. Aqui nasceram os Seguros em Portugal.

Outro sinal de progresso foi o decreto que instituiu o uso obrigatório da Língua Portuguesa nos documentos oficiais, sendo declarada o idioma oficial. Nasce, pois, o "Português" que substitui o Latim em todos os documentos.

Já antes, em 1288, o rei tinha conseguido do Papa autorização para que funcionasse em Portugal o futuro Estudo Geral (Universidade). Que,devido às queixas da população, passou para Lisboa e novamente para Coimbra e novamente para Lisboa até que se fixa finalmente em Coimbra.

Para o conseguir, D. Dinis teve que fazer as pazes com o Papa que tinha excomungado Portugal no tempo de seu Pai, Afonso III, por este ter proibido as doações à Igreja.

Os bens da Igreja não pagavam impostos e o Estado não via um cêntimo de todos aqueles infindáveis terrenos e propriedades que o povo, na hora da morte, legava à Igreja para remissão dos pecados terrenos. Foi assim que a Igreja enriqueceu. Mas com isso prejudicavam-se fortemente os cofres do estado.

É preciso recordar que nessa época em Portugal - um povo muito católico e crente - não se dizia missa, não se baptizava nem se sepultava ninguém em solo sagrado devido à excomunhão de Afonso III e de Portugal.

D. Dinis compilou as 40 queixas dos bispos e conseguiu negociar com o Papa a Concordata dos 40 artigos. Para cada queixa se arranjou uma solução.

As fronteiras terrestres foram delimitadas pelo tratado de Alcanizes. A partir daí, o Portugal Continental manteve praticamente constante a sua configuração. À excepção de Olivença e pouco mais. Um dia destes lá iremos. Somos uma das nações do mundo com mais antigas fronteiras.

Um outro ponto muito importante desta época é a criação da Ordem de Cristo. O Papa tinha extinguido os Templários e tentava confiscar os seus Bens. O Rei D. Dinis tinha acabado a guerra com os mouros em terra, com a conquista do Algarve. Mas essa guerra prosseguia no mar e aí quem estava especialmente incumbido da guerra contra os mouros eram os Templários. E agora os Cavaleiros da Ordem de Cristo. E é por isso que os navios dos Descobrimentos ainda trazem nas velas a Cruz da Ordem de Cristo.

E que mais fez D. Dinis? Fundou vilas novas, instituiu feiras, mandou enxugar pântanos, construiu mosteiros e fortalezas. É impressionante a lista de obras que consta na Crónica de D. Dinis de Ruy de Pina.

Para além de centenas de casais que se tornaram aldeias - e algumas até vilas e sedes de concelho sobretudo no Minho - ele construiu Serpa, Moura, Olivença, Campo Maior, Monforte, Arronches, Portalegre, Marvão, Castelo de Vide, Borba, Vila Viçosa, Arraiolos, Alandroal, Monsaraz, Juromenha. E a torre de Beja. E na Beira ainda fez Avô, Sabugal e Castelo Rodrigo.

O número de feiras aumentou imenso. Só até ao fim do sec 13 há 30 novas feiras em Portugal. E feiras francas onde os comerciantes não pagavam impostos.
(Nenhuma delas é a Feira Franca de Viseu, a mais antiga que chegou aos nossos dias. Esta foi instituída mais tarde por D. João I em 1392).

Aumenta a moeda circulante, a extensão dos campos arroteados quase duplica, e com isso cresce a produção de azeite e vinho que os mercadores ambulantes compram nas feiras locais e vão vender no Mediterrâneo, no Norte de África, na Flandres. E com isso as alfândegas conseguem grandes rendimentos.

O Rei de Portugal casou com uma filha do Rei de Aragão, a princesa Isabel que vem a ser a famosa Rainha Santa. O casamento fez-se primeiro por procuração em Barcelona e depois realizou-se com grande solenidade na vila de Trancoso.

Esse casamento foi um acontecimento muito importante na História de Portugal. Pela personalidade da Rainha Santa que se vai revelar uma grande defensora da Paz, tanto no plano interno - porque o pais estava dividido em frações que se degladiavam de morte - como no plano internacional em que ela procura que Portugal viesse a ter uma posição de árbitro entre as várias nações Hispânicas. A Rainha, em virtude dessa sua acção, foi sendo rodeada, ainda em vida, por uma espécie de auréola de Santidade. O povo atribuía-lhes milagres e ela vem a ser beatificada ainda no Renascimento pelo Papa Leão X e depois canonizada no sec 17 pelo Papa Urbano 18.

O reinado de D. Dinis termina tragicamente. O rei tinha um único filho da Esposa, o Infante Afonso (que viria ser IV), mas fora do casamento tinha vários filhos bastardos e tinha uma grande predilecção por um deles, o D. Afonso Sanches. Uma predilecção tal que o fez nomear Mordomo Mor do Reino, o equivalente a Primeiro Ministro.

O herdeiro do reino chegou a acusar o pai de o querer substituir no trono pelo irmão e revoltou-se abertamente. Esta é a explicação "normal". Uma questão puramente de sucessão. Mas, como sempre, não foi só isso.

Por detrás da guerra civil havia contradições muito mais profundas. A acusação que o Infante revoltado fazia a seu pai era a de que ele não "governava com justiça". Quer dizer: não mantinha o equilíbrio entre grandes e pequenos. Fazer justiça era proteger os pequenos contra a cobiça e a ganância dos grandes. E a revolta, no fundo, era esta.

Ora, é verdade que a partir do inicio do séc 14 - ano de 1300 - o rei D. Dinis deixa de convocar as cortes, dá proeminência aos grandes nobres e às grandes doações e alguma razão tinha o Infante e as forças que o apoiavam para se revoltarem.

A guerra, com pequenos intervalos, durou desde 1320 a 1324. Toda a gente estava contra D. Dinis incluindo a Rainha Santa. Mais: a Rainha Mãe de Castela, D. Maria de Molina, chega a escrever a D. Dinis, sugerindo-lhe que abdique em favor de D. Afonso. Do lado do infante há poderosas forças - e claro, também o povo - contra os quais o Rei não pode fazer nada.

D. Dinis chegou a apelar ao Papa para que repreendesse o filho. E ele assim fez, numa bula ameaçando excomungar o Infante revoltoso se não depusesse armas. Mas sem efeito. O Rei apelou igualmente ao Bispo de Évora para que viesse a Estremoz para convencer o seu filho a depor as armas. Mas também em vão. O Bispo foi morto e cortado em bocados na Torre de Estremoz.

Na véspera do último combate em Santarém, foram contar as lanças. Do lado do Rei só havia 40 lanças e do lado do povo havia 320.

Por fim, o Rei foi obrigado a expulsar do país D. Afonso Sanches, e teve ainda que afastar os ministros mais odiados pelo povo. Mas D. Afonso Sanches vai aparecer mais à frente na História, no episódio da morte de D. Inês de Castro, uma história muito obscura com muitas ramificações e interpretações, que já contei ao de leve nestas páginas.

D. Dinis acaba o seu reinado em desgraça. Nos últimos anos da sua vida D. Dinis não mandava nada. Era já o seu filho, futuro Afonso IV, o verdadeiro Rei de Portugal.

Foi isto, em traços largos, o que D. Dinis fez e o que lhe aconteceu. Quem começou a plantar o pinhal de Leiria foi D. Sancho II e quem terminou de o fazer foi D. Afonso III, pai de D. Dinis.
Este, o máximo que pode ter feito, foi aumentá-lo.
 Mas nem isso é garantido.

11.03.2017

Fernão de Magalhães - a inacreditável primeira Aventura à volta do mundo

A verdadeira História da primeira viagem de Circum-navegação.

Há 500 anos (495 mais exactamente) um navio irreconhecível chegava ao porto de Sevilha.
A sua tripulação estava reduzida a 18 homens doentes e famintos.
Mas este navio acabara de completar uma viagem da maior importância. Que mudaria o curso da História e a forma como vivemos hoje.


A Victória - única sobrevivente da Viagem
Corria o ano de 1522 e o Victória tinha-se tornado o primeiro navio a fazer uma viagem completa à volta do globo: uma Circum-Navegação. Esta viagem abriu o ultimo grande oceano, o Pacífico, criou novas rotas comerciais e revelou a verdadeira escala do nosso planeta.

Foi o triunfo do Espírito Humano e uma Saga épica de resistência e fome, motins e morte.
E transformou um homem - Fernão de Magalhães - num dos mais célebres exploradores na História da Humanidade.
Mas por detrás da lenda desta grande viagem de descoberta está outra história. 
 Eu vou contar aqui as duas.

1 - Os verdadeiros objectivos da Viagem

A verdade é que Magalhães nunca pretendeu fazer nenhuma viagem de circum-navegação.
Mas uma série de acontecimentos extraordinários transformou uma viagem ambiciosa numa viagem verdadeiramente histórica.

A grande viagem de Magalhães iniciou-se em 15 de Setembro de 1519, quando ele saiu de Espanha para o desconhecido.

António Pigafetta
O cronista da viagem, António Pigafetta registou o momento. E escreveu:

- "A frota, depois de equipada com tudo o que era necessário e tendo nas cinco naus gente de várias nações em número de 241, estava pronta para a partida. E, disparando toda a artilharia, desfraldámos as velas e levantámos ferro".

Para Magalhães, o capitão general, esta viagem era a concretização de um sonho que acalentava há 5 anos. Este português fidalgo do Norte duro e determinado - que tinha sido um herói em Portugal mas que foi caindo progressivamente em desgraça (contaremos a sua história mais adiante) - jogava a maior cartada da sua vida.
A fama, a fortuna ou apenas a sobrevivência dependiam do resultado desta expedição.

O objectivo de Magalhães era puramente comercial - encontrar para Espanha uma rota para a mais preciosa mercadoria: as especiarias.
No sec 16 elas valiam mais do que ouro. Mas para Espanha elas eram inatingíveis. E porquê?

O tratado de Tordesilhas
Porque, pelo Tratado de Tordesilhas (1494) o mundo estava dividido entre as duas maiores potências da Terra: Portugal e Espanha. 

O Tratado foi celebrado para dividir as terras "descobertas e por descobrir" fora da Europa por ambas as Coroas.

Este tratado surgiu na sequência da contestação portuguesa às pretensões da Coroa de Castela, resultantes da viagem de Cristóvão Colombo que, um ano e meio antes, chegara ao chamado Novo Mundo, reclamando-o oficialmente para a actual Espanha.
O tratado definia como linha de demarcação o meridiano 370 léguas a oeste da ilha de Santo Antão no arquipélago de Cabo Verde. Esta linha estava situada a meio caminho entre estas ilhas portuguesas e as ilhas das Caraíbas descobertas por Colombo, no tratado referidas como "Cipango" e Antília.
Os territórios a leste deste meridiano pertenceriam a Portugal e os territórios a oeste, a Espanha.

Espanha ficou com os direitos de comércio da parte Ocidental do mundo, enquanto Portugal controlava o Oriente que comportava a única rota conhecida para as inimagináveis riquezas das Ilhas das especiarias, as actuais Molucas.

As Ilhas Molucas - das especiarias. Actual Indonésia
A ideia dourada de Magalhães era encontrar uma rota para oeste para as ilhas das especiarias, através de águas espanholas.
Era um plano incrível. Uma rota destas nunca tinha sido navegada antes. E ninguém sabia sequer se existiria.

Se ele conseguisse encontrar essa rota, Espanha tornar-se-ia a Nação mais poderosa do mundo e Magalhães partilharia dessa riqueza.
A viagem seria muito difícil, não havia nenhum conhecimento sobre essa rota. Não havia mapas minimamente fiáveis da área. Os que existiam mostravam apenas um pouco da costa do Brasil, algumas ilhas das Caraíbas mapeadas por Colombo e seguidores, até ao cabo da Boa Esperança.
E tudo o resto era desconhecido para os cartógrafos.

Foi um verdadeiro acto de fé conceber que havia uma passagem por ali. E um acto de fé muito ousado pois pensava-se que as Américas bloqueassem erra rota.

A Rota de Magalhães
Magalhães pretendia desbravar uma área de mar desconhecida.
Muitos acreditavam que era um percurso impossível.
Entre os oficiais da Esquadra que duvidavam dessa rota contava-se um comandante ambicioso chamado Sebastião Elcano.
Este jovem espanhol iria desempenhar um papel crucial nesta épica viagem.

De acordo com os relatos da época, Magalhães sabia de uma passagem abaixo da América do Sul. Por onde a frota passaria em direcção às ilhas.
Mas saberia ele mesmo dessa rota ou estaria seguindo um palpite?
Seja qual for a resposta ele guardou-a em segredo.
Magalhães nunca revelou como soube da passagem. Mas deve ter ouvido boatos muito comuns entre os navegantes do sec 16.

O capitão general também não revelou o plano completo da viagem. 
Se o tivesse feito, muitos ter-se-iam recusado a embarcar numa viagem tão longa como esta que ele pretendia realizar. E passando por áreas de mar tão violento e traiçoeiro.

Mas manter toda a tripulação na ignorância relativamente ao itinerário a seguir tem os seus riscos. Por pouco, isso não destruiu a missão por completo.

2 - Quem era Fernão de Magalhães?

Fernão de Magalhães
Quem era esse homem com tamanha obsessão e determinação capaz de correr um risco tão grande?
E quem eram os seus colaboradores?
Esta é uma outra história que envolve 2 + 2 irmãos.

Magalhães era uma figura contraditória.
Era um homem baixo, fisicamente, muito seguro de si próprio mas não era arrogante.
Seria incapaz de ostentar que era um aristocrata.
Era um homem de poucas palavras, dedicado à família, cuidava dos seus...

Com 25 anos de idade alistou-se como voluntário na viagem às Índias Orientais, região que abrangia China, Japão, Índia, Arábia e Pérsia, acompanhando o primeiro vice-rei português do Leste.
Desde o século XV, as Índias exerciam grande fascínio sobre os navegantes e exploradores.
As "especiarias" eram aí vendidas a custos reduzidos.
Encontrar a rota marítima para as Molucas, as famosas ilhas de onde provinha a preciosa mercadoria, era o principal objetivo.

Sempre viajando pelo Oriente, fez parte de expedições a Quíloa, Sumatra e Malaca.
Em 1506 foi ferido em Cananor. Em 1508 voltou à Índia, onde novamente foi ferido na batalha de Diu.
Em 1510 recebeu o título de capitão, em reconhecimento aos serviços prestados.
Entre 1513 e 1514 tomou parte na luta contra Azamor, durante a conquista do Marrocos.
Mais uma vez foi ferido, ficando aleijado de uma perna.

D. Manuel I de Portugal
Ao regressar a Portugal a recepção não foi a melhor. Estava acusado de negociar com os mouros, o que em Portugal era sinónimo de traição. Esta acusação fê-lo perder prestígio junto ao rei D. Manuel I, que o impediu de continuar a trabalhar em Portugal.

Indignado, Magalhães renuncia à sua nacionalidade portuguesa e decide oferecer os seus serviços ao rei da Espanha.
Em 1517 chega a Sevilha e em seguida desloca-se a Valladolid para se encontrar com o rei Católico e futuro Imperador Carlos V.
Ia assessorado por 2 grandes sábios portugueses, os irmãos Francisco e Rui Faleiro, dois dos maiores cosmógrafos do seu tempo e, penso eu, os verdadeiros responsáveis pela convicção de Magalhães de que seria possível a passagem para o mar do Sul (Pacífico) a latitudes superiores a 40 graus (42º) contornando a América do Sul.

E isto era, de facto, verdade. Mas nesta altura ainda nada disto estava confirmado.

Com a ajuda dos irmãos Faleiro e de um terceiro financiador, Cristóvão de Haro, um rico mercador flamengo que tinha negócios em Lisboa e que devido a um problema entre o seu irmão Jacob e o rei D. Manuel se desentendeu com este, Magalhães consegue expor os seus planos para atingir as Índias Orientais viajando pelo Ocidente.

Os irmãos Faleiro (essencialmente o Rui) elaboraram o projeto da viagem e o indispensável financiamento (1/4 do total) foi garantido por parte de Cristóvão de Haro.
De modo que as condições estavam reunidas para que o projecto tivesse velas para navegar.

Carlos I de Espanha
Carlos I (futuro V e genro de D. Manuel I de Portugal) aceitou financiar os restantes 3/4 da expedição, e o acordo foi feito entre um renegado português (Magalhães), dois sábios portugueses que queriam testar a sua teoria (os Faleiro), e um mercador de Antuérpia zangado com D. Manuel (Haro)... e o Rei de Espanha.

Mais uma curiosidade... esta viagem foi proposta a Carlos I, que era nem mais nem menos do que genro de D. Manuel I, pois era casado com a sua filha, D. Isabel de Portugal (1503-1539), uma portuguesa que viria a ser Raínha consorte de Espanha e Imperatriz Consorte do Sacro Império Romano-Germânico. E também a grande paixão de Carlos V. Uma outra história inacreditável que já contei aqui.

No dia 22 de março de 1518, Magalhães e Faleiro assinam um compromisso com D. Carlos V, pelo qual proclamariam espanholas todas as terras que encontrassem no decurso da navegação pelo ocidente e que receberiam 1/5 do ganho obtido, descontadas as despesas.

3 - A frota e a tripulação

Magalhães começou por reconstruir 5 naus que Carlos V tinha desactivadas porque eram bastante velhas e obsoletas. E transformou-as em naus comerciais robustas especialmente desenhadas para navegar nas águas traiçoeiras dos mares abertos. Nisto investiu um ano e meio da sua vida.

A armada era composta, pois, com as cinco embarcações: "Vitória", "Santiago", "Conceição", "Santo António" e "Trindad" que navegariam sob o comando de Magalhães, com tripulação, provisões, armas e munições para dois anos. E tudo foi insuficiente, como veremos adiante.

 A tripulação era composta por 241 homens segundo Pigafetta (e mais de 260, segundo outros autores) e era constituída por marinheiros de várias necionalidades: espanhóis, portugueses, italianos, franceses, alemães, gregos, ingleses, africanos e também malaios que serviriam de interpretes.
Pelo menos um deles, o aio de Magalhães, de seu nome Enrique, que tinha trazido para Portugal na última campanha de serviço, ir-lhe-ia ser muito útil mais adiante.

Magalhães queria completar o que Colombo tinha começado mas não tinha terminado. O que ele iria tentar, no fundo, era o equivalente ao que tinha conseguido Vasco da Gama, ao contornar África.
Ele decidiu fazer o mesmo à América do Sul.

Quando Magalhães era jovem, esses dois exploradores - Colombo e Vasco da Gama - haviam arriscado tudo pelas especiarias. E tinham-se tornado famosos.
Eles inspiravam Magalhães a cobiçar a última rota inexplorada ao redor da América do Sul.
Este projecto ambicioso tornou-se, pois, uma obsessão.

Os grandes exploradores eram homens solitários. O seu trabalho não podia ser partilhado.
Magalhães não podia, por exemplo, confessar a ninguém que não tinha a certeza absoluta da existência da passagem para as Índias navegando para Ocidente.
Ele não podia partilhar os seus receios e incertezas com ninguém. Se o fizesse ninguém quereria pertencer à sua tripulação, naturalmente.

Naus Portuguesas (Cruz de Cristo)
E havia outro problema.
Ao levar a frota para o sul, para uma rota nunca navegada, Magalhães estava a assumir pela primeira vez a patente de Capitão de uma frota.
E iria comandar Capitães espanhóis muito mais experientes do que ele. E oriundos de Famílias e de linhagens muito superiores à dele.
Este foi um problema inultrapassável que ele teve que enfrentar ao longo de toda a viagem.

O seu primeiro desafio era o Atlântico onde muitos já haviam morrido.
Diz o cronista:
- "Em 3 de Outubro de 1519 chega uma tempestade. Muita ventania e correntes cruzadas atingiram-nos pela frente. Como não podíamos avançar, e para que os navios não afundassem, tivemos que arriar as velas. Cambaleámos ao léu no mar até ao fim da tempestade. Era uma tempestade terrível."

Hoje em dia, temos toda a tecnologia de posicionamento e de comunicações redundantes disponível num pequeno veleiro. Mas Magalhães não tinha nada disso.
A sensação de risco deveria ser enorme.

Por outro lado, uma nau do sec 15 - como aquelas 5 eram - em alto mar, balançavam imenso.
O casco constituía uma parábola muito aberta e sem o auxílio de uma quilha proeminente. O que provocava que o navio inclinasse e balançasse permanentemente mesmo durante a acalmia. Imagine-se numa tempestade...

4 - As tempestades ferozes e o fogo de Santelmo

Magalhães cruzou uma das áreas mais perigosas dos oceanos.
Os homens deveriam ter a impressão de que as tempestades nunca mais acabariam.
Os navios começavam já a denunciar alguns sinais de desgaste.
Há relato de uma ventania tão forte que mesmo com as velas recolhidas elas foram destroçadas pela força do vento.

Magalhães era um homem obcecado por aquele desafio mas os seus homens começavam a ficar exaustos e com muito medo do desconhecido.
Por isso, começaram a rezar e a pedir a Deus por um milagre.
E as suas preces foram ouvidas.

Tempestades imensas assolavam as Naus
- "Durante as tempestade vimos São Erasmo várias vezes no meio da noite escura e da terrível tempestade. Ele apareceu com uma tocha acesa no alto do mastro e ali ficou por mais de duas horas e meia para conforto de todos nós. Chorávamos em desespero, esperando a hora da morte. E quando foi embora a sua luz sagrada era tão intensa que não pudemos abrir os olhos por mais de um quarto de hora. E ficámos como cegos clamando por misericórdia."

Este fenómeno é conhecido por fogo de Santelmo.
A explicação científica é a seguinte: em plena tempestade, as nuvens ficam muito carregadas negativamente. E essa tensão voltaica pode chegar a 30 mil volts por cm2.  A consequente descarga eléctrica na ponta de um mastro ou noutras saliências do navio torna-se impressionante.

Os homens notaram que este fenómeno acontecia sempre no final da tempestade.
E, de facto, esta descarga eléctrica ocorre mais frequentemente no final das tempestades.
Os homens, à época, concluíram que se tratava de intervenção Divina.
Quer o fosse quer não, foi uma grande ajuda.
Como todos os exploradores confirmam, à exaustão resiste mais o corpo do que a mente.
E o facto de os homens acreditarem ter visto Santo Erasmo deve ter levantado bastante o seu moral dando-lhes força durante aquele suplício.

Quase 4 meses após a partida de Espanha, a frota - agora já bastante maltratada - alcança a costa da América do Sul.
Eles desembarcam numa bela baía selvagem próxima ao que um dia seria o Rio de Janeiro.
Dali prosseguiram para Sul pela costa.

Pigafetta descreveu algumas das coisas fantásticas que iam observando:
- "Há uma quantidade infinita de papagaios e uns macaquinhos com aparência de leão. 
Há também muitos peixes voadores. Eram tantos que pareciam uma ilha no meio do mar. 
E homens e mulheres que pintam com fogo o corpo e a face e comem a carne dos inimigos."
Não sei como conseguiu ele ver isto, mas é certo que  algumas tribos de nativos do Brasil eram antropófagas.

Por fim chegaram ao limite do mundo conhecido.
Estavam a 35 graus de latitude sul. O mais longe na América do Sul que já se havia alcançado.
Há indícios de que Magalhães esperava fazer a travessia ali.
A costa dá uma forte guinada para oeste e não parece haver terras ao sul dali.
O local foi baptizado O Cabo de Santa Maria.

- "Acreditávamos que, mais adiante, encontraríamos a passagem para o Mar Sur" (Mar do Sul).

Mas após 15 dias de navegação, tornava-se impossível negar o óbvio: não se havia encontrado a famosa passagem.

Estavam, sim,  numa enseada gigante de quase 300 kms de comprimento por 200 kms de largura.
Era a foz do Rio da Prata nos actuais Montevideo (Uruguai) e Buenos Aires (Argentina).
A foz do Rio da Prata

Foi um desastre.
Magalhães tinha entrado num beco sem saída. 

Até ele começa agora a duvidar da existência da passagem.
Mas desistir era impensável.
Magalhães toma então uma extraordinária decisão sem precedentes: seguir no limite do mundo conhecido e navegar por mares que nenhum europeu conhecia.


E assim, seguiu às cegas por uma área vazia a que chamou de Patagónia.
Uma região de mares dos mais bravios do mundo e em pleno inverno!... .

5 - As condições a bordo deterioram-se

Como eram as condições a bordo?
Imagine-se 40 ou 45 homens a monte. Não há camas a bordo. Os homens deitavam-se pelo convés e por entre equipamentos e a mercadoria. Quando havia tempestades ou mau tempo, a água invadia o convés que ficava completamente molhado. Imagine-se como seria difícil para os marinheiros passar meses seguidos nestas condições...
E as coisas iam ficar ainda pior.

Uma Nau do sec 16
Havia centenas, milhares de possíveis passagens. Mas muitas eram pequenas enseadas, a foz de grandes rios ou baías enormes. E cada uma tinha que ser investigada.

Devia ser extremamente difícil com mau tempo ir até metade do caminho e, vendo que não havia saída, virar novamente as naus (que não seriam fáceis de manobrar), dar meia volta e voltar para o alto mar.
Navegaram para Sul durante mais 3 meses sem sinal de uma passagem.

A comida estava a acabar e os dias a ficarem mais curtos.
No dia 31 de Março de 1520, a poucos dias da Antártida, procuraram refúgio numa baía a que chamaram de S. Julião.
A tripulação estava cheia de frio, faminta e exausta. O desespero tomava conta de todos.
O racionamento de alimentos foi a gota de água.

Os capitães fizeram uma petição para voltarem para Espanha.
Ora: isto não era aceitável para quem tinha arriscado tudo para encontrar a passagem pela América do Sul.
A expedição corria agora sérios riscos. Magalhães perdera a confiança dos seus capitães e dos seus homens.
O muito frio, a fome e a falta de confiança no Capitão General eram os ingredientes perfeitos para fomentar um motim.

6 - O primeiro motim e a habilidade de Magalhães

Um dos lideres do motim era Gaspar Quesada. Capitão do Concepción que havia prometido voltar a Espanha desde que derrubassem Magalhães.
Na noite de 2 de Abril de 1520 deu-se o motim.

Motim
Magalhães ficou com 2 barcos a seu favor e 3 contra.
Estava isolado. Precisava agir rapidamente.
Consegue manter a calma e envia negociadores para conferenciar com os amotinados.
Mas durante essas negociações, homens de Magalhães sobem por meio de cordas para os navios e apoderam-se deles, esmagando o motim.
No dia seguinte, Magalhães constitui um tribunal - de que é juiz supremo, como mandam as regras da Marinha - que julga os amotinados.
O capitão Gaspar Quesada é condenado à morte e Juan de Cartagena é expulso do navio sendo deixado na Patagónia gelada (nome dado a estas terras do sul da América pelo próprio Magalhães), onde viria a sucumbir lentamente.

Com a morte dos 2 capitães, a tripulação voltou atrás no seu ímpeto revoltoso.
Magalhães tomou controlo dos navios evitando a deserção de algum deles. Desta forma, conseguiu debelar o motim que se efectivara e simultaneamente controlar o ímpeto dos marinheiros.
Sem dúvida, o capitão geral estava novamente no comando.
E com os revoltosos sob controle, era hora de pensar no Inverno.

A experiência estava a ser péssima. A comida era muito escassa. E as condições ainda iam piorar...

Enquanto esperavam que passasse o inverno no porto de S. Julião, os homens viram animais que nunca tinham visto: pinguins (Magalhães) e focas.
E também golfinhos que temiam indicar-lhes o fim da Terra Plana.
Entretanto um dos navios, o Santiago, esmaga-se contra as rochas. Mas Magalhães não desiste.
Após 7 meses à espera que o inverno passasse, tinham que voltar ao trabalho.
A procura da passagem para o Pacífico.

7 - O Oceano Pacífico!

Os 4 navios restantes seguiram para sul pela costa da Patagónia.
Exploraram sistematicamente todas as enseadas á procura da passagem. Mas sem sucesso.
Até que a tripulação encontrou uma pista: umas ossadas de baleia.
Eram indícios de uma rota migratória para mar aberto.

- "No dia 21 de Outubro de 1520 achámos um estreito que chamámos o Cabo das 11 mil virgens ..." 

Depois de quase um ano, acharam finalmente um canal que ia muito terra adentro.
E algo ainda mais interessante: a água, canal adentro, continuava a ser salgada, o que significava que o canal tinha ligação com o mar do outro lado.

Na esperança de encontrar a passagem para o leste, a frota seguiu toda canal adentro.
Na ponta oeste, um longo canal levava a uma larga baía que por sua vez estava ligada a outra passagem. Continuaram por estes canais até a chegarem a um labirinto de ilhas e entradas sem saída.

- "Era uma enseada circular, cercada de montanhas e todos os que estavam nos navios começaram a convencer-se que nunca mais sairíam daquele lugar."
A travessia do Estreito de Magalhães

Durante a busca interminável, todos se convenceram que seria mais uma busca inútil.
E foi nestes canais que Magalhães perdeu o segundo navio.
Mas desta vez não foi por causa do tempo. O San António voltou para Espanha num acto de rebelião.
Foi um duro golpe. Porque era a nau que transportava a maior parte dos mantimentos necessários para a viagem.

Magalhães ordenou que os três navios restantes seguissem para oés-noroeste.
Foi uma viagem terrível por este canal com 530 kms de extensão.
Depois de 38 frustrantes dias de busca, Magalhães teve a notícia que tanto esperava: no horizonte só havia mar aberto! Ele tinha encontrado a lendária passagem!

- "O capitão general chorou de felicidade. E chamou ao cabo de Desejado, pois o desejávamos há muito tempo."

Naquele supremo momento de orgulho, Magalhães deve ter percebido que tinha alcançado o mesmo patamar dos seus heróis: Colombo e Vasco da Gama.
Ele tinha realizado o seu sonho.
Mas mesmo naquele momento de triunfo pessoal, provavelmente não se deu conta da importância histórica do seu feito.

Durante mais de 400 anos o Estreito de Magalhães constituiu a principal rota comercial para o Pacífico. Isso só mudaria com a abertura do Canal do Panamá em 1914.

Foi uma descoberta maravilhosa, mas Magalhães e os seus homens cobiçavam algo ainda maior.
A rota oeste para alcançar as Ilhas das Especiarias.

Em 28 de Novembro de 1520, Magalhães seguiu para norte. O tempo estava bom, e o mar tão calmo que Magalhães chamou ao Oceano de "Pacífico".
Sob um céu imenso, o horizonte parecia não ter fim.
À noite, o céu também parecia diferente.
Os marinheiros notaram que havia algo singular no firmamento: várias estrelas pequenas agrupadas na forma de duas núvens. E no meio notavam-se duas estrelas não muito brilhantes que se moviam lentamente.

Quase 400 anos depois descobriu-se que esses agrupamentos de estrelas são duas das galáxias mais próximas da Terra.
Astrónomos estudam-nas para medir a dimensão do Universo e para observar a morte das estrelas.

8 - O erro de navegação...

A 18 de Dezembro de 1520 a frota seguiu para Noroeste bem para o coração do Pacífico.
Sem o saber, Magalhães estava a cometer um grave erro. Ele pensava estar já perto das ilhas das especiarias mas acontece que ele estava a usar mapas do mundo conhecido. Baseados nas pesquisas de Ptolomeu, no sec 2, que estimou que o perímetro da Terra era de 29 mil quilómetros.

Magalhães iria descobrir da pior forma que faltavam 11 mil kms na estimativa de Ptolomeu.
A área que faltava, 28% da Terra, era a ocupada pelo Oceano Pacífico, que não se conhecia.

Oceano Pacífico - nome dado por Magalhães
Magalhães estava a entrar num Oceano enorme e vazio. Com todas as incertezas do mundo. Inclusive a incerteza de voltarem a encontrar terra firme.
Os mais fracos devem ter começado a enlouquecer com a falta de comida.
O escorbuto começou a alastrar. A água tinha mau gosto, porque a madeira dos pipos vai deteriorando a água.
Mas Magalhães era um homem forte e duro com a tripulação e ia mantendo tudo sob controle.
Em poucas semanas estavam sem comida outra vez. Os relatos são chocantes:

- " Comemos o couro bovino usado para proteger o cordame, comemos as migalhas dos biscoitos. que já estavam cheios de vermes e com cheiro a urina de rato. E os ratos, vendidos por meia moeda, eram um banquete para alguns de nós. Acredito que jamais outro homem terá coragem por navegar por essa rota."

No final de janeiro de 1521, Magalhães seguira noroeste por milhares de quilómetros de oceano, sem descanso.

-"Não avistámos terra, a não ser duas ilhas desertas nas quais só achámos pássaros e árvores. Não era possível ancorar, pois não encontrámos fundo."

9 - Filipinas!...

Já no limite das forças da tripulação e quase sem esperança nenhuma, cinco meses e 20 mil quilómetros após a saída do estreito de Magalhães, finalmente encontraram terra firme!

Filipinas
E desembarcaram 10º a norte do Equador. No que hoje chamamos as Filipinas.
Era um feito náutico admirável. Magalhães salvara a sua frota.
As ilhas das especiarias estavam perto, a sul, e em breve colheria os louros da sua aventura.
As Filipinas eram um paraíso. Havia água doce, uma floresta exuberante cheia de frutas e a população nativa parecia recebê-los bem.

Magalhães, extremamente Católico, pensou numa forma de assegurar a rota para as especiarias. E a melhor forma de o fazer seria reivindicar as Filipinas para a Espanha.
O melhor método para o fazer seria Cristianizar a população nativa.
Tentou, por isso, convencer os nativos da ilha de Cebu que eles se tornariam invencíveis se se convertessem ao Cristianismo; e usou as suas armas para demonstrar tal poder.
O barulho do canhão e das armas de fogo assustava os nativos e era a prova viva do poder Espanhol.

Ao baptizar e converter a população local, Magalhães tentava garantir, através da religião, que eles aceitassem a autoridade soberana da Coroa Espanhola, que deveria ser vista como o símbolo maior de Autoridade governamental e religiosa.

Magalhães pretendia oferecer um novo conceito de vida aos nativos.
Novas regras, novos procedimentos e tradições a que estes deveriam obedecer. E, se o fizerem, tornar-se-iam invencíveis.

Foi o início de um processo de colonização. Demorou décadas até as frotas espanholas seguintes conseguirem transformar as Filipinas numa colónia espanhola. Mas as bases foram estabelecidas por Magalhães.

10 - O erro maior...

Confiante na sua fé e nos seus poderosos armamentos, o Capitão General tomou então uma decisão fatal.

Magalhães vai combater Lapu-Lapu a Mactan
Para demonstrar o seu apoio ao chefe local de Cebú, Magalhães pergunta-lhe qual é o seu maior inimigo. O chefe diz-lhe que é o seu vizinho Lapu-Lapu da ilha de Mactan.
E Magalhães decide atacar o chefe rival. Lapu-Lapu tinha recusado converter-se ao Cristianismo portanto mais uma razão para o fazer.

A bordo do Victória, na véspera do ataque, a tripulação estava relaxada e confiante. Mas na ilha de Mactan, Lapu-Lapu preparava-se para o ataque.
Convocou os seus melhores guerreiros e invocou os deuses da Guerra.

A batalha de Mactan
O que aconteceu a seguir é recordado todos os anos no local onde Magalhães e Lapu-Lapu se enfrentaram.
Foi um confronto cultural e religioso. Para os Filipinos, ainda hoje simboliza a luta pela independência. 

Antes da batalha, Magalhães enviou alguns emissários para que tentassem converter Lapu-Lapu ao Cristianismo e que ele aceitasse a Autoridade espanhola.
Mais uma vez ele recusou.

A batalha de Mactan
Assim, na madrugada de 27 de Abril de 1521 Magalhães e 50 dos seus homens desembarcam em Mactan para atacar Lapu-Lapu e os seus mil ou mil e quinhentos guerreiros.
Apesar da desproporção numérica, Magalhães estava tão confiante no armamento e nas armaduras de que dispunha que disse aos capitães que não precisava deles.




Mas cometeu um erro fatal.
Desembarcou na maré baixa e os navios ficaram muito longe da praia.
E os seus homens tiveram que atravessar 800 metros de baixios, muitos dos quais dentro de água com o peso das armaduras e armas.

A batalha de Mactan
- "Disparamos durante meia hora desde os botes sem lhes fazer muito dano. No momento em que deixámos de disparar, eles atacaram-nos de morte.

Quando chegaram à praia estavam exaustos e os canhões das naus fora do alcance. Logo no inicio da luta foram ficando sem munições. Enquanto os guerreiros de Lapu-Lapu avançavam, alguns reconheceram Magalhães.


-"Um deles atravessou-lhe a perna esquerda com uma lança e ele caiu. Foi então que vários começaram a atacá-lo com lanças de ferro e de bambu."

Magalhães lutou com bravura e resistiu por muito tempo.

Mas contra a força dos números em batalha corpo-a-corpo, não havia muito a fazer.

Os nativos eram muitos, ele acabou por ser massacrado.

Cruz de Magalhães em Cebu
- "Mataram o nosso modelo, a nossa luz, o nosso conforto e o nosso grande Guia".

Magalhães não completou a viagem de circum-navegação e nem alcançou sequer as ilhas das especiarias. O seu sonho acabou aqui nas Filipinas.

Foi realmente uma tragédia. Acabou com tudo. Os seus sonhos, os seus planos, a sua Grande Viagem, todas as crises que enfrentou nos oceanos.
Tudo teve este final súbito. Os sonhos de Magalhães morreram nas Filipinas.


Mas o seu legado continua.
Existe nestas ilhas uma cruz que ele construiu e que está guardada num pequeno templo.
É uma relíquia sagrada num país com muitos católicos. É mesmo a única relíquia da viagem de Magalhães.

11 - Sebastião Elcano

A morte de Magalhães poderia ter sido o fim da expedição.
Mas a tripulação sabia que as ilhas das Especiarias estavam já tão próximas que até se sentia o seu cheiro.
A comandar o Victoria está agora Juan Sebastian Elcano de que vos falei no inicio desta história.
Juan Sebastian Elcano

Com apenas 2 navios, ele decide partir para as ilhas.
Elcano atraiu a boa sorte e eles chegaram às ilhas Molucas.
A viagem de 28 mil quilómetros custara a vida a 100 homens incluindo a do Capitão General.
Mas os sobreviventes chegaram às Ihas Molucas, realizando assim o sonho de Magalhães.

E tudo isto para se comercializarem algumas especiarias.
Sementes, caules e frutos secos que valiam mais do que o seu peso em ouro, à época.
Um pequeno saco de 300 gramas faria rico qualquer homem.

Elcano e os seus homens sabiam o valor das especiarias que lotavam cada navio. Mas para lucrar tinham de vendê-las na Espanha.
E quanto mais carga conseguissem levar, melhor.

Aqui as histórias dividem-se.
Alguns historiadores alegam que um dos navios foi incendiado porque não havia tripulação em número suficiente para conduzir as 3 naus de volta a Espanha.
Outros defendem que, de tão lotado, um dos três navios sobreviventes afunda-se no porto, com toda a sua carga.

Restavam, de qualquer modo, apenas dois navios.
Elcano também tinha que decidir se voltariam pela nova rota ou se seguiriam pela costa oeste arriscando-se em águas inimigas.
A decisão final terá sido a de não colocar todos os ovos no mesmo cesto.

Um navio seguiu para leste e outro para oeste. O Trinidad seguiu para leste no Pacífico.
Mas não foi muito longe. Acabou por ser atacado pelos portugueses.
O valioso carregamento foi tomado o navio incendiado e a tripulação encarcerada.

Elcano entretanto seguiu para Oeste com o Victória.
Espanha estava a 20 mil kms de distância e a rota inteira estava em águas portuguesas.
Para evitar ser capturado, Elcano seguiu por águas desconhecidas.

Após 2 meses e quase 5 mil kms, enfrentaram terríveis tempestades que chegaram a quebrar o mastro principal.
Que, tal como tudo o resto no navio, teve que ser concertado ali mesmo.

E para além disso, Elcano e a tripulação tiveram que voltar a racionar a comida.
Imagine-se o que foi trabalhar arduamente nas reparações e sem sequer comida suficiente.
Os homens famintos começaram a adoecer com escorbuto.

- "De todas as desgraças que nos atingiram o pior é que com as gengivas muito inchadas na boca toda, os homens nem conseguiam comer. Dos 25 ou 30 homens doentes, 19 já morreram."
Escorbuto - o maior inimigo dos marinheiros

O escorbuto é causado por falta de vitamina C.
Mas eis a terrível ironia: o navio estava lotado de cravo. Que é rico em vitamina C. E portanto poderia tê-los salvo.

Na viagem de regresso a Espanha, mais de metade da tripulação morreu de escorbuto ou de fome. Elcano não adoeceu (desta vez) porque comia geleia de marmelo. Tanto ele como Pigafetta. Sem o suspeitar, eles estavam a consumir a Vitamina C de que necessitavam para não adoecer. Por isso o diário de bordo chegou até nós. Sem ele, nada saberíamos sobre a viagem de Elcano.

Ele navegou o Victória por vastos oceanos, passou o Cabo da Boa Esperança e pelas Ilhas de Cabo Verde até voltar a Espanha.
Dos 241 membros da tripulação inicial (há quem defenda 263) poucos voltaram com ele.
Apenas os 18 sobreviveram para contar a incrível história do Espanhol que concluiu o que Magalhães havia iniciado 3 anos antes.

12 - Epílogo

- "Na segunda feira, 8 de Setembro de 1522, lançámos ancora no porto de Sevilha". Éramos apenas 18 homens, a maioria doente. Dos 60 que partiram (no Victória) para as Molucas"

O Victória foi o 1º navio a circum-navegar a Terra, transformando a teoria de que a Terra era esférica num facto comprovado.
Elcano foi condecorado com um brasão de armas que o reconhecia como o primeiro a Circum-navegar a Terra.

Victória - a única sobrevivente
5 séculos mais tarde, navegar à vela ao redor do mundo é ainda um grande feito.
A expedição do Victória entrou para a história mas não trouxe a realização dos sonhos dos poucos tripulantes que sobreviveram.
Porque nenhum enriqueceu.

O lucro do carregamento de especiarias do Victória foi confiscado pelo Rei de Espanha para cobrir a perda do resto da frota. O escrivão, Pigafetta foi desdenhado pela Corte espanhola e mandado de volta pata Itália.

Elcano viria a fazer uma segunda viagem de circunvalação para tomar as ilhas Molucas para a Espanha, 4 anos depois. Mas não conseguiu. Morreu de escorbuto no Pacífico. Deve ter-se-lhe acabado a geleia de marmelo.

Outro facto impressionante: ninguém da família directa de Fernão de Magalhães estava vivo quando o Victória chegou a Sevilha. Os dois filhos tinham falecido (um tinha falecido ainda antes da viagem) e a esposa também. Vítimas de doença. Provavelmente a peste.
Pelo que nem sequer houve lugar a herança.

Elcano e Magalhães
Apesar de Fernão de Magalhães não ter conseguido completar a viagem, ele é considerado o Primeiro Navegador a circum-navegar o mundo.
Menos em Espanha, onde se ensina que o primeiro foi o espanhol Sebastião Elcano.

Mas será isso importante? Ambos foram homens admiráveis.
Magalhães planeou e iniciou uma expedição ambiciosa.
Elcano teve a força e habilidade para a completar.


Os dois e a sua tripulação participaram na Maior Viagem alguma vez sonhada neste planeta. uma viagem mágica e humanamente "impossível" que revelou a verdadeira dimensão e formato da Terra e seus Oceanos, redefinindo o seu cenário geográfico, espiritual e político para sempre.

11.01.2017

A PESTE NEGRA. De Carvão

A PESTE NEGRA. De Carvão

Faz hoje 262 anos que ocorreu, em Portugal, a maior tragédia com causas naturais desde que há registos. O terramoto de 1755.
Mas outras tragédias, de menor impacto nacional embora igualmente de nefastas consequências regionais, foram-se sucedendo.


Aqui deixo algumas que ocorreram durante os reinados de D. Manuel I e de D. João III.
Reparem que em 1531 se registou outro grande terramoto com diferença de 224 anos para o maior de todos.
E muitos se recordarão do de 1969, 214 anos após este. Que pode ter sido o nosso passaporte vital para mais 220 anos. Ou não.
Certo é que há 262 anos Portugal viveu o seu momento mais negro provocado pela Natureza. Antes desse fatídico 1 de Novembro, e do terramoto anterior, o de 1531, o nosso pior momento tinha ocorrido durante a peste de 1505, em pleno período áureo dos Descobrimentos, em que morreram 7500 pessoas. Custa-nos a acreditar neste número, mas é o que vem nas crónicas.

Reparem na alternância entre fome, peste e secas que durante estes reinados se verificou.
Obrigando por vezes a corte a fugir de Lisboa. Sabemos que a Idade Média (especialmente desde o sec 9) foi um período de grande aquecimento global. Com temperaturas superiores em 1 grau relativamente ao que se regista hoje.
O que é uma coisa inacreditável.
De tal forma o foi que permitiu aos Vikings navegarem até à Inglaterra através do degelo dos icebergs. Tudo isto é História. Tudo isto está estudado e sabido.
Mas claro que não é politicamente correcto falar-se nisto porque senão como se explicaria que a Idade Média, sem a poluição causada pela Industrialização do Homem moderno e pelo desbaste criminoso das maiores florestas da Terra fosse muito mais quente do que os nossos tempos?

E as cruzadas, especialmente a terceira (a de Ricardo Coração de Leão) foram marcadas por grandes vagas de calor e falta de água.
Que, no meu entender, explicam o seu insucesso e os subsequentes anos de peste.
A peste a que se refere a história da Idade Média - e sobretudo a peste negra (bubónica) - terá sido provocada por um bacilo: Yersinia pestis oriundo da China e que terá chegado à Europa por contaminação das caravanas comerciais de Veneza e Génova.
Mas devia haver também muito tifo e cólera e toda a sorte de doenças gastro-intestinais à mistura.

Tudo isto era provocado e potenciado por uma grande falta de higiene e de água potável.


As pessoas bebiam água onde a houvesse e lhes parecesse limpa, dada a sua escassez provocada pelas secas sucessivas. O aquecimento global da época.

Na Idade contemporânea a nossa maior catástrofe foram os incêndios do passado 15/10.
O número de mortes não é comparável aos que se verificavam na Idade Média - vivemos evidentemente noutro "mundo" com outras condições e tecnologia - mas a devastação desses incêndios não encontra paralelo com nenhuma época da História.
Pelo menos da que está escrita e se considera fiável.
Simplesmente estes incêndios não tiveram causas naturais, como sempre denunciei.

Enquanto os governos e a Protecção Civil falavam em causas naturais, negligências e raios de trovoada seca, eu alertava nestas páginas que tudo se tratava de fogo posto.
Criei um grupo no facebook - Incêndios de madrugada a culpa é do Eucalipto - para ajudar a desmistificar a teoria ingénua (ou propositada, falta saber isso) propalada pelo governo e repetida à exaustão pelos media (repetidores acéfalos de balelas): de que que o problema dos Incêndios era a falta de limpeza das matas, a falta de ordenamento territorial, a falta do cumprimento da legislação, o excesso de eucaliptal, etc etc... Resumindo: a culpa dos INCÊNDIOS era de TUDO... EXCEPTO dos INCENDIÁRIOS.

Contribuímos, com os nossos relatórios diários dos fogos nocturnos, para que as Entidades que deviam mandar nisto - mas não mandam nada - começassem a olhar para as "causas naturais" com outros olhos.
O 15 e 16/10 últimos não podem ter ocorrido em vão.
Eles devem levar-nos a pensar e a exigir medidas FORTES para que este verdadeiro "terramoto" não volte a assolar-nos.
Para que esta verdadeira PESTE NEGRA do carvão (que não é a grisalha porque o ser idoso é uma consequência e uma inevitabilidade da Natureza; e os fogos postos não são) seja combatida com os medicamentos que a Idade Média não dispunha.
Mas nós, sim.
Com vigilância terrestre e aérea. E basta isto.

Veja-se o que aconteceu neste último fim de semana.
Com condições semelhantes às do fim de semana de 15/10 - alerta vermelho em todo o Interior - praticamente não se registaram incêndios.
Porquê?
Porque se anunciou que as matas iriam estar a ser vigiadas pelas Forças Armadas. Era mentira mas resultou. Espero que da próxima vez seja mesmo verdade.

E bastou essa informação para que o fogo não se manifestasse.
Querem maior prova de que é este o método para ERRADICAR a esmagadora maioria dos Incêndios?
Então coloquemos este método em prática mal comece a aquecer.

Afinal, já não vivemos na Idade Média desde a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453.
É tempo demais para que ainda estejamos a sofrer as suas obscuras consequências.