Os mitos sobre a neve especial na Serra da Estrela
Farto de ouvir e ler os mais variados argumentos que pretendem
justificar o corte permanente das estradas na Serra da Estrela, vou
desmontá-los, sem descer muito aos interstícios da Ciência para que o
leitor perceba o que se diz. Evitarei também termos meteorológicos,
porque são demasiado vagos e englobam demasiadas variáveis, para me
focar naquilo que sustenta a meteorologia: a física, a termodinâmica e a
dinâmica de fluidos.ilustram-se imagens de um trabalho de Raquel Diogo
da Universidade de Aveiro sobre o "Manto de neve e equivalente em água"
2011.
A densidade da neve, no momento da queda, é praticamente semelhante em
qualquer parte do planeta. Há variações, é certo: a neve no Evereste,
que tem 8 kms de altitude, não será a mesma da neve na Serra da Estrela
que tem 2. Mas isso deve-se essencialmente ao facto de o Evereste
acumular nuvens a maior altitude, e ser muito mais frio. A velocidade de
crescimento dos cristais no Evereste é extraordinariamente mais rápida
que aqui. Mas mesmo assim, à chegada ao solo, a sua densidade não é
muito diferente da nossa.
A neve cai quando o seu peso começa a ser maior do que aquele que a
atmosfera pode suportar. Cai quando a água - em gotículas nas núvens -
se agrupa em forma de cristais hexagonais ou dendítricos, dependendo da
velocidade de cristalização e, nesse processo de crescimento, o cristal
fica mais pesado que o fluido que o envolve - a atmosfera - pode
sustentar.
E como a atmosfera é semelhante em toda a parte - variando apenas a sua
densidade com a altitude - fácil se torna perceber que a neve começa a
cair logo que as condições de sustentabilidade da mesma atmosfera deixam
de ser suficientes para combater a força da gravidade.
Portanto: a neve não fica à espera de engrossar nuns países e cai mais
ligeira noutros. Cai em todo o lado desde que as mesmas condições
físicas sejam atingidas. São cristais de água cuja geometria pode variar
de acordo com a velocidade de cristalização mas cuja composição química
é a mesma em qualquer parte do mundo. H2O.
A diferença - que não é muito significativa - tem apenas a ver com a
temperatura do ar e da existência de vento no momento da queda. Lá
iremos.
2º MITO: A nossa neve é mais húmida que as outras porque estamos perto do mar. FALSO
Em Espanha há 14 estâncias mais próximas que a nossa do mar e em nenhuma
se verifica o corte continuado de estradas sempre que neva. Pelo
contrário.
É verdade que perto dos Zero graus e com vento, o aglomerado de cristais
tende a dissipar-se tornando os flocos em queda bastante mais pequenos.
Misturados com água da chuva (perto dos zero graus), a neve - freezing
rain - tende a preencher todos os poros e espaços vagos deixados entre
os flocos que já caíram. No entanto, se fosse removida num curto espaço
de tempo, a sua densidade não ultrapassaria a média que se regista em
toda a europa que é, no máximo, de 100g/l. Portanto o mar não é tido nem
achado para o problema. O vento tem uma importância relativa na
densidade da neve mas desprezível se a remoção fosse imediata.
3º MITO: A nossa neve é de difícil remoção porque as estradas estão a 2
mil metros e não há estradas a essa altitude na europa. FALSO e uma
grande Falácia.
A Europa está cheia de estradas acima dos 2000 metros. Mas esta é uma
falácia, porque a nossa estrada não está fechada aos 2 mil metros: está
fechada acima do Sabugueiro a maior parte das vezes. E o Sabugueiro está
a 1200 metros. Ora a essa altitude há centenas de estradas pela Europa
fora. Tirando os países nórdicos, onde até neva sobre o mar, o que se
passa é o contrário: haverá poucas estâncias a tão baixa altitude.Como
são centenas é impossível procurá-las todas mas de entre as estâncias
mais célebres nenhuma se encontra abaixo de 1500 metros e a maioria
estão acima de 2000 metros. As mais altas da Europa estão acima dos 3800
m. Uma Serra da Estrela às costas de outra!
Desmontados os 3 mitos, o que é que acontece com a nossa neve?
Acontece que não é removida num prazo de tempo normal. E depois congela.
E a sua densidade - depois de congelada - aumenta, pois claro.
E a estrada por debaixo da neve também fica gelada. E forma uma fina
placa de gelo bem visivel sobre a estrada (denominada aquaneve ou sleet)
que o limpa neves não consegue remover nem o sal dissolve - porque não
lho deitam em quantidade e o pouco que deitam, em cima do gelo formado, é
levado pelo vento.
Se a neve que cai fosse removida num curto espaço de tempo, essa remoção
tornar-se-ia bastante facilitada. A neve ao cair tem a densidade do pó.
No máximo 100g/ litro. Geralmente, até menos.
Se a deixam ficar toda a noite, de manhã está congelada. O gelo tem uma
densidade próxima da da água. 10 vezes superior à da neve.
É claro que não se trata de gelo "puro" mas de neve congelada o que,
mesmo assim, pode aumentar a sua densidade para 400 g/litro.
É daqui que vem o mito da densidade da nossa neve.
Só é diferente porque não é removida de imediato da estrada e torna-se
na chamada neve "velha" ou "húmida". Passa a ter muito maior densidade
devido à compressão da nova que vai caindo e vai ocupando as bolhas de
ar entre flocos.
No limite, se ninguém limpasse a neve durante 15 dias, e a chuva não a dissolvesse, já nenhum limpa-neves conseguiria removê-la.
Por absurdo, se tal acontecesse durante anos teríamos a formação de um glaciar.O fenómeno é sempre o mesmo:
- Removes a neve de imediato? É fácil. É o que se passa em toda a Europa.
Os automóveis que seguem atrás dos limpa-neves, distanciados de alguns
kms entre si, esmagam o sal misturando-o com a neve residual e
"derretem-na" imediatamente.
- Não a removes em pouco tempo? Tens um trabalho muito maior e gelas a
estrada. Se não consegues dissolver a placa de gelo formada sobre a
estrada (aquaneve ou sleet) com sal - o que é muito difícil se há vento -
ela permanecerá lá como um viveiro de neve.
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