3.04.2004

Bastam as fotocópias de 3 documentos para se ficar a pedir: BURLA DOS CRÉDITOS ATACA EM SEIA

Dezenas de cidadãos burlados estão na lista negra do Banco de Portugal, todos com o crédito cortado há anos, alguns deles já com bens penhorados, e apenas porque entregaram os seus documentos nas mãos erradas.

Segundo a Polícia Judiciária, trata-se de uma rede que opera a nível nacional. Segundo os lesados, apenas a “esperteza” de uma gerente de um stand que já nem sequer existe, na zona Industrial. A verdade parece estar no meio. Até porque para além deste stand há outros particulares, na nossa cidade, acusados da mesma prática.

Atendendo a que os casos que nos chegaram estão todos a aguardar os trâmites legais optamos por não publicitar os nomes dos lesados, embora só alguns o tenham solicitado.
O stand em causa tinha por denominação Sousa Car e estava situado em plena zona industrial no local onde hoje se encontra uma oficina de pneus. Convém dizê-lo claramente, para se evitarem confusões com outras empresas que têm nome similar e que, no decurso da nossa investigação, foram também referenciadas por confusão.

A burla
As operações foram todas realizadas basicamente do mesmo modo.
A gerente desse estabelecimento é acusada de usar os documentos que os clientes lhe entregavam para fazer simulação de crédito – Bilhete de Identidade, cartão de contribuinte e um comprovativo de morada (factura da água ou da electricidade) – para outros fins. Com eles, e falsificando as assinaturas, comprava bens variados, justava obras e até os usava para servirem de fiadores de outras operações de crédito.
Tudo isto sem os clientes saberem. E todos continuaram descansados até começarem a cair nas suas contas as prestações dos bens “por si adquiridos”. Nessa altura as pessoas dirigiram-se, naturalmente apreensivas, ao seu banco, que acabou por informá-las do que se estava a passar. Os lesados foram de imediato pedir satisfações a quem realizou as operações sem seu conhecimento, e aqui é que as coisas se complicam mais....

1 - Comprei um Subaru sem o saber
João Cabral (nome fictício) só deu conta que tinha um carro novo quando começou a receber multas por estacionamento indevido. Convicto que se tratava de um erro dirigiu-se à GNR que lhe confirmou o pior: aquele carro estava mesmo em seu nome. O pior é que faltava pagar o crédito que foi feito, sem ninguém disso ter conhecimento, para a sua compra. As prestações não estavam a ser pagas – e não o foram, obviamente – e agora este cidadão já teve ameaças de penhora dos bens, às quais teve que responder em Tribunal, provando que se tratava de um abuso do seu nome. De qualquer maneira está prejudicado em mais de 40 contos e continua com o nome na lista negra do Banco de Portugal, «não podendo ter acesso sequer a um desses plano de pagamentos sem juros na Moviflor». O julgamento não está marcado ainda e o caso arrasta-se há 3 anos.

2 – Fui fiadora de obras numa casa que não conheço
Elisabete Ferreira (nome fictício) deslocou-se ao Stand SousaCar para ver de um carro para a filha. Depois de se ter agradado de um informou a gerente que ia tratar do crédito, ao que esta respondeu que não era preciso. Eles tratavam de tudo. Elisabete deu-lhe os documentos pretendidos juntamente com a fotocópia de um cheque em branco. Passados uns dias a gerente informou-a que tinham que ir a Viseu, perto do Palácio do Gelo, tratar do resto da papelada. Ela assim fez, mas ao chegar ao local combinado foi recebida por uma outra senhora que «começou a dizer que faltavam uns papéis». Elisabete não gostou do que ouviu porque já tinha entregue tudo à gerente do stand e ao voltar a Seia desfez o negócio. Pediu os documentos de volta e foi informada que já tinham sido rasgados por lapso. Passado um ano começou a detectar descontos que estavam a ser feitos à sua conta bancária. Dirigiu-se ao seu banco e «ao princípio não me souberam dizer o que era, mas depois de uns dias lá me disseram». Tratava-se de um crédito, de que Elisabete constava como fiadora, de umas obras numa casa, por sinal pertença de familiares da gerente do Stand. Como as prestações não estavam a ser pagas, o banco foi sobre a conta da Elisabete, que, por se recusar a pagar, tem neste momento o nome na lista negra do Banco de Portugal. O caso está em Tribunal desde 99 e o julgamento ainda não tem data marcada.

3- Comprei móveis numa loja em Tábua sem nunca lá ter ido
Ana Maria (nome fictício) comprou um carro para a irmã no mesmo stand e qual não é o seu espanto quando recebe uma carta do Tribunal informando-a que lhe vão penhorar os bens, já que o crédito que tinha feito para pagar os móveis que tinha comprado em Tábua, não estava a ser pago. Deslocou-se a Tábua à referida casa comercial e falou com o gerente que lhe deu toda a razão, porque «nunca tinha visto a Ana Maria na vida», nem ela nunca estivera naquela loja, e hoje é inclusivamente sua testemunha no processo que entregou no Tribunal contra a gerente do Stand. A verdade é que isto se passou há 4 anos e, até hoje, Ana Maria está impossibilitada, como os lesados anteriores, de contrair qualquer empréstimo.

Muitos mais casos de burla existem e não só originados pelo referido Stand. Outros particulares que também faziam créditos avulso são já alvo de processos similares.
A Polícia Judiciária confirma tratar-se de uma rede nacional e que este processo tem mais de 600 páginas. Os lesados de Seia, no entanto, estão convictos que a maioria dos casos que conhecem se confinam ao stand SousaCar com ligações a um outro stand de Celorico – Stand Sacadura – cujo gerente (na época 98 e 99) se encontra em parte incerta.
É portanto aconselhável o uso de toda a cautela ao entregarem-se fotocópias de documentos para a mão de desconhecidos.
Nunca se sabe como poderão ser usados no futuro. Em todos os casos relatados, as pessoas estão lesadas em montantes variados, e vivem como cidadãos sem pleno direito (sem acesso a crédito bancário) e sem que disso tivessem tido culpa alguma. Presume-se que, da forma como as coisas andam na Justiça portuguesa, até tudo se resolver legalmente mais alguns anos passarão. Quem os indemnizará por este grande transtorno nas suas vidas? Quem pretendia comprar casa, carro ou qualquer outro bem recorrendo à banca e já está há anos impossibilitado de o fazer, vai esperar até quando?

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