6.09.2003

A confusão conceptual municipal do Turismo

Enquanto Seia asfixia lentamente na modorra do pântano do tempo parado, a Covilhã atrai cada vez mais turistas pagantes que saem de lá, esses sim, com gratas saudades que levam consigo (e não as deixam lá!), e a vontade de voltar.

A seguinte campanha pode ser consultada no maior agência de viagens do País:

«Programa Anima-te na Serra da Estrela»
Programa 3 Dias/2 Noites
02 Noites em regime de alojamento e pequeno almoço
- Cocktail de Boas Vindas
- Acesso Livre às Piscinas, Jacuzzi e Ginásio do «Natura Club»
- 01 Refeição servida no «Restaurante Piornos» em buffet livre
- Saída tardia até às 16h00
- Documentação de apoio a visitas na região
- 1/2 Dia de Passeio de Jipe 4x4 pela Serra da Estrela
Reservas: Hotel Turismo da Covilhã.

Covilhã optou, tal como Gouveia, pela modernidade e pela acção. Pelo pontapé no ostracismo e pela recusa da morte lenta.
Está a reagir ao fatal destino da desertificação com um grito do Ipiranga - talvez o canto do cisne, aceito – mas mostrando a todos que ainda estão vivas e se recusam a deixar-se desmaiar lentamente na espera do desfecho inevitável.
Seia, não.
Seia deixa-se estar quieta, que "trabalhar faz calos", e adopta a palavra de ordem do tristemente célebre imobilismo Guterriano: "deixa arder que o meu pai é bombeiro".

Pois até aqui, curiosamente, a CMS devia pôr os olhos.
Os Bombeiros VS são hoje um exemplo de clara modernidade, profissionalismo, competência e eficácia, como há muitos anos não se via.
A direcção, abertamente criticada por muitos, tem imposto uma nova filosofia de gestão dinâmica e intervencionista que, em apenas meia dúzia de dias, está a conseguir transformar um grupo de homens voluntariosos, num Corpo de Bombeiros altamente profissional.

Mas não. Não somos capazes de identificar, estudar e aprender com os bons exemplos que nos surgem no dia a dia.
A capacidade de aprender é o primeiro sinal de inteligência e, nesse particular, a CMS faz como a esmagadora maioria dos alunos que abandonam o percurso escolar no 10º ano: prefere decorar.

Turismo-Aventura
Há mais de 15 anos que o turismo-aventura capitaliza imensamente mais receitas que o turismo de repouso na medida em que atrai, durante todo o ano, as maiores e mais bem estruturadas empresas para a realização das suas convenções e reuniões de estratégia.
Tudo o que é necessário é idealizar as ofertas de actividades de lazer e programar os seus conteúdos.
Temos, na Serra, as melhores condições para um turismo-aventura de qualidade.
Todos os desportos radicais têm condições óptimas para se poderem aqui praticar (a propósito: que é feito da empresa pioneira em animação turística de Seia, a Anguiestrela?).
São dezenas de milhares os clientes da classe media - alta que percorrem os locais onde os actrativos são, justamente, a aventura e a acção. As melhores empresas do país escolhem esses locais no estrangeiro para levar, gratificando, os seus colaboradores.
Conheço dezenas delas, algumas com mais de 300 colaboradores que anualmente "matam" a cabeça a imaginar os locais onde realizar a próxima convenção, comparando preços, condições e ofertas turísticas.
Nos principais locais turísticos na Europa, Mediterrâneo e América do Sul, os pratos fortes das convenções são sempre as actividades-aventura.
Por exemplo: no México, para além da visita a Chichen-Itza, o que mais fica na retina dos participantes são os percursos de mota de água na entrada do mar das Caraíbas, à vista dos crocodilos, e os "voos" em para-sailing a 200 metros de altura, em que se pode disfrutar quase todo o caribe. Nos Ressorts da Bahia com as piscinas gigantescas, mar e praias privativas paradisíacas, o que mais impressiona o turista ainda é a noite baiana, a capoeira, o bicho e os mercados de Salvador, onde tem que se andar literalmente a fugir dos vendedores de tudo e mais alguma coisa. Desde as motas de neve da Lapónia, às corridas de camelo e wind-karts da Tunísia, dos labirintos alucinantes dentro das grutas do mediterrâneo em Gozo e Malta aos voos rasantes sobre o mar das ilhas gregas, tudo aponta no sentido da aventura, da emoção e nunca do marasmo. Porque os operadores turísticos sabem bem que as recordações que se levam para casa são as dos momentos de emoção e não as dos que se passam a dormir.
Mesmo onde nada há, inventa-se; em pleno deserto organizam-se acampamentos no meio das dunas para jantares à luz de archotes, animados por "tuaregs" engolidores de fogo e amestradores de serpentes e escorpiões.
Em todo o lado é a animação e não a apatia que atrai o turista de qualidade.

Fecharam a Porta e perderam a chave?
A melhor forma de fugir do stress citadino é vir para o campo, mas não para dormir debaixo das árvores, às moscas, como se fazia há 30 anos, em pindéricos piqueniques higiénica e ecologicamente duvidosos.

O stress citadino combate-se com programas de lazer em que um pouco de movimento diferente, como as actividades de bicicleta, de cavalo, de moto4, de barco à vela nas lagoas e de jipe nos caminhos são muito mais eficazes que as únicas e mais básicas actividades promovidas pela Câmara: as caminhadas pedestres. Basta um mero passeio a cavalo, onde se anda a pé, para tornar inesquecível o momento.

Não promovendo o espírito-aventura num local a ele privilegiado e elegendo justamente para público alvo um virtual segmento de mercado desejoso de letárgico descanso (como se tal existisse), Seia volta, uma vez mais, as costas ao caminho que devia prosseguir se pretende, como parece, promover o turismo de qualidade e incrementar o seu afluxo à nossa Terra, a verdadeira Porta da Estrela.

São contra-sensos como estes, uns em cima dos outros, que descredibilizam continuamente a política de turismo cultural e de lazer da CMS.
Como se pode imaginar que o turismo sexagenário que se decidiu captar - o de 3ª idade a caminhar apara a 4ª, pelos vistos - vá participar em caminhadas à garganta de Loriga? Ou fazer o anunciado percurso pedestre Alvôco – Torre?

Mesmo que se pretendesse transformar Seia num dormitório turístico, onde deixariam os filhos e os netos aqueles sexagenários que escolhessem vir fazer uma terapia de sono para a nossa Terra?

Na Asa Delta, na Covilhã?

João Tilly