8.28.2017

Portugal 1109 - 2017
Os números que desmi(s)tificam a História

Prefácio

Este trabalho é o fruto do crivo escrutinado dos acontecimentos históricos analisados, desde a Idade Média até aos nossos dias, vistos pelos prismas de reconhecidos Historiadores nacionais e estrangeiros mas filtrado pela inexpugnável lógica dos números. Incluindo os do tempo e os das distâncias. 

No fundo, pelos instrumentos da lógica. Algo que não abunda no raciocínio dos principais historiadores, no meu entender. Se quiserem, são as dúvidas da História filtradas por um espírito numericamente organizado. A vantagem - se é que existe alguma - é a de claramente se anular a maior parte das lendas e convicções que se estabeleceram à época; e até séculos após os Acontecimentos a que se referem. Até 2017 d.C. a bem dizer.

Um exemplo histórico: a Batalha de Ourique muito dificilmente poderia ter tido lugar no local dado como oficial: os campos de Ourique (Baixo Alentejo), dada a distância que os separa da sede do Condado - Coimbra. 

Mais difícil ainda é aceitar a teoria de José Mattoso de que D. Afonso Henriques poderia estar de regresso de um fossado a Sevilha. Demoraria 7 dias a chegar lá, a galope, com os 20 a 30 homens (apenas) que o acompanharam. E o dobro do tempo a voltar com os despojos. 3 semanas ao todo de viagem. 

Afonso Henriques nunca poderia ausentar-se 3 semanas do seu condado no seu período mais quente de guerras e confrontos com o seu primo Afonso VII, rei de Leão. E depois, à vinda, ainda teria enfrentado um cerco de 5 reis taifas (mouros) em Ourique? 
E venceu, com uma desigualdade numérica de 1000 para 1? Mesmo com a ajuda de S. Tiago - que pouco depois se "mudou" para Espanha - é absurdo.

Outro exemplo, este actual: em Portugal existe uma época oficial de fogos. Algo único no mundo civilizado. De Junho a Setembro. Todos os anos o estado gasta centenas de milhões no combate aos incêndios. Todos os dias deflagram incêndios de noite e de madrugada, mesmo quando chove.
Este ano de 2017, no momento em que actualizo esta linha, já arderam 213 milhões de hectares de floresta em Portugal. O Estado vai gastar mais de 200 milhões de euros no combate aos incêndios. Quer dizer: a cada ano que passa, o fogo (ou melhor: quem o ateia) destrói o equivalente a 200 milhões de euros ao Estado, a somar ao prejuízo que os particulares sofrem.
A solução é simplicíssima. Já que todos os fogos são postos (dolosa ou negligentemente), bastaria colocar o exército a vigiar as matas e os incêndios terminariam como por milagre. 
Alguém quer considerar isto? Não.
Porque ninguém está disposto a deixar de receber 200 milhões de euros por ano.

Como vê o leitor, para o Bem e para o Mal, os números explicam tudo.

Ora: já que está predisposto a ler esta pequena listagem das centenas de mitos, adaptações e distorções da História que sobre este país têm sido inseridas, escritas e repetidas até à exaustão, deve o leitor ter sempre activado o seu mais afinado Espírito Crítico. Porque só ele o pode proteger da verdadeira Indústria da "peta" que neste país se instalou e prolifera com grande sucesso desde os seus primórdios até aos nossos dias.

Ele - o seu Espírito Crítico - lhe dirá se o que aqui escrevo faz algum sentido. Se faz mais ou menos do que as histórias oficiais; e se muitas destas fazem sequer algum.

No fundo, se o leitor pretende inspirar uma lufada fresca de dúvida metódica ou se prefere continuar a constituir-se como apenas mais um número indiferenciado no magistral rebanho de encolhedores de ombros em que a Indústria da Adaptação ao politicamente correcto nos pretende manter mergulhados. E que serve na perfeição os interesses dos diferentes poderes.

Um povo aceitador pacífico de tudo o que lhe disserem é um povo que não dá problemas a quem governa. Nem a quem lhe cobra impostos. Nem a quem lhes vende uma religião baseada na aceitação resignada do nível de vida mais pobre da Europa.

Com um povo que abdica permanentemente do seu Direito a questionar, pode qualquer decisor fazer praticamente tudo o que pretenda, desde que o "embrulhe" numa história de embalar que mascare o real objectivo a atingir - e que raramente é o Bem comum. 
É um preconceito? É. Fundamentado em 57 anos de vida e quase 900 de histórias da carochinha.

Se verifico que a mesma causa repetida 1000 vezes produz 1000 vezes o mesmo efeito, eu devo prever, à luz da Lei dos Grandes Números, que na próxima vez a probabilidade de acontecer o mesmo é praticamente de 100%. 

Chamem-me preconceituoso. Mas não me chamam estúpido.
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Os primeiros 4 mitos
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O primeiro grande mito de Portugal é o nome. O segundo é o território do Condado de Portucale e os terceiro e quarto têm a ver com o seu primeiro Rei.

1 - O Condado de Portucale não é Portugal


Desde os primeiros anos da escola nos impingem as histórias mais inacreditáveis e romanceadas sobre o que se terá passado com este país desde a sua Constituição como Reino - e nem nisso há consenso! - até aos nossos dias. 

Cada historiador diz o que lhe parece sobre a Constituição do Reino de Portugal. Eu consultei textos dos cronistas contemporâneos e dos subsequentes que escreveram sobre os acontecimentos aqui abordados e os mais importantes historiadores portugueses (entre os quais José Mattoso, A.H. de Oliveira Marques e José Hermano Saraiva) e alguns estrangeiros especialistas em História medieval. E todos eles estão de acordo apenas nisto: não há verdades absolutas sobre a maior parte dos acontecimentos que nos vendem relativamente à fundação do Reino. Portanto cada um diz o que lhe parece mais verosímil ter acontecido. Estamos no domínio da especulação a 60% alicerçado em 40% de factualidade. 

O que gera unanimidade - ou quase - é que o nome Portugal deriva de Portucale ou Portus Cal(l)e. Que mais não é que o nome romano dado à Cidade do Porto e Gaia. As duas margens da região da foz do Douro, afinal. O nome derivou para Portugale e depois para Portugal não se sabe quando exactamente, mas muitos séculos depois. Pelo que se queriam "derivar" deviam tê-lo feito correctamente. E o nosso país devia denominar-se Porto e Gaia. Mas como se conquistou muito mais território do que a oferta do Condado de Portucale por Afonso VI a D. Henrique, o melhor seria deixarem estar o nome orginal em paz. Portucale.

2 - Entre Douro e quê?
O Condado composto de 2 territórios


A segunda mentira é a extensão desse território. Normalmente ensinado nas Escolas como sendo o território original de Entre Douro e Minho, a verdade é que esse território era bastante mais extenso e englobava não 1 mas 2 territórios. O de Porto e Cale (mas também outro a sul do Douro e até abaixo do Mondego, o da actual Coimbra, que se estendia até ao interior a Seia (a minha Terra), Lousã, Soure e até à Marinha das Ondas, então porto de pesca.

Este segundo era o território governado por Sesnando, uma figura suis generiis, o verdadeiro vira-casacas, como hoje é denominado. Era cristão, filho de judeus e foi capturado pelos muçulmanos e convertido ao islão. Aí subiu na hierarquia e acabou sendo nomeado vizir de Sevilha. Mais tarde voltou a reconverter-se ao Cristianismo e colocou-se ao serviço do Rei de Leão, D. Fernando, o Magno; e propôs-se reconquistar Coimbra. O que conseguiu após um prolongado cerco em 1064. Foi praticamente o Rei de Coimbra até morrer em 1091.
Portanto o território nada tinha a ver com o que é propalado.
Mas de onde vem esta oferta?

José Mattoso defende que a decisão de Afonso VI de criar o Condado de Portucale foi o de reforçar a defesa militar da fronteira ocidental contra as investidas dos Almorávidas, depois da derrota por ele sofrida em Lisboa em 1095. Adiante explicamos melhor.


3 - S. Mamede foi batalha? Ou torneio?

O terceiro mito tem a ver com o próprio Rei. Que no meu entender nunca o foi. Já lá vamos.

D. Henrique de Borgonha
Os historiadores cautelosamente não referem os primeiros anos de D. Afonso Henriques. Sabe-se que era filho de D. Henrique de Borgonha e D. Teresa (Tareja), ainda menina e filha ilegítima de D. Afonso VI e de Ximena Moniz.

O Rei dera como dote de casamento a D. Henrique os dois territórios que compunham o Condado de Portucale, como anteriormente descrito.

O mesmo D. Afonso VI ofereceu ao primo de D. Henrique, D. Raimundo, o território da Galiza como dote de casamento da sua outra filha (esta legítima) D. Urraca, que viria a ser a herdeira do trono de Leão.

A Galiza era um território mais protegido das investidas dos sarracenos enquanto Portucale e Coimbra estavam mais expostos à reconquista moura que, aliás, já tinha ocorrido até que em 1063 ou 1064 o moçárabe vira-casacas Sesnando a reconquistou definitivamente para o Reino de Leão.

D. Henrique e D. Raimundo eram membros da alta nobreza da Casa dos Duques de Borgonha e membros da Ordem de Cluny, cujo Chefe era Santo Hugo.Talvez por isso - e porque era preciso garantir a posse destes territórios - D. Afonso VI tenha sido tão generoso para com os dois primos.

E onde é que entra D. Afonso Henriques?
Pois… não entra.

Nenhum historiador fala nele até à idade de 14 anos - idade adulta na Idade Média - e a maioria apenas aos 18. E porquê? Porque foi por volta dessa idade (ninguém sabe ao certo) que ele se terá revoltado contra a mãe D. Teresa. 
E porque se revoltou ele?

Porque o pai, D. Henrique, tinha morrido em 1112, a 12 de Maio, no cerco à sua Cidade (Astorga) quando Afonso Henriques não tinha ainda 2 anos de idade - convencionou-se que Afonso Henriques nasceu a 25 de Julho de 1109. O dia de S. Tiago, o Matamouros. Mas pode ter nascido em 1106 ou até em 1111 segundo alguns especialistas, e não se sabe ao certo onde nasceu. Guimarães, Coimbra e agora Viseu são as hipóteses consideradas. 

D. Teresa de Leão
Entretanto a mãe tinha-se envolvido com o galego D. Fernando Peres de Trava, entretanto nomeado governador de duas partes do Condado. E não de todo ele, como nos mentem.

Diz-se que a batalha de S. Mamede, entre mãe e filho, teve lugar a 24 de Julho de 1128 - faria Afonso Henriques 19 anos no dia seguinte - e que nela os galegos (Mãe e o seu novo marido Peres de Trava) foram derrotados. E que até há uma capela em S. Mamede a assinalar o local.
Mas não pode ser.

Essa capela, bem como o castelo de S. Mamede foram construídos pela condessa de Mumadona, filha de Vimara Peres, cujos filhos, netos e bisnetos governaram Portucale muito antes de ele ter sido dado como dote a D. Henrique.

Portanto, não se sabe ao certo onde se situou o campo de batalha nem sequer se essa batalha teve lugar e - muito pior: se a contenda foi realmente entre Mãe e Filho. Explico a seguir.

Sobre a batalha de S. Mamede recentes teorias defendem que talvez não se tenha tratado exactamente de uma batalha, porque dela não há registos nenhuns, nem sequer um morto ou um ferido(!), mas de um torneio em que quem ganhasse abdicava para a outra parte. Solução muito adoptada na época para se evitarem carnificinas entre as tropas de parte a parte, especialmente quando se previa um resultado de "empate".

Torneio medieval
Hermano Saraiva defende que se terá tratado mesmo de um torneio, e não uma batalha. E que terá tido lugar num local chamado de S. Redenhas (façanhas, feitos corajosos), situado a meia légua de Guimarães vindo do Porto. O local está designado, ainda hoje, como "Campo de Torneio" nos Serviços Cartográficos do Exército.

Tudo leva a crer que se terá tratado, assim, de um duelo entre os escolhidos de Afonso Henriques e os de sua "mãe" D. Teresa. Um duelo a pé e a cavalo, como era uso na Idade Média, aprazado entre os contendores, e que terá sido ganho aos pontos pelos homens de Afonso Henriques.

Daí a sua proclamação de 1129: "Eu, o Infante Afonso, filho do Conde Henrique, livre já de toda a opressão e, pela providência de Deus, na posse pacífica de Coimbra e de todas as cidades de Portucale num só dia de guerra (una die bellando)."

Ora: era impossível que o infante (jovem) tivesse conseguido apoderar-se de Coimbra e todas as demais cidades do Condado e expulsado a sua mãe e o amante através de uma batalha. Ou até de uma série de batalhas… no mesmo dia. Pelo que a tese do torneio, em vez da da batalha, faz todo o sentido.

Por outro lado: será que se tratou mesmo de uma contenda entre mãe e filho?


4 - A lenda de Egas Moniz

Egas Moniz e Família entregam-se a Afonso VII
Nenhum historiador oficial português aborda este assunto mas alguns especialistas espanhóis, e alguns estudiosos portugueses - que têm versões da nossa História conjunta muitas vezes opostas à nossa - partilham a convicção de que o D. Afonso Henriques que ficou na História não era, afinal, o filho de D. Henrique e de D. Teresa. Tal é o caso de Duarte Galvão, cronista oficial do reino in "Crónica de El-rei D. Afonso Henriques" (1505). E mais recentemente, assunto abordado por Domingos do Amaral e Miguel Sanches de Baena e Paulo Alexandre Loução.

Porque este jovem era uma criança muito doente e fisicamente débil (tolheito) porque teria nascido com as pernas deficientes que o impediria de andar e até de montar a cavalo, o que só por si o impediria de ser líder militar e por conseguinte aspirante a Conde, quanto mais a Rei.

Egas Moniz terá feito questão de se ocupar dele e da sua saúde e educação. Até que à idade de 8 anos terá sido enviado pelos seus pais para a Galiza (ou Chaves segundo outra versão) para se submeter a uma cura termal.
Eis as duas versões:

1 - As águas da Galiza eram conhecidas por conseguirem curas milagrosas já naquele tempo. A acompanhá-lo teria ido o seu aio Egas Moniz de Riba Douro (ou segundo José Mattoso o seu irmão mais velho Ermígio Moniz) um magnata portucalense que desempenhara as funções correspondentes às de Governador Civil de Lamego e que entre 1136 e 1146 desempenharia as funções de dapifer curiae, um mordomo-mor da corte de D. Afonso Henriques.

2 - Na ida para Chaves o jovem Afonso não resiste e acaba por falecer. E Egas Moniz terá visto um jovem da mesma idade filho de um pastor e comprou-o ao pai, substituindo o verdadeiro Afonso por este.

O certo é que 3 anos depois, Egas (ou Ermígio) Moniz regressa com um latagão dono uma constituição física de meter inveja a qualquer infante do reino com a mesma idade. E a andar e montar perfeitamente.

Ora tal não era provável que pudesse suceder. O simples facto de sobreviver até à idade adulta seria já considerado um milagre, à época, quanto mais Egas aparecer com um Schwarzenegger!… isso terá dado muito que falar e comentar ao povo, à boca pequena.

Mas o condado aspirante a Reino não poderia deixar de ter um Rei e toda a gente se calou. Incluindo os pais. De quem seria então filho D. Afonso Henriques? Do pastor?

Na minha opinião, o matulão que voltou da Galiza não terá sido filho de nenhum pastor mas do próprio Egas Moniz. Estou de acordo com as suspeitas dos 3 historiadores supra citados.

Egas terá visto nesta "substituição" a oportunidade para fazer do seu filho o futuro Rei de Portucale ou pelo menos Conde do Condado de Portucale.

Miguel Sanches de Baena e Paulo Alexandre Loução in "Grandes Enigmas da História de Portugal" defendem inclusive que Egas Moniz, ao ver D. Teresa grávida, pediu a D. Henrique que o deixasse ser aio do infante. O que aconteceu apesar de Afonso Henriques ter nascido deficiente.

Não vou tão longe porque isso indicaria que Afonso seria filho de Egas e de D. Teresa. Portanto, Afonso seria, de qualquer modo, filho de D. Teresa. Não me parece. Porque D. Teresa nunca o considerou como filho e Afonso revolta-se em armas contra D. Teresa, com a maior das naturalidades apesar dos seus 19 anos (ou menos) exactamente porque, na minha opinião, não seria seu filho. E sabia-o. E havia mais gente que o sabia. Pelo menos a sua tia, D. Urraca, que enquanto foi viva, nunca deixou de espalhar esse boato, segundo Domingos do Amaral.

Portanto não se tratou de uma guerra entre mãe e filho mas de um torneio entre um usurpador do condado (com a anuência da "mãe") e a detentora do poder, D. Teresa, que nada tinha a ver realmente com Afonso Henriques mas que não podia publicamente denunciá-lo agora, uma vez que o tinha reconhecido como seu filho no regresso da Galiza (ou de Chaves).

Daí a razão da lenda de Egas Moniz que reza que Egas Moniz se teria ido oferecer ao rei de Leão Afonso VI, alegadamente com uma corda ao pescoço, em penhor do incumprimento de seu "filho" - Afonso Henriques.

O que terá acontecido é que Afonso Henrique ter-se-á auto-nomeado Cavaleiro em Zamora no dia de pentecostes em 1122 pela mão do Arcebispo de Braga, feroz opositor ao casal D. Teresa / Fernando Peres de Trava.

D. Afonso VII (seu primo) em 1127 cerca Guimarães, onde se encontrava Afonso Henriques que, para que o cerco fosse levantado, prometeu lealdade e aceitou prestar vassalagem ao Rei de Leão. As negociações terão sido conduzidas pelo seu aio (e provavelmente seu pai) Egas Moniz.

Afonso VII confia em Egas Moniz e levanta o cerco mas Afonso Henriques não cumpre com o prometido e, poucos meses depois, invade a Galiza e defronta a sua "mãe" na "batalha" - ou torneio - de S. Mamede. O que terá levado Egas Moniz, acompanhado da sua família directa, a ir oferecer-se ao Rei de Leão, como penhor da sua palavra.

Vestidos de condenados, Egas Moniz apresentou-se com toda a sua família na côrte de D. Afonso VII, em Castela, pondo nas mãos do rei as suas vidas como penhor da promessa quebrada. O rei castelhano, magnânimo, diante da coragem e humildade de Egas Moniz, decidiu perdoar-lhe.
Pergunto: quem mais faria isso por alguém, senão um pai?

Estes são, portanto, os primeiros 4 mitos da História de Portucale. E convenhamos que não são poucos nem pequenos… Um país que se alicerça em 4 grandes Interrogações - que funcionam até hoje - parece ter percebido rapidamente que "adaptar" dá resultado. E a adaptação - quando não mesmo a mentira - passou a ser instituída como Património Nacional, como veremos ao longo destas páginas.

Mas sobre Afonso Henriques há ainda mais uns enigmas a desmistificar, sendo provavelmente os maiores a batalha de Ourique e a tomada de Lisboa. Vamos debruçar-nos sobre cada um deles para deixarmos o nosso primeiro Rei usurpador descansar em paz.



5 - O Milagre de Ourique? Ou dos Templários?

Os estudiosos e especialistas na matéria têm vindo a concluir que esta batalha, tal como a de S. Mamede, nunca poderia ter existido da forma que se ensina nos livros de História.

O próprio Canal de História na sua série "Templários" e livro homónimo di-lo abertamente. Convém explicar que o Canal de História contrata, para cada tema a abordar, os historiadores e especialistas locais mais conceituados. Os conteúdos têm o rigor científico que se pode garantir.

Segundo Hermano Saraiva, a 25 de Julho de 1139 - dia do 30º aniversário de Afonso Henriques e um ano antes de este começar a usar o título de Rei - terá realmente ocorrido um combate durante uma das incursões (fossados) que os cristãos faziam por terras dos mouros. Mais propriamente este teria sido o segundo fossado de Afonso Henriques. 
Chamava-se a estas operações de "fossados" porque elas demoravam alguns dias e os "comandos" abriam fossos para dificultarem o ataque nocturno dos sarracenos.

O objectivo destes fossados era a apreensão (roubo) de gado, escravos e outros despojos. O número de guerreiros destas brigadas não ultrapassavam os 40 e neste caso particular é aceite o número de 30 homens.
Inesperadamente um exército de mouros saiu-lhes ao caminho mas os cristãos conseguiram vencê-los, apesar da sua inacreditável inferioridade numérica. Ter-se-ia passado isto nos Campos de Ourique designação medieval do Baixo Alentejo.

Ora: mesmo esta versão mais light de confronto ou escaramuça - em vez de batalha - é inverosímil. Porque não parece possível que uma força incursiva de 30 homens, como era normal neste tipo de expedições, se pudesse ter aventurado tão para sul, quando o posto avançado, à época, era a fronteira de Leiria. 
Estamos a falar de 250 kms desde Coimbra, a sede do Condado.

Mas pior: a batalha (ou escaramuça) ter-se-ia efectivado contra 5 reis taifas. Como seria possível que um punhado de homens fosse cercado por 5 exércitos se o fossado, por definição, era uma operação encoberta e furtiva? E como sabiam os 5 reis taifas que o pequeno comando de Afonso Henriques se dirigia para sul?

Aqui há quem procure relacionar este facto com uma manobra astuta de Afonso VII que, entretanto, cercava a cidade de Aurélia, perto de Toledo. Aurélia tinha pedido ajuda a todos os reinos muçulmanos e Afonso VII negociou com os sitiados que, se essa ajuda chegasse até determinada data, ele levantaria o cerco. Caso contrário a cidade seria entregue sem luta.

500 kms ou 700kms?
A teoria de Hermano Saraiva é a que de que Afonso VII terá enviado espiões a avisar os 5 reis Taifas das incursões de Afonso Henriques e estes terão perseguido os portugueses, perdendo tempo precioso para chegar a Aurélia.

Já José Mattoso estranha também o facto de uma incursão ter chegado tão longe no interior de território sarraceno, mas surpreendentemente vai dizendo que esse fossado poderia até ter chegado a Sevilha! Porque disso há um escrito algures. E que Afonso Henriques e os seus homens poderiam ter sido surpreendidos no regresso, já com importantes despojos, o que atrasaria muito a marcha e a movimentação.

Esta versão é inverosímil porque, como digo no prefácio, uma operação dessas demoraria meses e Afonso Henriques não poderia dar-se ao luxo de abandonar o seu condado durante tanto tempo num dos períodos mais quentes da sua vida militar.

Seja como for, a verdade é que se tratava do dia de S. Tiago (talvez por isso tenha sido usado para o nascimento de Afonso Henriques) e a "batalha" está envolvida num misticismo religioso que supera de longe os dados factuais, que são poucos ou nenhuns.

Convem explicar que os "5 reis taifas" a que se referem alguns historiadores, respeitam a cinco pequenos destacamentos armados, com algumas dezenas de homens cada um, pois os denominados "reis taifas" mais não eram que o equivalente a simples condes cristãos, cada um com o seu condado de alguns quilómetros quadrados. 

Os números envolvidos nesta suposta batalha foram sendo romanceados e multiplicados por 100, por 1.000 e até por 10.000 ao longo dos tempos, mas a verdade é que em escaramuças deste tipo nunca estariam presentes mais do que 150 a 200 guerreiros. Incluindo os 30 portugueses. O que, mesmo assim, seria um combate muito desigual e impossível de vencer - ainda mais rodeados por 5 exércitos sem saída. 
Ora, obviamente não foi nada disto o que aconteceu.

A minha alternativa é esta: sabendo Afonso Henriques que os sarracenos estavam empenhadíssimos nas lutas com Afonso VII perto de Toledo (que mais tarde seria a capital de todo o império "Espanhol"), deverá ter achado que aquela seria uma boa oportunidade para dar uma escapadinha ali abaixo buscar umas quantas cabeças de gado e despojos, já que os reis taifas deviam estar a combater ou a dirigir-se para Toledo. E, ou foi surpreendido pelas tropas sarracenas em deslocação, ou chegou cedo demais e elas ainda ali estavam. Pelo menos em parte.
Então como conseguiu Afonso Henriques ganhar a contenda?
Não conseguiu. Foram outros que o conseguiram por ele.

O Canal de História assegura que o fossado foi estraçalhado pelos muçulmanos e que Afonso Henriques e seu grande amigo e escudeiro Gualdim Pais conseguiram fugir por milagre. Aliás, este terá salvo a vida ao futuro rei em várias ocasiões durante a fuga.

Mas nessa sua retirada, o comando foi sempre acossado e sucessivamente diminuído pelos mouros que os perseguiram, dia e noite, durante cerca de 10 dias. Tendo ficado vivos apenas 7 homens: "O herói, o Rei e 5 desgraçados de 
que ninguém ouvirá falar".

O que aconteceu foi que Afonso Henriques enviou, na fuga, um dos seus cavaleiros (o mais veloz? Gualdim Pais?) à frente para pedir ajuda aos Templários em Soure. O castelo de Soure tinha sido doado pela sua Mãe aos Templários 11 anos antes, em 1128, a 19 de Março. E entregue simbolicamente ao cavaleiro Templário Raimundo Bernardo.
E foram estes Templários quem veio em auxílio dos poucos homens que restavam ao fugitivo Afonso Henriques.

E foram estes Templários, frescos, fortes, especialistas em guerra e bem alimentados, quem infligiu a pesada derrota aos Almorávidas, que mesmo assim não eram os que a História conta. Nem um milésimo.

É esta a grande "vitória" da Batalha de Ourique, que todos os historiadores sabem que é uma grande treta, que nada se passou como se conta nos livros de História da escola, que não se tratou de milagre nenhum, que toda a lenda do S. Tiago é naturalmente uma invenção. Mas ninguém repõe a verdade, porque não se sabe ao certo qual ela foi. Mas, dada a importância histórica do episódio e o envolvimento directo dos Templários, o Canal de História dedicou um episódio completo da sua série "Templários". O episódio 4. Onde explica a versão dos seus historiadores e especialistas, que reproduzo acima. E que sempre é mais credível que a do "milagre".

Baseado nesta lenda falsa construiu-se um outro mito fundamental: a de que as 5 quinas da bandeira do Reino de Portugal teriam a sua origem em Ourique com a derrota dos 5 reinos taifas por intersecção de S. Tiago e, mais tarde, de Cristo. Não fosse a intersecção de Gualdim Pais - que desenvolvo a seguir - e não teríamos tido sequer Rei.  
Se não fossem os Templários não teríamos, realmente, o nosso Primeiro Rei. Nem Portugal.


6 - As Cortes de Lamego. As tais que nunca existiram.

Outra "grande" Instituição Nacional, que legitima o Reino de Portugal são as chamadas Cortes de Lamego. Que teriam ocorrido algures entre a batalha de Ourique e o tratado de Zamora.
Cortes estas que, infelizmente, nunca existiram, como provou Alexandre Herculano.
Nessas hipotéticas cortes em que teria reunido em sessão toda a nobreza e clero do Condado Portucalense, bem como procuradores dos concelhos sob convocatória de D. Afonso Henriques, os representantes teriam eleito o jovem Infante como seu Rei.

Alexandre Herculano, aproveitando o facto de ser guarda-mor da Torre do Tombo, investigou e percebeu que algo estava muito errado com as cortes de Lamego.
Percebeu que "as actas originais da reunião não existiam, e que a primeira alusão a estas Cortes eram feitas numa cópia do século XVII oriunda do scriptorium do Mosteiro de Alcobaça, das mãos de Frei António Brandão. Deu-se igualmente conta de que, apesar da importância das leis sucessórias definidas naquelas reunião, estas nunca tinham sido inseridas nas Ordenações Afonsinas, nem em quaisquer outras que tenham sido elaboradas a seguir. Isto é, nunca tinham aparecido em nada até 1641."


Mais uma vez foram os números que "tramaram" a Historieta até esse momento tida como Oficial.
Mas agora repare-se na gravidade desta pêta: foi com base nela que se construiu Portugal!



7 - Gualdim Pais, o Amigo e Mestre Templário

Pouco se fala deste que foi, provavelmente, o responsável por Portugal existir, hoje. Se não fosse ele, Afonso Henriques não teria resistido à fuga de Ourique. Se não fosse ele, não teria existido o castelo maior dos Templários em Portugal - o de Tomar, completamente revolucionário à época - nem a abadia do mesmo nome, cópia da Igreja do Santo Sepúlcro de Jerusalém.

Se não fosse ele, os Templários não teriam tido em Portugal a influência que tiveram nem teríamos conquistado Lisboa, Santarém, Alcácer do Sal... tudo até ao Algarve.

Quem foi este ilustre desconhecido Gualdim Pais?

Gualdim Pais
Seu pai chamava-se Paio Ramires e sua mãe Gontrode Soares. E pertenciam à pequena nobreza do Minho.

Desde criança manteve contacto com Afonso Henriques porque uma irmã sua casou com um membro da importante família cortesã Riba de Vizela. Foi educado na corte condal e criou uma forte amizade com o Infante Afonso. Tinha o sonho de ver Afonso Henriques chegar a Rei de Portucale. E tudo fez nesse sentido.

Tornou-se escudeiro do Infante, acompanhou-o em Ourique e provavelmente ter-lhe-á salvo a vida, já que Afonso o nomeou Cavaleiro logo no mesmo dia.

Gualdim tornou-se o companheiro inseparável de Afonso Henriques e participou em todas as suas incursões e iniciativas militares a seu lado, especialmente nas tomadas de Lisboa e de Santarém.

A seguir, partiu para a Terra Santa, com os Templários da Segunda Cruzada - que tinham ajudado Afonso Henriques a conquistar Lisboa e sobretudo Santarém - e se dirigiam para a Palestina.

Chegou a Jerusalém em 1148 e ficou por terras de mouros durante 5 anos. Durante esse tempo absorveu novas tácticas militares mas também soluções arquitecturais inovadoras que mais tarde replicou em Tomar tanto no castelo como na Igreja. Entretanto participou, como Cavaleiro, nas mais importantes incursões dos Templários na Terra Santa. Era para isso que ele lá estava.

Em 1156 regressa a Portucale já como Mestre da Ordem dos Templários e continua a ser íntimo de Afonso Henriques, agora já proclamado Rei, desde 1143.
E voltou a ser o seu braço direito, tendo Afonso Henriques doado à sua Ordem numerosíssimos Bens e Castelos, como o de Sintra, enquanto Gualdim construía um novo castelo em Pombal.
Uma outra importantíssima doação foi a do castelo de Cedas em 1159 que foi transformado num imponente e moderníssimo castelo e numa nova Cidade: a de Tomar.

Depois destas obras, Tomar passou a ser a sede da Ordem, por assim dizer, substituindo Soure.
Gualdim Pais introduziu no novo castelo de Tomar tudo quanto aprendeu na Terra Santa relativamente a arquitectura defensiva. Uma torre de menagem ao centro e sistemas defensivos revolucionários: o alambor (rampa pedregosa inclinada destinada a dificultar a aproximação das torres de assalto) e o hurdício - estruturas de madeira no topo das muralhas para proteger os defensores de projecteis e assim dificultar a tomada do castelo.)
E mandou construir uma réplica, o mais fiel que pôde, da Igreja do Santo Sepulcro de Jerusalém. De planta circular e com a sua magnífica charola central de 16 panos.

Estes poderes - o militar e o religioso - eram indistinguíveis na Idade Média. Coexistiam na mente de todos. E, se o militar estava já entregue a Afonso Henriques, o religioso estava entregue à Igreja. Com toda a sua hierarquia local.
A não ser que...

7.1 - Falar com Gualdim é falar com Deus

A não ser que Afonso Henriques conseguisse arranjar um "canal" directo para comunicar com Deus sem ter que aturar Bispos e Arcebispos e os problemas que todos eles lhe iam colocando.
E como conseguiria ele isso?
Com o Canal Templários.

Os Templários "respondiam" apenas perante Deus e perante o seu Filho, Jesus Cristo. Nunca perante a Igreja.
Eram, portanto, convictamente Cristãos mas não garantidamente católicos.

E Afonso Henriques tivera, afinal, desde sempre consigo o passaporte ideal para chegar a Cristo curto-circuitando a hierarquia da Igreja de Roma: o seu maior Amigo de sempre - Gualdim Pais.
Curto-circuitando os arcebispados locais e também os de Santiago de Compostela e o de Toledo. 
Portanto, estavam reunidas todas as condições para o sucesso do jovem projecto do Reino: a chegada Providencial de Gualdim e dos seus Cavaleiros do Templo.

Talvez por isso, Afonso Henriques tenha oferecido à Ordem do Templo os castelos de Idanha-a-Velha e Monsanto. E mais outro no Zêzere e em Cardiga, reforçando o aparelho defensivo de Tomar.
Por seu lado, os templários construíram vários castelos que perduram até hoje: o mágico castelo de Almourol, o de Penas Roias e de Longroiva. E edificaram as mesmas soluções técnicas aos 4 já citados. Com Tomar, Pombal e Soure, os Templários ficaram com um total de 10 castelos. Impressionante, não?

A eficácia da zona defensiva de Pombal iria ser posta à prova, pelos almóadas (mouros), por 3 vezes. E por 3 vezes resistiu. Nos anos de 1184, 1190 e 119. Não foram capazes de tomar a fortaleza templária e, consequentemente, marchar a seguir sobre Lisboa.
Afonso Henriques já tinha falecido não sem antes, em 1179, ter conseguido  o reconhecimento final do seu título de Rei pelo Papa. O que conseguiu com a ajuda dos Templários, de quem o arqueólogo e historiador Adriano Vasco Rodrigues diz: "Os Templários desempenharam um papel importantíssimo na conquista de Santarém, na de Lisboa, na ampliação do território nacional, na consolidação da independência de Portugal. Não teríamos a independência de Portugal, nem a extensão territorial portuguesa, se não fosse pela ajuda dos Templários.
Portugal não seria Portugal se não tivesse sido por eles."



8 - Um Portugal sem Lisboa

Considerando a data de 1143 como a oficial da constituição do Reino de Portucale, pelo tratado de Zamora, a 5 de Outubro de 1143, forçoso é reconhecer que o Portugal recém-nascido não tinha a Cidade Lisboa. Que só seria conquistada 4 anos mais tarde.

Realmente "O Tratado de Zamora resultou da conferência de paz entre D. Afonso Henriques e o seu primo, Afonso VII de Leão e Castela. Esta é considerada como a data da Independência de Portugal e o início da Dinastia Afonsina."

Pelos termos do tratado, Afonso VII concordou em que o Condado Portucalense passasse a ser reino, tendo D. Afonso Henriques como seu rex (Rei). Embora reconhecesse a independência, D. Afonso Henriques continuava a ser vassalo, pois D. Afonso VII para além de ser rei de Leão e Castela considerava-se Imperador de toda a Hispânia.
O Tratado de Zamora, 1143
A Soberania portuguesa, reconhecida por Afonso VII em Zamora,veio a ser confirmada pelo Papa Alexandre III apenas em 1179, mas o título "Rei de Portugal", que D. Afonso Henriques usava desde 1140, foi confirmado em Zamora, comprometendo-se então o monarca português, ante o cardeal, a considerar-se vassalo da "Santa Sé", obrigando-se, por si e pelos seus descendentes, ao pagamento de um censo anual.

A partir de 1143 D. Afonso Henriques vai enviar ao Papa remissórias declarando-se seu vassalo lígio e comprometendo-se a enviar anualmente uma determinada quantia de ouro. As negociações vão durar vários anos, de 1143 a 1179.

Em 1179 o Papa Alexandre III envia a D. Afonso Henriques a "Bula Manifestatis Probatum", na qual o Papa aceita que D. Afonso Henriques lhe preste vassalagem direta, reconhece-se definitivamente a independência do Reino de Portugal sem vassalagem em relação a D. Afonso VII de Leão e Castela (pois nenhum vassalo podia ter dois senhores diretos) e D. Afonso Henriques como primeiro rei de Portugal, ou seja, Afonso I de Portugal.

8.1 - Primeiro Santarém...
Imagine o leitor quantos homens levou Afonso Henriques para conquistar Santarém...
10 mil? 5 mil? 2 mil?
Não. 250. 
Leu bem. Não é lapso. Os números que nos chegam até hoje referentes a batalhas e conquistas e o que nos é dado ver nos filmes épicos sobre a Idade Média... são puros mitos. Da mesma forma que o pré-Rei fez uma incursão a Ourique com 20 ou 30 homens e se dizia nos manuais do salazarismo que os mouros eram 400 mil... e saíram derrotados!
O assalto a Santarém
Os números não perdoam. Foram sendo aumentados com a passagem dos séculos até se chegar a cifras absurdas que até o mais distraído percebe que nunca poderiam ser reais. 

Quem é que iria alimentar 400 mil guerreiros? Onde dormiriam? Quantos cavalos seriam necessários para toda aquela multidão imensa que ainda hoje não conseguimos imaginar?

Pois bem. Afonso Henriques agarrou em 250 dos seus melhores homens e decidiu fazer um ataque de surpresa, durante a noite, à fortaleza de Santarém. Se conseguisse tomar a cidade num ataque de surpresa, poderia muito mais facilmente tomar Lisboa a seguir.

E assim aconteceu. Durante a madrugada de 14 de Março de 1147, 45 homens subiram por várias escada até às muralhas, eliminaram as sentinelas, abriram as Portas e os restantes 200 cavaleiros (entre eles Gualdim Pais) simplesmente tomaram a Cidade. 
Os muçulmanos que conseguiram fugir fizeram-no para Lisboa. Tinha-se conseguido travar as investidas mouras sobre Coimbra e Leiria. e tinha-se o trampolim para Lisboa.

Mas Lisboa era outra conversa. Para conquistar Lisboa Afonso Henriques não possuía homens em número suficiente nem tecnologia capaz para tomar uma cidade moura super fortificada. 
Mas, uma vez mais, o Rei Conquistador teve uma ajuda tecnológica impar.

8.2 - E depois Lisboa. A história verdadeira do cerco.

A ajuda veio dos Templários que, a caminho da segunda cruzada, combinaram com Afonso Henriques ajudá-lo a conquistar Lisboa. Realmente tratava-se do mesmo princípio que os levava à Terra Santa: combater e expulsar os infiéis. Ora, a situação era idêntica e Lisboa ficava mesmo às portas de Inglaterra de onde partiu, a 19 (ou 23) de maio de 1147 (já Santarém tinha sido conquistada) uma frota de 164 navios, que foi aumentando no percurso, frota dirigida por Arnold III de Aerschot, Christian de Ghistelles, Henry de Suffolk, Simon de Dover, Andrew de Londres e Saher de Archelle. Fugiram a uma grande tempestade e aportaram nas Astúrias e vieram por aí abaixo até chegarem ao Porto a 16 de Junho. Conferenciaram então com o Bispo do Porto, D. Pedro Pitões, que depois de um longo discurso em latim sobre a guerra justa, traduzido nas várias línguas, convenceu os Cruzados a ajudar Afonso Henriques a tomar Lisboa, no intento de arrancar a importante cidade mercantil às mãos dos infiéis. 
E, simultaneamente o Bispo prometeu-lhes uma importância em dinheiro razoável. 
Os Cruzados partiram no dia seguinte, 17 de Junho, acompanhados do Bispo do Porto e chegaram ao estuário do Tejo a 28. 

Logo nesse dia houve recontros entre os cruzados e defensores mouros. E só no dia seguinte Afonso Henriques, que já estava nos arredores de Lisboa há alguns dias e tinha até entrado em contacto com 5 navios de Cruzados que se tinham adiantado aos demais, entra em negociação com os Cruzados. 

As coisas não correram bem logo de início e os Ingleses de Northfolk e Hastings ameaçaram não participar no cerco e seguir de imediato para a Palestina, mas o diplomata Afonso Henriques lá acabou por convencê-los (concedendo-lhes o saque da Cidade e os despojos e escravos que quisessem levar) e eles acabaram por aceitar ficar e participar no cerco.

Ou seja: Afonso Henriques aceitou ficar com os "restos" que os Templários não quisessem levar (José Mattoso, D. Afonso Henriques).

Os Templários, sob a direção de um engenheiro de Pisa que acompanhava os germânicos, iniciaram a construção de importantes máquinas de guerra. Grandes catapultas, aríetes (troncos reforçados para arrombar as portas das muralhas), suínos (cobertura de protecção para grupos de assaltantes) e balistas (bestas gigantes). As catapultas lançavam incessantemente projécteis para dentro das muralhas infligindo pesadas baixas diariamente aos muçulmanos. 

O cerco iniciou-se a 1 de Julho.

O cerco de Lisboa
Entretanto, as tropas conjuntas de cristãos - anglo-normandos por um lado e alemães por outro - iam escavando por debaixo da muralha (trabalho de sapa) até que em princípios de Outubro conseguiram fazer desabar parte importante dela, abrindo uma grande brecha por onde os sitiantes entraram. 

Simultaneamente, duas gigantescas torre de assalto de madeira (tecnologia dos Templários) com 28,5m e 25m de altura foram aproximadas da muralha ameaçando a invasão aérea.


Uma delas, as dos Ango-Normandos, encostou-se às muralhas e permitiu o último assalto.

Perante a eminência do assalto cristão por duas frentes, os muçulmanos, famintos e doentes, renderam-se a 25 de Outubro. Depois de negociados os termos da rendição, a cidade foi saqueada pelos Cruzados durante o 1º dia, como pagamento acordado do esforço de guerra.
Assim, primeiro entrou no castelo uma guarda avançada composta por 140 anglo-normandos e 160 alemães e flamengos, para que os mouros lhes entregassem os seus haveres, enquanto inspeccionavam a cidade. 300 cavaleiros, portanto.
Só no segundo dia Afonso Henriques entrou na cidade. 

Agora vamos aos números que, tal como o algodão, filtram a História e as histórias todas.
Quantos meses durou o cerco? Cerca de 4 meses.
Quantos guerreiros portugueses e cristãos estiveram envolvidos? E quantos muçulmanos?
Portugueses seriam 7.000 ao princípio e apenas um punhado deles no fim. 
Porque Afonso Henriques ainda se viu a braços com a deserção da maior parte deles, ficando apenas com "um reduzidíssimo número de cavaleiros e oficiais de sua casa" - De Expugnatione, n. 16 (ed A. Nascimento, 2001, pag 111). 
Pois, segundo Alexandre Herculano, o Rei não podia alimentar as tropas e pagar-lhes soldo e exigir a sua permanência em combate por mais de 3 meses - A Herculano, 1846, livro II (ed. J. Mattoso, 1980, I, p. 507).

Que percentagem representavam então os portugueses no total das tropas que conquistaram Lisboa? Cerca de 30% no inicio e menos de 1% no fim. 
Porque eram 6.000 Ingleses, 5.000 alemães e 2.000 flamengos e os tais 7.000 portugueses, segundo as crónicas contemporâneas. Num total de cerca de 20 mil sitiantes.
Muçulmanos não se sabe. Nem sequer o nome do vizir sitiado. Mas estima-se que fossem cerca de 15 mil.
Portanto, o cerco e a conquista de Lisboa foi conseguida com 70% a 99% de Templários que com eles trouxeram a sua enorme tecnologia e as máquinas de Guerra. Algo nunca visto em Portucale até ali.

Então afinal quem é que conquistou Lisboa aos mouros? Afonso Henriques ou os Templários? 
Decida o leitor.
Com Lisboa caíram também Sesimbra, Palmela e Sintra.
Lisboa tornar-se-ia a capital de Portugal em 1255 apenas. Já Afonso Henriques tinha morrido há 70 anos.


9 - Martim Moniz, o ilustre fantasma

Todos conhecemos a praça de Martim Moniz, que advém da lenda do guerreiro que terá ficado preso na porta da cidade, durante o cerco de Lisboa, impedindo-a de que se fechasse e possibilitando, com o seu sacrifício, a entrada das tropas de D. Afonso Henriques.

Uma porta com 3 metros de altura...
Ora, essa lenda é isso mesmo. Uma lenda. Nada mais.

Percorrendo o que sobre o tema escrevem os principais historiadores, todos eles são unânimes em afirmar que tal personagem lendária nunca existiu. José Mattoso prescrutou todos os cavaleiros que pudessem ter nome semelhante mas não encontrou nenhum suficientemente verosímil. 

Mas mesmo que tivesse existido um com nome diferente, do episódio do "entalanço" também não há qualquer registo em lado nenhum.
Nem podia haver porque nenhuma porta foi forçada ou aberta no ataque a Lisboa. O que determinou a rendição foi a aproximação das Torres dos Templários. A invasão - a ter-se verificado alguma - teria sido por via aérea. Nunca por uma porta.

Mas pior: o leitor recorda-se da brecha que as catapultas gigantes e o "trabalho de sapa" dos Templários provocaram nas muralhas? Então... se já havia uma brecha, para que precisavam de forçar uma porta?

Uma última razão física - se as anteriores não fossem suficientes: 30 homens a fazer força desesperadamente para fecharem uma porta de 2 toneladas produziriam uma força total de cerca de 3 toneladas. Essa força aplicada ao torso de um homem (1 metro de altura) produziria uma pressão de cerca de 30kgs/cm2. O suficiente para cortar qualquer homem ao meio.
Só depois dos muçulmanos se renderem as portas se abriram pela primeira vez. E pacificamente.

Portanto, tal como nos casos de muitos outros exemplos bem enraízados no imaginário colectivo; tal como acontece com muitas outras lendas de norte a sul do país, não existem narrativas nenhumas (credíveis ou não) sobre este facto. 
E se ele foi bem investigado por todos os especialistas em História Medieval...

Pelo que tem que ser considerar que Martim Moniz não passa do fruto da invenção de alguma mente brilhante.

Desmistifique-se ainda a porta da lenda que nos venderam. Como poderia ser esta a Porta de Martim Moniz se a muralha tem meros 3 metros de altura? Isto aqui não é muralha nenhuma. Os templários saltá-la-iam sem problema. E uma porta com 10 cms de espessura cederia à primeira arremetida do ariete. A muralha original teria, como vimos, 25 a 28 metros - a altura das torres de assalto dos Templários. 
E a porta uma espessura 3 vezes superior. No mínimo.




10 - A tomada de Alcácer do Sal... novamente à espera de um milagre? E no mesmo dia da "batalha" de S. Mamede?


Al-Kassr era o seu nome árabe. De onde provém o topónimo actual - Alcácer do Sal. 
Pelo menos desde o ano de 990 que Alcácer se tornara um grande centro árabe. Que aí construíram estaleiros para construção naval, de onde partiram várias expedições, como a frota que atacou violentamente Santiago de Compostela em 997.

Nos Anais de D. Afonso diz-se que logo após a conquista de Lisboa (portanto em 1147) este terá assaltado a praça de Alcácer do Sal comandando uma reduzida força de 60 cavaleiros sem armaduras e só com escudos, lanças e espadas, "ajudados pela protecção divina". E que venceram um exército formado por 500 cavaleiros muçulmanos equipados com as suas armaduras e por 40 peões bem armados. E que D. Afonso Henriques teria sido ferido numa perna por uma seta.

Mas isto é mais uma vez falso porque a conquista definitiva de Alcácer do Sal se terá verificado apenas em 1958 ou 1959.

Em 1151 e 1152 novas acometidas tiveram lugar, sempre sem sucesso. O que seria ridículo se a praça tivesse sido já tomada na data em que os Anais referem.
Em 1153 há relatos de nova tentativa da conquista de Alcácer, desta vez com a ajuda de cruzados comandados por Teodorico de Alsácia, conde de Flandres, que se dirigia à Síria, mas igualmente sem sucesso. No entanto as muralhas terão sido bastante sacrificadas pelas máquinas de guerra dos cruzados, tal como aconteceu com Lisboa.

E terá sido apenas em 1160, depois de 2 meses de cerco, que Afonso Henriques lograria conquistar a Praça - já sem a ajuda dos Templários, apenas com as sua próprias forças militares.
A data romântica que alguns autores avançam para essa tomada - 24 de Junho de 1159, o mesmo dia (31 anos antes) da pretensa "batalha" de S. Mamede, só pode ter sido "atirada" para coincidir com a mesma data da pretensa batalha. Uma coincidência numérica naturalmente forjada. A probabilidade de isto acontecer seria de 1/365 = 0,3%. Mas nessa altura o cálculo probabilístico não seria o forte dos historiadores.

Com esta conquista ficariam teoricamente mais acessíveis os próximos alvos no Alentejo: Évora e Beja. Ambas tiveram mão do mais sanguinário dos nossos (e "deles") guerreiros. Geraldo Geraldes.

O que se pergunta é: o que terá levado Afonso Henriques a tentar tomar Alcácer, em 1147, logo a seguir à tomada de Lisboa com apenas 60 homens? Ele não sabia que com um punhado de homens seria impossível tomar a cidade? Ter-se-ia ele esquecido que até para tomar Santarém precisou de 250? E de 20 mil para tomar Lisboa? Estaria ele à espera de algum milagre? Um novo (3ª? 4º? 5º?) milagre?





11 - Os últimos e maus anos de Afonso Henriques. 
A compra de Évora a Geraldo Geraldes e seus 350 ladrões.

Os historiadores e investigadores de renome referem muito vagamente Geraldo Geraldes, o sem Pavor. Talvez por pudor, porque se tratava de um salteador e de um genocida. E as relações de um tal monstro com Afonso Henriques, cuja imagem é envolvida em virtude e rectidão não beneficiaria este último.
Portanto, apagadas as referências escritas na literatura séria a tal infame personagem, resta-nos a história popular. A que passou de boca em boca e chega aos nossos dias.

Há 4 lendas sobre Geraldo Geraldes.
Uma atribuída a Mário Domingues, outra ao frade Bento, uma terceira ao Mestre André de Resende, e a última popularizada pelo próprio Luis de Camões.
Feita a média ponderada das 4 versões, filtrando as partes não coincidentes das versões e mantendo apenas o núcleo comum da maioria das lendas, pode dizer-se que:

Geraldo Geraldes era um ex-nobre cujo feitio pouco civilizado e intempestivo o teria feito descer (= fugir) do Norte, de onde era natural, para o Sul. Para o actual alentejo.
Não se pode dizer que fosse um mercenário. Era, sim um chefe de mercenários. Tinha em média 350  a 500 homens - chegam a ser referidos 6 mil, entre os quais 2 mil cavaleiros, mas tal seria impossível - e ocupava-se em assaltar aldeias, vilas e fortificações. mais como um conquistador do que como um salteador, dado o elevado número dos seus efectivos composto de bandidos e marginais.
Neste último caso, a técnica era a de subir as muralhas por uma escada, durante noites de invernia, eliminar os guardas e apoderar-se das praças. O seu processo era sempre este.
Portanto, GG pilhava tudo, chacinava indiscriminadamente homens, mulheres e crianças e vinha-se embora com os despojos. Outras vezes, como aconteceu em Beja, mantinha-se dentro das muralhas enquanto durassem as provisões existentes e, por fim, quando já não existisse mais nada, arrasava as fortificações e abandonava-as.
Ora: se esta prática se abatesse apenas sobre aldeias, vilas e fortificações mouras, ainda seria aceitável, àquela época, em que todo o mal infligido à moirama servia os propósitos do Conquistador. Acontece, no entanto, que Geraldo Geraldes arrasava tudo. Quer fosse muçulmano quer fosse cristão. Provavelmente até por uma questão de logística. Manter 500 homens todos os dias não seria compatível com uma selecção criteriosa de alvos almóadas. E isso estragava-lhe a imagem toda.

Conquistou Trujillo em Abril. E em Setembro apoderou-se de Évora. Como?

G.G. e a cabeça do mouro que decepou em Évora
Corria o ano de 1165. Parece que GG tinha sido recebido, a seu pedido, pelo Vizir de Évora, a quem prometera ajuda para combater D. Afonso Henriques. Dentro da cidade teria estado 2 dias, tempo que usou para perceber os pontos estratégicos da fortificação.
Dias depois regressa, a coberto da noite, com os seus homens. Consegue subir a torre da atalaia (que ficava fora das muralhas), assassina o vigilante e a sua filha e traz a cabeça dos 2 para junto dos seus homens. Volta a subir e incendeia a torre - sinal de avistamento de cristãos. O vizir sai das muralhas com o seu exército para repelirem os cristãos e GG entra acto-contínuo na cidade pela porta ainda aberta, fechando-a a seguir. O vizir e o seu exército ficam fora das muralhas, impotentes.

Geraldo comunica a D. Afonso Henriques que tinha a cidade em sua posse, requisitando urgentemente tropas para a manter. Afonso Henriques ficou felicíssimo e nomeou GG Alcaide-mor vitalício de Évora. 

De personalidade imprevisível, Geraldo Geraldes foi, a seguir, um dos principais entusiastas da tomada de Badajoz.
Nos 3 anos seguintes atacou sistematicamente às povoações que rodeavam Badajoz.  Primeiro Cáceres, em dezembro, depois Montánchez e em Março de 1166 tomou Serpa. Por fim conquista Juromenha e faz desse castelo o seu quartel general.

Em 1169, em conjunto com Afonso Henriques encetam a incursão a badajoz que viria a revelar-se um desastre para as forças de D. Afonso Henriques em geral, e para as do próprio Geraldo em particular, que acabou por perder todas as suas terras excepto as do Castelo de Juromenha.

Pelo que, tal como as 5 Quinas de Ourique que resultam de uma batalha ganha por um milagre, ou o acto heróico de Martim Moniz, que nunca existiu, e até a filiação real altamente duvidosa de Afonso Henriques, a preocupação em se ocultar a Verdade é algo que tem tantos anos como Portugal.
Ou mais.

Certo é que depois de ter caído do cavalo em 1169, quando fugia de Badajoz - aproximadamente 800 anos antes de Salazar ter caído da cadeira - Afonso Henriques nunca mais montou.
Ou porque não podia ou porque, se pudesse, tinha que se entregar a seu genro que, entretanto, deixara de o ser porque a Igreja acabou por não aceitar que Fernando II se tivesse casado segunda vez, pelo que D. Teresa (a filha tinha o mesmo nome da sua Mãe) veio recambiada para Portugal.
Uma grande vergonha para Afonso Henriques e para Portugal.

E uma maldição parecia estar a tomar forma a todos os níveis. Primeiro porque nem o filho de ambos sobreviveu. Seria Afonso IX de Leão e herdeiro do império de Hispânia. Mas correu mal. Como aliás tudo começou correu mal a Afonso Henriques desde Badajoz.
Os mouros voltaram a reconquistar grande parte das praças que A. Henriques lhes tinha conquistado e outras cidades foi obrigado a devolvê-las ao genro depois do desastre de Badajoz.
Desastre este que também está convenientemente esquecido pela História básica oficial.


12 - O desastre de Badajoz de que ninguém fala. Afonso Henriques nunca mais pode montar


Fernando II, genro de Afonso Henriques, decidiu começou a repovoar Ciudad Rodrigo, não sem forte oposição de Salamanca que se via perder importância e lhe deu fortes dores de cabeça. Mas o rei de Leão insistiu e levou a dele àvante. Ciudad Rodrigo começou a ser povoada e, naturalmente, fortificada. Afonso Henriques, receando que tal estivesse a ser feito para atacar a fronteira portuguesa, enviou o seu filho, D. Sancho, atacar a Cidade. D. Fernando reagiu e acudiu em auxílio da nova cidade ameaçada, conseguindo derrotar D. Sancho. Uma batalha perdida de que a nossa história não reza, porque só reza das que ganhámos. 
Certo é que D. Fernando II de Leão nos levou a melhor e fez muitos prisioneiros.

D. Afonso Henriques decidiu então invadir a Galiza e tomou Tui e vários outros castelos menores. E em 1169 atacou Cáceres. Depois dirigiu-se a Badajoz. Diz-se que por conselho do chefe de bandidos Geraldo Geraldes, o seu pavor, que continuou a assediá-la nos anos seguintes. Esta cidade pertencia a Leão mas estava na posse dos sarracenos, conforme o tratado de Sahagún, assinado entre os mouros e Castela.

D. Afonso Henriques cerca então Badajoz. Mas Fernando II de Leão volta a estragar os planos do nosso primeiro rei e vem atacar D. Afonso nas ruas da cidade. Sem contar com esta surpresa e sem forças que se pudessem comparar às do genro, D. Afonso tenta fugir mas bate com a perna num ferrolho de uma das portas das muralhas sofrendo um grande golpe e cai do cavalo. E cai sobre a perna ferida que, segundo a Crónica de 1344: "o cavallo steve pera cayr em terra, pero foy fora e chegou aos seus. Mas dês que começarõ a lidar, nõ o pode sofrer o cavallo, ca era chegado aa morte do grande golpe que dera no ferrolho, e lexousse cayr com elle. E cayulhe sobre aquela perna e britoulha toda. E os seus quyserõno levãtar e poer e otro cavallo e non poderom, ca era a perna britada pella coixa."
Afonso Henriques, no chão, sem se poder levantar, é aprisionado. No entanto, o seu genro, magnânimo, manda-o tratar com toda a dignidade e com os seus melhores médicos. Esta batalha de Badajoz, em que Afonso Henriques é humilhado, severamente derrotado e até aprisionado - e só não é morto porque D. Fernando era um cavalheiro - também não faz parte da História "comum" de Portugal. Aquela que é ensinada ao povo.
D. Afonso Henriques esteve preso 2 meses e não mais montaria a cavalo. Passaria a deslocar-se numa carreta (IV crónica Breve) ou com andas e ao colo de homens (Crónica de 1344)  ou "andou sempre em carro (Crónica de 1419.  Mas parece que isso fazia parte do acordo.
Afonso Henriques prometera voltar à prisão logo que conseguisse voltar a montar (!).
Isto tinha Afonso Henriques 60 anos.

Em consequência destes 2 vexames sofridos por Pai e Filho, foi assinado o tratado de paz de Pontevedra, assinado entre ambos os reinos, na sequência do qual Afonso Henriques foi libertado, com a única condição de devolver a Fernando cidades de que este se tinha apoderado. Entre elas: Cáceres, Badajoz, Trujillo, Santa Cruz, Monfrague e Montánchez, de que D. Afonso - e Geraldo Geraldes o sem Pavor - se tinham apoderado "ilegalmente".

As fronteiras de Portugal com Leão e com a Galiza ficariam assim estabelecidas.


13 - D. Fuas Roupinho e o "milagre" da Nazaré.

D. Fuas Roupinho é o meu Nome de fidalgo preferido. Hoje seria impensável pôr-se este Nome em alguma criança. Por isso mesmo é mágico.
Não se sabe quando nasceu. Nem sequer se nasceu. Nunca se encontrou qualquer documento que evidenciasse a sua existência.

Agora note-se o que diz a tradição:
Que foi Almirante. E caçador de veados.
Terá morrido um ano antes de Afonso Henriques. Numa batalha naval com os mouros.

Que terá sido o primeiro Comandante Naval Português e, como tal, o responsável pela primeira vitória da Marinha Portuguesa tendo sido, também, corsário (note-se a analogiia com a lenda da "corsa").
Afonso Henriques ter-lhe-ia atribuído toda a frota naval do Condado: cerca de 40 navios.

Diz a história que se encontra publicada na wikipédia que em 1179 era Alcaide-Mor de Coimbra.
Um belo dia decidiu atacar as forças Mouras que se encontravam estacionadas em Porto de Mós tendo conseguido capturar o seu rei.
D. Afonso Henriques recompensou-o com a nomeação de Alcaide-Mor de Porto de Mós.

Mais tarde, terá aprontado uma Armada destinada a perseguir as Esquadras Sarracenas que assolavam o nosso litoral. A Armada saiu de Lisboa e, a 29 de Julho de 1180, defrontou-se com a Sarracena, diante do Cabo Espichel. A Esquadra Sarracena foi batida e muitos dos seus navios apresados. A Armada de D. Fuas Roupinho regressou ao Rio Tejo e Lisboa celebrou esta primeira vitória naval com regozijo público.
Depois de reparada e aumentada com os navios apresados, a Armada saiu outra vez do Tejo, percorreu toda a costa para o Sul e costa do Algarve ainda não conquistado e, como não tivesse encontrado navios inimigos, passou o Estreito de Gibraltar e fundeou nas águas de Ceuta, de onde regressou, ao fim de dois dias, com inúmeras embarcações Mouras apresadas.

Em 1182, segundo a lenda, D. Fuas Roupinho andaria a caçar veados no meio de um denso nevoeiro, quando terá ocorrido o "Milagre da Nazaré".
O cavalo terá especado milagrosamente à beira de um precipício, salvando-lhe a vida, quando D. Fuas evocou o nome da N. Sra da Nazaré. Isto porque, debaixo de um lajedo, estaria escondida há mais de 400 anos a imagem original (e única) da Santa Maria a amamentar o menino jesus. Imagem esculpida por José de Arimateia (S. José) para ali levada em segredo pelo derrotado rei vizigodo Rodrigo e pelo seu amigo o frei Dom Romano que ali tinham chegado quando fugidos dos muçulmanos desde um convento em Mérida.

Ora bem: mesmo que D. Fuas tivesse existido, seria extremamente difícil que o alcaide de Porto de Mós se deslocasse 25 kms em linha recta para caçar veados. Ainda mais se pensarmos que Porto de Mós se encontrava, à época, rodeada de floresta de um parque natural que ainda hoje existe. O Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros.
Para quê cavalgar 50 a 70 kms por dia e chegar ali com o cavalo cansado - nada próprio para os galopes da caçada e depois ao fim do dia ter que fazer a viagem de regresso - se em Porto de Mós existiria naturalmente muito maior quantidade de veados do que nas escarpas da Nazaré?

Acontece que menos de 2 anos depois D. Fuas morreria numa batalha naval.
Em 1184 saiu com a sua Armada de Lisboa em busca das Esquadras Sarracenas. Tal como na expedição anterior, percorreu toda a costa portuguesa e passou o Estreito de Gibraltar, mas desta vez uma grande tempestade atirou a Armada para as águas de Ceuta. Não há notícia segura da verdadeira importância desta Armada, que teve de enfrentar naquelas águas a Esquadra Sarracena, vinda de Sevilha.
O Cronista Árabe Ibn Khaldun refere que a Armada Portuguesa foi dispersa pelos sarracenos, que apresaram 22 navios. Ou seja: todos, na época.

Depois de ler tudo isto o leitor pense agora que D. Fuas Roupinho... nunca existiu realmente.

Para perceber onde lendas sobre lendas levam o imaginário popular ao fim de 10 séculos.