1.31.2004

Debate sobre "Comunidade urbanas" revela candidatos e picardias.

TEXTO INTEGRAL (e não só a parte final publicada no P.E.).
O debate sobre "comunidades urbanas" que teve lugar na sexta-feira, 23, moderado pelo presidente da Câmara foi bastante concorrido. Não pela população anónima, é certo, mas pelos notáveis do burgo que não poderiam perder a oportunidade de se mostrarem, nem que fosse para dizer nim. Infelizmente o nim aconteceu com demasiados intervenientes de quem se esperaria um contributo mais interessante para a discussão. Comecemos por estes, pelos piores.
O prémio do discurso mais ôco e sem conteúdo vai direitinho para Victor Moura. Não se entende como é que um ex-deputado que trabalhou na AR durante tanto tempo vai à tribuna chamar a atenção para trivialidades. "Cuidado com isto, cuidado com aquilo... se formos para a Covilhã, se formos para Viseu..."
Ó sr ex-deputado: aqui ninguém vai para lado nenhum. Estamos na nossa terra. Pretendíamos de um político traquejado ideias claras que sustentassem uma opinião avalizada pela experiência política vivida. Tivemos azar.
Depois, João Mário Amaral. Um discurso pró-Viseu redutor e mercantilista: "o que podemos dar e receber..." mas dar o quê? A serra é sua? É nossa, por acaso? Podermos dá-la em troca de produtos ou serviços? Não se entende esta visão gasta do relacionamento inter-comunitário. O Concelho de Seia não está à venda, nem serve de moeda de troca para coisa nenhuma, sr empresário.
Mario Jorge Branquinho é o terceiro dos piores. Pró-Viseu à base de candidaturas a fundos comunitários e mais fundos comunitários e mais candidaturas. Bem: é a visão de quem não tem outra. O Portugal medíocre subsidiodependente em toda a linha. Embora acabe por ter, infelizmente, algum substracto - os dinheiros acabam por vir - a verdade é que Portugal e Seia não podem continuar eternamente dependentes dos dinheiros comunitários, sobretudo para deles fazer o que se tem visto: enviá-los directamente para os off-shores de alguns e continuar tudo na mesma. Vale mais estar quieto.
Segue-se uma dupla evitável: Carlos Catarino e André Figueiredo.
O primeiro porque proferiu a intervenção mais demagógica da noite. Os nossos "produtos naturais" profusa e repetidamente mencionados. Mas quais produtos naturais? As pedras? o gêlo? As batatas? Não: penso que se refiriria ao queijo. E em que perspectiva? Na de adquirir posições de liderança na GAM (!) e ter pessoas de Seia a exercer posições governativas. Percebe-se a filosofia: vamos lá que isto dá tachos! Mas isso é exactamente o oposto do que se deve fazer. É exactamente a tacharia nacional que nos tem conduzido ao lugar do mais desgraçado país da Europa.
André Figueiredo também faria melhor se ficasse calado. Pede a palavra para responder, em evasivas, a Mário J. Branquinho. Estrategicamente errado. Primeiro, porque a intervenção deste trouxe a público a sua total falta de visão sobre os problemas em causa. Portanto, André devia calar-se e deixar MJB afundar-se sozinho. Já que decidiu falar, ao menos que trouxesse ideias para o debate. Também não. Utilizou o tempo de palanque para criticar "aqueles que só aparecem de vez em quando, quando lhes dá jeito". Ó André: você até é um moço com potencialidades que sempre vê mais do que um palmo à frente do nariz. Não se gaste nestas picardias 40 furos abaixo do nível médio das águas das ETARes.
João Viveiro também falou. Pouco, o que é sempre bom. Mas se calhar pouco demais. Tão pouco que eu acabei sem perceber o que quis dizer com "saibamos conquistar o nosso espaço na associação em que estivermos inseridos". Está bem, João. OK.Fixe. As intervenções de João Viveiro e de Tenreiro Patrocínio (que praticamente não ouvi, e se calhar por isso mesmo) ficaram na fronteira entre o MAU e o que foi Melhor.
E no melhor, começamos pelo eng Lemos dos Santos que nos trouxe uma perspectiva (embora demasiada alongada) bem fundamentada do assunto em debate. É sempre bom perceber, nem que seja a meio da tertúlia, que há alguem presente com conhecimento técnico daquilo de que fala e por isso produz uma opinião fundada que será sempre de considerar. Pró Covilhã, neste caso.
João Luis de Brito: uma intervenção popular, politicamente muito eficaz se estivesse ali povo para ouvir. Não estava. Só estavam os "notáveis" e esses não estão para ouvir, estão para "botar faladura". Foi pena. A sua perspectiva sobre a inevitabilidade da nossa condição periférica foi a única evidência de que ninguém se tinha apercebido até ali. Uma contribuição notavelmente lúcida sobre o que aconteceu - "abandonámos a Serra" - e o que irá acontecer quer escolhamos Covilhã ou Viseu. "Somos sempre os da fronteira e como arraianos seremos sempre tratados e pagaremos a factura correspondente". Mesmo assim, inclina-se para a Serra. Valeu. Nuno Camelo lembrou os 70 autocarros que estacionavam em Seia para ir para a serra. "Alguem trabalhou e nós descansámos". Valeu também, por isso.

Fez-se História a partir daqui
Vamos aos pesos-pesados: José Canhoto fez história ao desiludir totalmente. Esperava-se uma intervenção sólida e convicta e para além de não ter sido uma coisa nem outra, tem um terrível flop político que lhe custará a candidatura à CMS, quando refere que não quer um novo hospital. Antes quer o mesmo mas que trabalhe bem. É uma afirmação perfeitamente correcta, que muitos profissionais da saúde subscrevem, mas politicamente mortal, especialmente neste momento em que a guerra por um hospital renovado está em vias de armistício. Não podia ter corrido pior.
Eduardo Brito rasga um sorriso pelo flop demolidor e percebe, nesse momento, que já não precisa de se candidatar novamente à Câmara. Deixou de ter adversário à altura.
Será? Não subscrevemos a tese e explico no final porquê.
Pimentel, no seu estilo arrebatado e populista, imaginando que está na Assembleia da República - e que pena para Seia ter perdido um parlamentar destes enquanto elegeu outras figuras absolutamente amorfas para a representar - desenvolve a sua tese pró-Covilhã. Com brilho, com vigor e com toda a convicção do mundo. Não há, repito, outro oralista em Seia a aliar o arrebatamento à fundamentação de uma forma tão natural e tão endémica. Fiquei fã.
Alcides Henriques argumentou de forma sucinta no sentido contrário. Explanou a sua convicção e teve momentos de raro entusiasmo. Reconhece-se a experiência do Tribuno, mas a alma que esteve subjacente à sua intervenção não era, não podia ser estudada, pesada, doseada. Foi um momento natural e dos mais conseguidos da noite. Não se irá candidatar a nada, talvez não possua o carisma nem a popularidade do vencedor nas urnas, mas é sempre um contributo sólido que não pode ser ignorado em nenhuma situação.
Fernando Paninho produziu a mais brilhante intervenção da noite. Surpreendente, para alguns. Não para mim que conheço bem as suas capacidades. Uma ideia nova e divergente: a 3ª Via. Não precisamos de nos colar aos outros. Não somos pobrezinhos. Somos um município de montanha e devemos aliar-nos aos nossos congéneres em vez de nos entregarmos a um ou outro dos "grandes leões" (Viseu e Covilhã). Bonito. E dá que pensar. Não lhe dou o destaque final só porque tenho que o reservar para a revelação histórica da noite.

Nuno Vaz é o candidato natural do PSD à CMS.
Surpreendeu sobretudo a clareza da sua primeira intervenção. A serenidade. A sustentação bem-disposta de uma ideia por si desenvolvida no Porta da Estrela, de que nos deveríamos aliar à GAM de Viseu. A referência ao facto do Presidente da Câmara ter arrepiado caminho colheu definitivamente. A exploração dessa "precipitação" de Eduardo Brito é uma arma que pode ser brandida no futuro. Nuno Vaz não se cansou de fazer passar informação subliminar. Que não é de Gouveia! Que é de Trás-os-Montes. Várias vezes repetida na clara intenção de esbater o estigma gouveense - o único handicap que pode colocar-lhe obstáculos a uma vitória na CMS, desde que Eduardo Brito não concorra.
Portanto, o caso é este: Se Eduardo Brito concorrer a luta será forte. Se Nuno Vaz conseguir esbater o estigma de Gouveia, será o adversário mais forte que EB já teve de enfrentar. Não se sabe o que pode acontecer, dado que todas as eleições – excepto as autárquicas – são sempre ganhas pelo PSD.
Se EB não concorre e Marciano Galguinho for o candidato contra Nuno Vaz, não prevejo vida fácil para o PS. Só um milagre ou uma campanha monstruosa poderá fazer pender a balança para a rosa. Embora o rigor e o profissionalismo de Galguinho sejam os seus (fortes) ex-libriis, a candidatura de Nuno Vaz será infinitamente mais mobilizadora. Ainda mais quando os laranjas percebererm o "peso" do candidato potencial que têm em mãos.
A coisa ganhou interesse e o debate serviu para se clarificarem as águas. No fundo José Canhoto não conseguiria apoio popular significativo (não é um populista) por isso talvez tenha sido, para a sua carreira, melhor assim.
Nuno Vaz tem o perfil e a postura correctas para desafiar Eduardo Brito (que continua a ser um "animal político" em alta). O problema é que nos próximos 2 anos pouca coisa poderá EB fazer dada a restrição orçamental e isso pode ser muito aproveitado no debate eleitoral. EB tem que arranjar maneira de disfarçar a falta de orçamento com "alguma criatividade", como ele próprio costuma dizer.
Entretanto Nuno Vaz também não fará omeletes sem ovos. Mas pode uma vulgar estratégia populista estabelecer comparações com o que se passa em Gouveia, em que uma Câmara tecnicamente falida faz agora flores todos os meses. De onde vem o "papel"? E Nuno Vaz tem o peso de Alvaro Amaro em Lisboa?
Seja como for não vejo melhor candidato local para o PSD, e nenhum desconhecido da 2ª linha do partido o baterá no seu terreno, pelo que o partido pode agora demonstrar que não necessita de importar políticos da capital para disputar a sério a Câmara de Seia.
A não ser que Santana Lopes decidida abandonar a corrida à Presidencia e se lembre de nós…

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