O nosso colega de infância - Paulo Petronilho (um senense e não um senil) - tem em destaque este texto sobre fotografia no site da SIC Online.
“Não há nada que eu mais deteste que o bom gosto. Para mim, bom gosto é um palavrão.”
Quem proferiu esta frase foi o fotógrafo Helmut Newton, falecido no passado dia 23, num acidente de automóvel, em Los Angels, com 83 anos de idade.
Como muitos dos artistas de Hollywood teve uma morte violenta quando, sem ironia, ainda tinha muito para dar. Na fotografia, e nas provocações ao politicamente correcto.
Newton é um dos fotógrafos mais amados e, também um dos mais odiados. Criticado por ser um voyeur (ouvi dizer que há um fotógrafo cego que não é ), criticado pelas feministas pelas poses de mulheres submissas (mas alguém se atreveria a aproximar-se delas?), por ser misógino (ele que durante mais de 50 anos foi casado com a mesma mulher, que era a maior apoiante do seu trabalho), criticado por ser fútil (ele que cedeu os direitos das suas fotos para a edição de 2004 dos “Reportérs sans Frontiéres”), e por ter fotografado o neonazi Le Pen (ele que fugiu da sua Alemanha natal por causa de Hitler).
E, claro, também porque fotografava mulheres nuas.
Igualmente para os fotógrafos, Helmut Newton não foi uma personalidade consensual. Foi acusado de “comercialão” (olá Sebastião Salgado), de ser pouco elaborado nas suas fotos, pouco ligando aos fundos e iluminação – “O que eu tento fazer é uma boa má fotografia. Foi por isso que abandonei o Kodachrome, era demasiado perfeito” - disse Newton a outro grande fotógrafo, Frank Horvat. – e, mais uma vez, de ser um deslumbrado pelo mundo dos ricos e famosos e ser pouco empenhado politicamente (se calhar um dos seus sonhos foi fotografar Margaret Thatcher com um corpete de couro, justo, e saltos altos e, quem sabe, um chicote. Mas isto não é política certamente).
Deixemo-nos de tretas. O trabalho dele é dos mais marcantes dos últimos 50 anos do século XX. Influenciou grandes fotógrafos de moda, de retratos, de nús. Tirou do estúdio a fotografia estática e iluminada com mais ou menos flashes e levou-a para a rua, dando-lhe movimento, profundidade, iluminando apenas com um flash, quando achava que tinha de ser. Trabalhava só com um assistente e poucas máquinas, sem o novo riquismo de uma Annie Leibowitz, que tanto lhe deve e que, provavelmente, não o reconhece.
Julgo, no entanto, que a irritação maior de algumas destas cabeças bem pensantes não está no voyeurismo, no dinheiro, na política ou mesmo na nudez. Está sim no sentido de humor permanente, presente tanto nos grandes assuntos como nos pequenos detalhes, no seu próprio ataque cardíaco ou na sua própria nudez, nos seus fetiches ou nos retratos dos famosos. O humor é a única arma contra os politicamente correctos e é por isso que estes nunca sabem que já estão mortos.
Os trabalhos publicados na Vogue, Elle, Marie Claire, Stern etc, etc., são a própria imagem destas revistas. Isto é: o que todos lembramos destas revistas está associado a fotógrafos como Helmut Newton. A Vogue, por exemplo, sem este fotógrafo não era a Vogue.
Quando vemos uma imagem de Helmut Newton ele é automaticamente identificado como o autor dela, por fotografar com um estilo próprio e inconfundível, sem confusão com outros fotógrafos. Esta acaba por ser a lei de Newton. O seu maior legado. Uma verdade universal que deveria tornar-se obrigatória para todos os fotógrafos: ser único. O resto, faz parte da pequena intriga, da pequena inveja, do pequeno talento. Faz parte da pequenez que ele combateu e de que se libertou em definitivo.
* Editor Coordenador de Fotografia Edimpresa
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