O velho hospital está moribundo. O novo, está morto.
A história
O Hospital de Seia todos os anos, por esta altura, "rebenta" pelas costuras.
Janeiro e Fevereiro são os meses das gripes, das pneumonias. Estamos, infelizmente, habituados a que, nestes meses, não haja dignidade nem privacidade para aqueles que tiverem o azar de cair naquela casa.
Mas este ano é pior.
Desde Novembro que o espectáculo indescritível dos doentes a dormir nos corredores não tem, praticamente, parado.
E não é só dormir noite após noite. É estar rodeado de outros utentes, visitas, doentes, funcionários no exercício das suas funções, toda a gente que tem, também ela, de se deslocar pelos corredores de acesso do velho Hospital.
E ali ficam. Horas. Dias.
Tempos infindos para quem tem, por Lei, o direito à sua privacidade e ao seu recolhimento na doença.
Tem na Lei. Mas em Seia a Lei é outra. Em Seia a Lei é a da falta de espaço e de instalações condignas, de falta de força reivindicativa, de falta de vontade política de quem tem a obrigação de gerir os nossos impostos de forma justa, e de falta de vontade popular também - porque não dizê-lo - já que não se vislumbra nenhum tipo de luta popular reivindicativa contra esta infâmia.
- Em Seia "temos estádios de futebol de centenas de milhares de contos que, embora por inaugurar, já gastam, há mais de um ano, verdadeiras fortunas ao orçamento", diz-se.
- Em Seia "temos fontes de 30 mil contos de mármore invisível e praias fluviais emparedadas de 55 mil contos", lamenta-se.
- Em Seia, temos "pavilhões que definharam e tanques de chapinhagem que se agigantaram", comenta-se.
O que temos em Seia é muita maravilha da genética, e da arquitectura.
E destas, a mais incrível é o Hospital.
De classe 1, segundo a Directora Clínica.
Do mais baixo que há em classificações hospitalares. Por isso, não pode transferir doentes para outras unidades. Apenas pode receber delas os que por lá estão excedentários, e que vêm engrossar o rol dos que já cá estão, sabe Deus como.
Nos corredores. A dormir. A comer e a beber. E a fazer as suas necessidades.
E a serem transportados para o bloco novo, pela rua, sob vento e chuva e frio e condições climatéricas de toda a espécie.
Quando não podem ser levados até ao 1º piso às costas dos enfermeiros mais robustos, como na idade média.
Perguntamo-nos se haverá maior indignidade do que esta, perpetrada sobre aqueles que, porque idosos e doentes, mais fragilizados se encontram neste particular momento das suas vidas.
Achamos que não.
Ninguém que tenha o azar de presenciar este "espectáculo Dantesco" (como lhe chamou um enfermeiro) pode ficar insensível.
- "Então os nossos impostos só servem para se construírem mega-estádios de futebol? – perguntam os funcionários.
- "Então há dinheiro para se manterem administradores hospitalares em triplicado na Guarda, enquanto em Seia é isto? " – desabafou um médico à nossa reportagem.
-"E eles lá continuam a reivindicar. Acham-se ultrapassados por Castelo Branco, para onde foram transferidas algumas especialidades, e anda tudo numa roda-viva. E aqui?"
A Directora Clínica
Entrevistámos a Directora Clínica, Dra Margarida Ascenção, que pronta e gentilmente nos recebeu, depois de um extenuante dia de trabalho.
PE: Sra Dra, a que se deve esta situação de quase rotura nas urgências do Hospital de Seia?
MA: A situação não é de rotura na urgência, é mais de rotura a nível do internamento, uma vez que em 2002 tivémos uma taxa de ocupação superior a 98%, e neste momento não temos camas disponiveis no internamento, em particular de medicina, e temos inclusivamente já 2 camas nos corredores, mas ainda assim a capacidade de resposta é limitada por questões do espaço físico. Como tal, a urgência está sobrecarregada, sobretudo o serviço de observações, porque o internamento não dá vazão. E portanto, os doentes ficam a aguardar internamento na medicina, no serviço de urgência e sala de observações.
PE: Mas não acha que são condições sub-humanas, estas, a que são sujeitas as pessoas já de uma certa idade, privadas da sua privacidade, ao estarem expostas a quem passa… não haveria outra solução?
MA: Aqui no Hospital de Seia não há outra solução exactamente pelas dificuldades de espaço físico. Neste momento estamos a tentar organizar os serviços administrativos na parte nova do edifício, no sentido de disponibilizar gabinetes médicos para se poder criar uma Unidade de Internamento neste edificio novo. Será uma unidade de internamento para o Hospital de dia e também para estas situações de grande sobrecarga de doentes, porque o afluxo dos doentes à nossa Instituição é cada vez maior.
PE: E não haveria possibilidade de transferir estes doentes para outras Unidades?
MA:Infelizmente as outras Unidades estão também sobrecarregadas, e infelizmente quando isto acontece, as outras Unidades transferem os seus doentes para nós. Ora nós, como somos Hospital nível 1 – o mais baixo – não temos possibilidade de os transferir (não o podemos fazer) para outros Hospitais.
PE:Nas suas conversas com o Sr Presidente da Câmara já lhe foi adiantada alguma solução para o Novo Hospital de Seia?
MA: Sim. A solução para o Novo Hospital está a ser analisada pelo Sr Presidente da Câmara e pelo Ministério da Saúde no sentido de solucionar todos os problemas que existem na parte antiga do edificio, nomeadamente a falta de espaço.
PE: Esta solução de criação de nova enfermaria no espaço novo do HS quando é que vai entrar em funções?
MA:Hoje mesmo iniciou-se a mudança dos serviços administrativos, em princípio para a semana esperamos que entre em funcionamento.
PE: qual a capacidade deste novo espaço?
MA: 6 camas
PE: Mesmo assim, não é solução…
MA: Não é solução, mas é o que é possível neste momento.
PE: Contingências de corte orçamental, também?
MA: Não. Exclusivamente contingências de espaço físico.
(Como a vida custa a todos e estes preciosos momentos de reportagem não se podem desperdiçar, não resistimos a colocar-lhe uma questão lateral, algo incómoda, sobre um "zum-zum" que anda a atormentar-nos, relativo a queixas de familiares de idosos acolhidos em lares de terceira idade da região).
PE: Sra Dra, uma outra questão: temos tido notícia que alguns idosos provenientes de lares de terceira idade muitas vezes chegam em más condições ao Hospital. Tem sido verdade?
ME: Há algumas situações de doentes que nos chegam em mau estado físico. Tem a ver muito com o tipo de doentes e com a patologia associada…
PE: Mas é sintomático que normalmente os pacientes que vêm de alguns lares de terceira idade cheguem desidratados e mal alimentados?
ME: Não é regra, embora haja casos particulares de pacientes que nos chegam nesse estado.
PE: Qual é a atitude do Hospital nesses casos?
MA: A atitude é contactar os lares no sentido de referir o caso particular e de os alertar para essas situações. Tem sido feita formação aos profissionais dos lares, auxiliares da acção médica, informação sobre dietas…
O Presidente
Enquanto fotografávamos os doentes alinhados em macas nos corredores, e a serem transportados à chuva e ao vento entre edifícios, encontrámos o sr Presidente da Câmara, que se deslocara ao HS por motivos pessoais.
Eduardo Brito contrasta, em termos anímicos, com o optimismo da Directora Clínica. Questionado, junto dos doentes deitados nos corredores, sobre a actual situação de excesso de pacientes nas urgências do HS, respondeu que estava muito triste por verificar esta situação, e se encontrava bastante preocupado por isso.
À nossa pergunta sobre se haveria solução para o novo Hospital, respondeu que a solução não estaria para breve uma vez que a proposta para a construção do novo Hospital está neste momento no Ministério da Saúde, e este Ministério não tem respondido às solicitações da CMS, pelo que, neste momento, todo o processo se encontra em "ponto morto".
Nada mais desanimador.
Um Hospital velho a lutar contra a morte já tardia e um Hospital novo morto à nascença… triste sina a nossa.
A luta
É de salientar, no meio de toda esta desgraça, e pela positiva, o profissionalismo e a dedicação de todos os profissionais ligados ao Hospital - enfermeiros, médicos, pessoal auxiliar e administrativo - que conseguem desempenhar com brio e voluntarismo as suas difíceis tarefas, com as parcas condições existentes no velho Hospital de Seia.
Um Muito Obrigado da nossa parte a todos esses Grandes profissionais e uma palavra de ânimo ao nosso Presidente:
Que não se dê por vencido, na adversidade.
Que siga o exemplo de uma jovem Directora Clínica de um velho Hospital, e não baixe os braços, atirando a toalha ao chão.
Que tenha a coragem de convocar e englobar a população nesta cruzada pelos nossos elementares direitos de cidadãos, que os Senenses não lhe virarão as costas nesta hora, e marcharão convictamente, temos a certeza, a seu lado.
Que continue a lutar, mesmo que essa luta por vezes pareça inglória, pela Infra-Estrutura que mais falta faz a Seia e às suas gentes.
É seu dever lutar.
E é nossa obrigação apoiá-lo sem reservas nessa luta.
Entrevistas de Fernando Paninho
Texto de João Tilly
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