2.10.2021

Pedro Álvares Cabral, o navegador apagado da História

Pedro Álvares Cabral, o navegador apagado da História Pedro Álvares Cabral (PAC) foi um dos mais célebres nomes portugueses. Mas também um dos mais desconhecidos. 

Não se sabe onde nasceu nem quando nasceu. Tal como acontece com Vasco da Gama. Aceita-se que s sua data provável de nascimento rondará os anos de 1467 ou 1468, mas não há nenhuma razão para dizer isto. Sabemos é que em 1500 foi nomeado Comandante-Mor da Armada que partiu para a India. A segunda.

Mas a grande Armada. Que teve uma história triste e que - como sempre - não é contada aos portugueses nos manuais escolares. mais uma vez, para se saber ao certo o que aconteceu é preciso consultar as obras volumosas - e caríssimas - dos historiadores e dos especialistas. Aqui estou mais umam vez a levar a verdade do que aconteceu aos meus leitores. E vão compilando porque as tretas que nos contaram na Escola são mais qie muitas e raras vezes a ideia com que ficamos é sequer aproximada da realidade.

Documentada e verificada e publicada. mas lá está: não divulgada. o que se divulga são lendas e tretas. O que sabe o leitor sobre a expedição de Pedo Álvares Cabral? Faça uma PAUSA de 1 minuto AQUI e tente recordar-se. Tente puxar pela sua cultura geral. 

 O leitor provavelmente sabe de duas, uma: 1 - Que PAC ia para a Índia e enganou-se, como aconteceu com Colombo. 2 - Que PAC ia para o Brasil (porque já se sabia que o Brasil existia) por causa da astúcia de D. João II no Tratado de Tordesilhas. 

 Pois então continue agora a leitura e perceba o que se SABE que aconteceu. PAC era um homem enorme. Abriram-lhe a sepultura em Santarém e percebeu-se que era um gigante.

Era também um fidalgo. Já o pai dele tinha sido um grande fidalgo. O seu pai era o Alcaide-Mor do Castelo de Belmonte. E era também o Senhor de todas essas Terras. O pai era um homem rico. Diz-se que o Pedro também era rico. Mas isso não é verdade. Ele tinha 10 irmãos e nem sequer era o mais velho.

E como nesse tempo os Bens iam todos para o primogénito, PAC não era rico. Era pobre. Era um fidalgo sem fortuna. Antes da data de partida da frota, em 1500, tudo o que sabe sobre PAC é o seguinte: ele prestou serviços ao Rei D. João II, que morreu em 1495. Mas não sabemos de que serviços se tratou.

Ele prestou serviços e o seu irmão também. Portanto, os dois prestaram serviços ao Rei. E o Rei, talvez em 1494, deu aos 2 irmãos um pagamento por isso.
Estabeleceu-lhes um tença de 26 mil reais, por ano, para os dois. Isto era, na época, uma tença pequena. Serviços no valor de 26 mil reais apenas, a dividir por dois, não se deve ter tratado de grande coisa. Ou de algo de grande responsabilidade, como os serviços de que imcumbiu Estêvão da Gama, o pai de Vasco da Gama. Que, como já vimos, eram serviços de espionagem em África.

 Sabemos que D. João II se servia muito dos seus homens para pequenos serviços, às vezes de espionagem, portanto. Mas neste caso nada sabemos e uma hipótese provável é que ele tenha sido um dos homens de confiança que acompanhavam o D. João II no “Esquadrão dos Ginetes” - Um grupo de Cavalaria composto por homens fidalgos e comandado por um fidalgo importante: Fernão Martins de Mascarenhas. Os seus guarda costas, por assim dizer.

Tudo o que conhecemos sobre os ginetes é que eram cavaleiros de grande estatura, guerreiros fortes e audazes, e que tinham por missão proteger o corpo do Rei. Porque D. João II andava sempre com medo que alguém o atacasse.

Outro dos ginetes do Príncipe Perfeito (cognome de D. João II) foi Afonso de Albuquerque, futuro vice Rei das Indias. E ambos - PAC e Afonso de Albuquerque - passaram a ser homens de confiança do Rei seguinte. O cunhado e primo de D. João II - D. Manuel.

Portanto, PAC terá sido guarda-costas do Rei. O certo é que em 1500 o Rei o nomeia comandante de uma grande Armada que vai partir para a India. Tinha chegado há pouco tempo o que restava da frota do Vasco da Gama, que tinha partido com 3 navios e voltou ao Tejo apenas com um; e de cerca de 300 homens que tinha levado consigo, regressaram poucas dezenas. Morreram quase todos. Mas tinha regressado com esta notícia gloriosa: Portugal já conhece o caminho marítimo para a India!

Esse facto ultrapassou os revezes da viagem. E também já se sabia que aquilo lá na India não era fácil. Vasco da Gama tinha voltado com as mãos a abanar e sem conseguir fazer qualquer negócio com o Samorim, por causa do poder que os muçulmanos tinham sobre o comércio das especiarias e a rota da seda. Eram os pilotos muçulmanos quem, a partir do Mediterrâneo e do Mar Vermelho, transportavam as especiaria até às grandes cidades Italianas. Génova, Pádua, Veneza, Florença.

E depois caravanas faziam o transporte por terra até à Europa. E eles tinham o mau feitio de não gostar de concorrência. Pois agora, D. Manuel resolvia enviar uma grande Armada. Com Vasco da Gama, para a descoberta, foram apenas 3 navios.

Mas agora, para esta viagem de negócios e demonstração de força - para intimidação dos muçulmanos - o Rei envia 13 naus. As 13 naus de Pedro Álvares Cabral As 13 naus estão bem representadas nos livros do tempo. Não se sabe ao certo quantas pessoas iam nos 13 navios mas os números oscilam entre 1200 e 1500 homens. E diz o cronista que era tudo gente escolhida, gente com muito bom aspecto, gente muito bem vestida, porque o Rei sabia que se iriam encontrar com Reis orientais de grande luxo. E por isso escolheu o melhor que tinha para enviar à India.

 A Armada reúne-se em Belém a um domingo. Corria o dia 8 de maio de 1500. Diz o João de Barros que "o mar nem parecia mar. Parecia um campo em flor com a flor daquela juventude". Iam todos vestidos de forma festiva. Iam todos partir para aquela grande aventura, para a India. E a moldura era um mar de multidão.

Todos aqueles campos à volta do Restelo estavam apinhados de gente. O rei D. Manuel estava presente. Foi uma festa grandiosa, a daquele domingo, em que PAC parte para a India, à frente daquela brilhantíssima Armada. Nunca o Tejo tinha visto partir uma Armada tão bonita e engalanada!

A bela armada Sai do Tejo, navegam durante 13 dias sempre com ventos favoráveis, e aportam em CaboVerde. Mas nessa altura dá-se a primeiro revés. Durante a noite - nunca ninguém soube como - um dos 13 navios desapareceu. Tinham-no visto à noite, mas de manhã já lá não estava. Nunca mais se soube dele. Não se sabe se foi uma “ponta” de vento que o levou para longe, mas parece pouco provável.

A verdade é que o navio e os cento e tal homens que lá iam dentro nunca mais apareceram. Foi a primeira grande perda. mas haveria mais. Continuaram a navegação e, na semana da Páscoa, em 22 de Abril, vêem ao longe Terra. Era um monte "muito alto e redondo". E como estavam na semana da Páscoa, chamaram-lhe Monte Pascoal.

 Chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil

Passado pouco tempo estavam ancorados à vista de uma terra que eles julgavam que seria uma ilha, porque ninguém sabia que ali havia um Continente. Para eles era uma ilha. Chamaram-lhe uma Ilha.

Passaram aí uma semana e meia. Havia um escrivão de bordo chamado Pêro Vaz de Caminha que, durante esses dias em que esteve descansado, escreveu uma carta minuciosa ao Rei D. Manuel. PAC escreveu outra, cada um dos capitães de navio escreveu outra, o médico que ia a bordo - Mestre João - escreveu outra... Portanto vêm muitas cartas para Lisboa... mas perdeu-se quase tudo.

 Conhece-se a carta de Mestre João e de Pêro Vaz de Caminha de que adiante vos falarei. A rota de Pedro Álvares Cabral Ali dessa costa, que era o Brasil, eles continuam a viagem para a India.

Atravessam o Atlântico e, quando se aproximam da Costa de África, ao largo de Moçambique, cai sobre eles uma tempestade inacreditável! O céu fez-se negro, as ondas eram imensas e durante 20 dias eles não sabiam se eram mortos ou vivos. "Os navios eram atirados às alturas parecendo que chegavam ao céu, de repente vagas imensas parece que se afundavam". E, durante 20 dias seguidos, eles apenas rezavam e entregavam as almas ao Criador. Todos acreditaram as suas vidas tinham chegado ao fim... mas então a tempestade passou.

Mas da brilhante esquadra de 13 garbosas naus que tinha saído do Tejo já só havia 6 navios. Os outros tinham ido todos ao fundo com mais de 700 portugueses de quem nada mais se soube. Incluindo a nau de Bartolomeu Dias, um dos capitães que tinha sido o primeiro a dobrar o cabo da Boa Esperança.

Imagine-se a tragédia. Como se tal desventura não fosse suficiente, os 6 navios que escaparam tinham os mastros partidos, as madeiras estaladas, as velas completamente rotas e em frangalhos. E é com estes 6 navios desmantelados que PAC consegue chegar a Sofala, depois a Melinde, e finalmente no dia 13 de Setembro a Calecute. Que era a cidade em que tinha estado Vasco da Gama e em que PAC esperava carregar os seus navios com a preciosa carga das especiarias. 

Mas também aqui em Calecute as coisas correram muito mal.  PAC manda fundar uma Feitoria - entreposto comercial - para vender os produtos portugueses e comprar especiarias. Mas fez aquilo muito mal. Em vez de construir uma fortaleza, PAC decide ocupar uma casa sem protecção que existia na praia. O que lhe seria fatal. Depois deixou-se enganar por várias vezes e por várias vezes tomou decisões erradas, para não dizer catastróficas. 

 O caso foi o seguinte: passavam-se semanas e PAC não conseguia comprar nada, ninguém lhe vendia nada. Claro, pois se os muçulmanos tinham o mercado na mão, eles trabalhavam para que ninguém nos vendesse nada. E neste impasse passaram-se 3 meses. PAC estava desesperado. A certa altura disseram-lhe que estavam a chegar uns navios carregados de elefantes e que o Samorim iria adorar receber um elefante de presente. PAC pensou que com esse gesto conseguiria abrir as portas do comércio das especiarias e manda atacar o navio alegadamente carregado de elefantes. Os soldados bombardeiam o navio e mataram apenas um elefante. O único que lá vinha. Os nossos mareantes puderam comer bifes de elefante mas nada mais se ganhou com o ataque. O navio também não trazia especiarias. E não era à procura de elefantes que nós lá estávamos. Mais tarde recebeu nova informação de que estavam a chegar outros navios carregados de especiarias. E Cabral, sem ter quem lhas vendesse, optou por roubá-las. PAC manda atacar esses navios. Mas acontece que eles não traziam especiarias nenhumas. Eles traziam apenas mantimentos para a cidade de Calecute. Foi um erro tremendo. Porque esse assalto disparatado fez levantar toda aquela gente em armas contra nós. E centenas assaltam a feitoria, onde estavam apenas 60 portugueses sem defesa. Os homens do Samorim caíram sobre eles e mataram-nos quase todos. Poucos escaparam. 

Cabral, completamente desorientado, não sabe o que fazer. No dia seguinte, resolve bombardear a cidade desde o mar, como represália. Mas é claro que deixou de ter condições para continuar em Calecute. O que resta da nossa Armada empreende, pois, a viagem de regresso. Na viagem, ainda consegue completar o carregamento de especiarias noutras duas cidades, mas tudo aquilo tinha corrido pessimamente e a verdade é que quando ele regressa a Lisboa traz menos de metade dos navios, da carga e dos homens. A maioria tinha morrido naquela desgraçada aventura. O Rei D. Manuel nunca mais entregou nenhuma missão a Cabral, que acabou por terminar a sua vida praticamente esquecido em Santarém. 

 Ali está o túmulo, que faz mais o elogio da esposa do que o dele. Diz que a esposa, que era D. Isabel de Castro, proveniente da mais alta nobreza, foi Camareira-Mor da Infanta D. Maria depois da morte do marido. E nada mais. PAC tinha sido um homem célebre mas foi propositadamente apagado da História.

 Talvez por isso, enquanto, por exemplo, sabemos todo o percurso de vida de Vasco da Gama (que voltou a ser chamado para corrigir as asneiras de PAC, no ano seguinte e, mais tarde, para colocar ordem na bandalheira e corrupção em que se tinha tornado o comércio das especiarias e que acabou por morrer na Índia), de PAC acabamos por não saber praticamente mais nada. 

Foi votado ao ostracismo e apagado da História. É certo que lhe cabe a Glória enorme de ter descoberto uma das grandes Nações do tempo contemporâneo: O Brasil. E quem a descobriu foi - por acidente ou não (e pessoalmente penso que sim) - Pedro Álvares Cabral. Ultimamente há uma corrente - e nomeadamente no aniversário dos 500 anos da Descoberta, em 2000, isso ficou bastante patente - que defende que o Brasil não foi descoberto mas sim "Achado". 

 Um dos Grandes Feitos de que os portugueses se podem orgulhar é o de terem trazido o Brasil das profundezas de uma civilização primitiva em que estava mergulhado (uma das tribos que existia era inclusivamente canibal) à luz brilhante da civilização europeia. 

 Curiosidade: a obra do Dr. Jaime Cortezão - A expedição de Cabral em 1500 - é um livro muito bem redigido. E ilustra PAC na sua capa. Mas esse retrato é falso. Não há qualquer retrato de PAC em parte nenhuma - nem sequer o que se lhe atribui nos Jerónimos - porque D. Manuel decidiu esquecê-lo e varrê-lo da História. O que, apesar de tudo, não conseguiu. Porque realmente foi PAC quem, na Páscoa de 1500, pela primeira vez aportou às praias da Vera Cruz no sítio de Porto Seguro. 
E isso nunca pôde ser apagado.

10.05.2020


  Os últimos anos da monarquia

JOÃO TILLY·DOMINGO, 21 DE JANEIRO DE 2018·TEMPO DE LEITURA: 12 MINUTOS
17 leituras
Querem ouvir falar de falências de bancos? Pensam que isso é só de agora?
Estamos no Reinado de D. Luis.
É um longo reinado. O Rei morre em 1889 na Cidadela de Cascais.
D. Luis preside simbolicamente à vida nacional mas não interfere no governo.
Esta ideia pode levar-nos a pensar que este reinado é um período apagado. Mas isso é errado. No último quartel do sec 19, Portugal dá muitos saltos em frente no sentido do seu desenvolvimento.
Eis alguns destes factos que fazem de Portugal um país mais civilizado.

Em 1870 é inaugurado o cabo submarino que liga Portugal à Inglaterra. Uma novidade tecnológica de que poucos países dispõem.
No ano seguinte, em 1871, dá-se o célebre problema que apaixona Lisboa. As Conferências do Casino. Eram conferências democráticas que o governo proibiu. Essa proibição provocou um alarido e um protesto dos meios anti-monárquicos.
Em 1872 funda-se em Lisboa a Fraternidade Operária. A força operária está a surgir. Com o desenvolvimento da Indústria surge uma força social e proletária nova: os operários.
1873 - 1º Inquérito Parlamentar sobre a Emigração. A emigração é um cancro nacional. As fazendas do Minho ficam abandonadas porque os lavradores vão em catadupa para o Brasil. É um problema grave este, o da emigração do final do sec 19. E o parlamento dedica-lhe um Inquérito que ainda hoje fornece muitos dados importantes.

Ainda em 1873 funda-se o Partido Republicano Federal. É federal porque esta é uma tese ibérica: um só partido para dois países.

1875 - a Fundação do Partido Operário Socialista. O primeiro Partido Socialista português.
1876 - a famosa 1ª Crise dos bancos - os grandes bancos portugueses vão à falência e nalguns casos - como no caso do banco Lusitano - são falências pouco claras. Porque os bancos fecham, as fortunas ficam... e, tal como hoje, não se percebe bem como as coisas aconteceram. De qualquer maneira é o grande movimento de capitais de Portugal para o Brasil e do Brasil para Portugal que provoca essa superabundância de dinheiro. Mas ao mesmo tempo dão-se essas falências de bancos em série.
A crise não impede, no entanto, o governo de continuar com as suas obras públicas.
Em 1877 é construída a ponte Maria Pia, uma grande ponte metálica que liga o Porto a Gaia. Passa a ser possível viajar directamente de Lisboa ao Porto.
Em 1878 faz-se o primeiro censo da população. Verifica-se que os portugueses não chegam ainda a 5 milhões. Apesar disso continua a hemorragia da emigração. No Brasil, o trabalho de assentamento da ferrovia em todos estados é predominantemente realizado por trabalhadores portugueses. O nativo brasileiro não aceita trabalhar e o brasileiro civilizado também não aceita esse tipo de trabalho. E isso aumenta imenso a emigração portuguesa.
É nesse mesmo ano (1878) que é eleito pelo Porto o primeiro deputado republicano.
O ilustre Rodrigo de Freitas.
No ano seguinte, 1879, faz-se o 1º Congresso Socialista em Lisboa.

Em 1880 acontece o 3ª Centenário da morte de Camões. As comemorações foram objecto de grandes festejos nacionais, que o Partido Republicano praticamente dirigiu. E isso permitiu mostrar a grande influência, nos meios intelectuais, nos meios escolares, nas Universidades das ideias republicanas.

Nesse mesmo ano, 1980, aparece mais um grande jornal republicano - o Século. Um jornal de grande expansão claramente republicano e que iria durar muito tempo. Praticamente até ao 25 de Abril.
Em 1884 dá-se um facto extremamente importante para nós.
Na Conferência de Berlim, os delegados portugueses conseguem que as grandes potências que dividem a África entre si, reconheçam os direitos de Portugal às nossas posições africanas. Angola e Moçambique são reconhecidas como possessões portuguesas.
Nesse mesmo ano, mais um facto interno mas muito revelador. Na Póvoa de Sta. Iria funda-se a primeira grande fábrica de adubos para a agricultura. É a agricultura que muda.
Substituindo a velha agricultura tradicional adubada de forma natural passa agora a ter lugar uma agricultura científica com adubos fabricados na Póvoa de Sta iria.
As indústrias, no aspecto técnico, exigem cada vez mais uma mão de obra mais qualificada e é nessa altura que o ministro Emídio Navarro organiza em Portugal o Ensino Técnico. Que depois sofreu várias modificações mas que permaneceu fundamentalmente o que foi criado por Emídio Navarro.
Em 1887 o grupo Comunista-Anarquista de Lisboa publica a sua Declaração de Princípios.
É claro que estamos ainda muito longe da forma moderna de Comunismo, porque não era possível uma ligação Comunista-Anarquista. Mas essa Declaração de Princípios faz sensação.

No ano seguinte, 1888, mais um grande passo em frente. Cria-se a primeira fábrica portuguesa de tintas e vernizes. Uma Indústria química que não existia em Portugal
A Ideia Nova
Morto D. Luiz, sucede-lhe no trono o seu filho mais velho, D. Carlos. Um príncipe que estava aureolado por uma atmosfera de prestígio. Dizia-se que o novo rei era um ilustre cientista, um bom artista, um diplomata exímio nas suas relações internacionais... Portanto ele sobe ao trono numa maré de Esperança e acredita-se muito que esse Homem vai salvar a monarquia.

É a "Ideia Nova" - uma frase criada por Oliveira Martins - uma nova Monarquia em que haja um Chefe que mande, um César. Mas que este líder supremo seja ajudado por todas as forças políticas nacionais.
Esta palavra NOVA será usada mais tarde por Sidónio País, na República NOVA. E depois com Salazar, no Estado NOVO.
Mas a novidade é sempre a mesma: arranjar uma forma mais musculada de exercer o Poder.

O Rotativismo
O sistema político que estava enraízado desde há muitos anos era o Rotativismo, que não permitia essa Ideia Nova. O Rotativismo consistia no seguinte: havia 2 grandes partidos: o Progressista e o Regenerador, equivalentes em força política. E o Rei, quando lhe parecia que um dos partidos já estava cansado, gasto, sem fôlego, demitia o governo e arranjava um governo novo. E depois marcava eleições. E as eleições davam sempre a maioria ao governo novo. Tal foi denunciado com muito espírito por João de Deus.
O Caciquismo
Ora isto é um bocado esquisito: o Rei escolhia o governo, as eleições confirmavam-no, mas a explicação estava numa realidade importante: o Caciquismo. Quem dirigia a política nas aldeias, nos concelhos eram os caciques, gente influente que dominavam o povo pela economia, pela autoridade. Eram centenas ou mesmo milhares os que mandavam votar neste ou naquele partido.
É claro: os caciques viviam dos favores que os governos lhes faziam, portanto votavam sempre pelo governo, qualquer que fosse esse governo.
O Rei determinava um governo novo... e pronto. As eleições confirmavam o governo novo.
As dissidências - João Franco e José Maria Alpoim
Este sistema do rotativismo funcionou ainda nos primeiros anos do reinado de D. Carlos. Mas entretanto surgem as dissidências, que tornam impossível a continuação do rotativismo. A primeira foi a dissidência Regeneradora, chefiada por João Franco. Depois vem a dissidência Progressista, dirigida por José Maria Alpoim. Com estas dissidências, em vez de 2 partidos passa a haver 4. Além disso, o pequeno Partido Republicano agora já tem deputados.
Ora, com cinco partidos é impossível fazer a rotação, porque qualquer que seja o partido escolhido ele terá contra si os restantes quatro. E portanto não faz maioria. Ainda não existia a geringonça.
O Ultimatum
Mas o início do reinado de D. Carlos coincide com um acontecimento dramático para Portugal: o ULTIMATUM Inglês. De 1890.
Portugal tinha conseguido organizar e instalar grandes colónias em Angola, na parte ocidental de África; e em Moçambique, na parte oriental de África.
E, por iniciativa da Sociedade de Geografia de Lisboa, surge um plano - O Mapa Cor de Rosa - que consiste em unir as duas colónias ocupando militar e administrativamente as regiões que se situavam no centro de África entre elas. Portanto, de Angola a Moçambique passaria a ser tudo uma grande colónia portuguesa.

Do Cabo ao Cairo
Simplesmente os Ingleses tinham um outro plano: Do Cabo ao Cairo.
Uma super colónia Inglesa que vinha desde o Cabo, no Sul, até ao Cairo, no Egipto.
E é claro que a existência do Mapa Cor de Rosa impedia o projecto futuro Inglês Do Cabo ao Cairo. Portanto, os Ingleses enviaram-nos um Ultimatum para retirarmos imediatamente.
Ora o governo não tinha outra solução senão ceder. Não era possível entrar em guerra com a Inglaterra, claro.
Mas o partido Republicano tirou disso um grande partido, acusando o governo de não ser capaz de defender os interesses portugueses em África. E até acusando o Rei de cumplicidade com a Inglaterra, para se dar aquele resultado terrível.

A Primeira Revolução Republicana: o 31 de janeiro de 1891
O Ultimatum emocionou profundamente o país. E deu um grande alento ao partido Republicano, que queria “salvar” Portugal e a África.
É na sequência dessa emoção pública que se dá no Porto a primeira Revolução Republicana. A revolução de 31 de janeiro de 1891.

É uma revolução de sargentos, organizada por jornalistas e que termina tragicamente em fuzilamentos pela guarda municipal, por uma falha de informação. Mais um engano. Disseram aos sargentos que a guarda estava do lado deles mas afinal não estava. E isso provocou muitas vítimas, muito sangue. O que alarmou a consciência burguesa que não gostava de violência.
E, durante algum tempo, o partido Republicano desceu a sua popularidade.

A popularidade da família Real e o Franquismo
Durante esse mesmo tempo, a Família Real, aproveitando o comboio, fazia viagens ao interior sob grandes ovações. A Família Real em toda a parte era recebida com carinho e entusiasmo extraordinários. Parecia que estavam criadas as condições para a tal Ideia Nova. E na realidade, em 1906, o rei D. Carlos acaba com a Rotatividade dos partidos e entrega o governo a João Franco, o chefe da Dissidência Regeneradora / Liberal.
Todos os outros partidos ficaram contra o Rei, chamam a esse acto a ditadura Franquista. Não é tecnicamente uma ditadura, uma vez que foram marcadas novas eleições dentro do prazo admitido pela Constituição.
Mas o franquismo cria um período, entre 1906 e 1908, de grande excitação, de indignação popular contra o governo, que é acusado de estar a estrangular a Monarquia.

O Regicídio
É nessa atmosfera unânime contra o governo que se dá o atentado do 1º de Fevereiro de 1908, no Terreiro do Paço, quando a família Real regressava de Vila Viços.
Um conjunto de atiradores republicanos aguardava, em vários pontos do Terreiro do Paço, o coche Real. E todos atiraram sobre a carruagem, matando o Rei D. Carlos e o Príncipe Real D. Luis Filipe.

Depois disso apareceram várias versões e teses de que eram só dois os atiradores, o Buíça e o Costa. Mas isso é falso.
O atentado demorou semanas a preparar e não tem sequer nada a ver com o decreto que D. Carlos assinou na véspera como se tentou dizer. mais uma mistificação.
Tratou-se de uma organização poderosa, que trabalhou durante semanas e que funcionou em pleno. E mataram o Rei.
O período Pós - D. Carlos
A morte de D. Carlos vem privar a monarquia do seu principal alicerce. Morto o Rei, a monarquia ficava numa situação muito frágil. Tão frágil que o primeiro decreto depois do regicídio manda libertar todos os presos políticos republicanos que estavam na cadeia.
Como sempre, o único castigado pelo regicídio acaba por ser o chefe do governo, João Franco, que foi intimado a sair de Portugal.
É surpreendente isto. Então matam o Rei e o culpado é o chefe do governo?
Isto representa a desorientação e o ambiente de pânico que se estabeleceu entre os monárquicos.

Quando se estuda esta época fica-se com a idéia de que estamos num país com uma Monarquia sem monárquicos; e com os republicanos sem República.
Chama-se um novo chefe do governo... quem há-de ser? Chama-se o Almirante Ferreira do Amaral que era um homem de prestígio e que não pertence a partido nenhum - isto mostra o desprestígio dos partidos.
O que é necessário, para Ferreira do Amaral, é acalmar os ânimos da população.
Os ânimos estão muito exaltados com a morte do Rei, há muita agitação, é preciso acalmar a opinião pública para se continuar a governar.
A Revolução Republicana
Neste clima de contemporização com o partido Republicano e com o crime que acabava de ser cometido, passam-se os anos de 1908 e 1909.
E no dia 3 de Outubro de 1910 rebenta em Lisboa a revolução Republicana.
O plano da revolução tinha sido estabelecido por oficiais permanentes e contava com a intervenção das unidades militares da guarnição de Lisboa. E, além disso, com a colaboração da Carbonária. A base do partido Republicano estava ligada à Carbonária, isso é um facto.
A carbonária era uma organização clandestina, armada, que colocava bombas e desestabilizava a população e a autoridade. Algo parecido com uma organização de guerrilha terrorista dos nossos dias.
Simplesmente este plano falhou porque as tropas das guarnições, com excepção do Quartel de Marinheiros, não saiu dos quartéis. A revolução chegou a parecer falhada.
O papel fundamental - que era o da tropa - não apareceu.

O comandante, o director do movimento, o Almirante Reis, julgando tudo perdido, suicidou-se. mas precipitou-se porque os Carbonários que se tinham juntado na rotunda não se renderam. E resolveram resistir até ao fim.
Assim aguentaram todo o dia 4 de Outubro, sujeitos ao fogo monárquico. E na manhã do dia 5, o cruzador Vasco da Gama e o cruzador Adamastor aderiram à Revolução e começaram a bombardear o palácio real.

Nessa altura levam o Rei (D. Manuel II) para Mafra. E daí para a Ericeira, onde ele embarca para Inglaterra, de onde nunca mais voltou.
O equívoco que faz vencer a Revolução.
As condições da proclamação são estranhas.
Não há um acto de rendição. O que se passou foi que o embaixador alemão se vestiu solenemente com casaca e chapéu alto, e dirigiu-se no automóvel à rotunda com uma bandeira branca, a bandeira da paz, para pedir um armistício. Mas isto porque a artilharia já estava a fazer vítimas e ele queria reunir, na delegação alemã, os súbditos alemães que residiam em Lisboa.
A população na Avenida viu passar um carro solene, com um senhor de chapéu alto e com uma bandeira branca, e concluiu que seria o governo a render-se!
Se o governo se rendeu, vem tudo para a rua, numa algazarra imensa.
- Viva a República! Viva a República!
E a República proclamou-se assim espontaneamente.

O directório do partido Republicano entrou na Câmara Municipal, que já estava dominada completamente pelos republicanos - a vereação era toda republicana - e do alto da janela anunciaram a proclamação da República.
Os membros do governo eram fundamentalmente os membros do directório do partido Republicano.

E assim, com a soma de dois enganos sucessivos, se implantou a República... à força, mas com o apoio do povo.


Epílogo:
“Nem apitos nem Ó da Guarda! Nem Aqui d´El Rei!
Viva a República! É o único grito que chama a polícia e nos livra dos malfeitores!”

8.17.2020

Edição para os apoiantes do canal João Tilly no Youtube

“A troca do Rei”

Capítulo 1 – O Nascimento do Rei

Exterior do castelo de Guimarães numa noite de Invernia no longínquo ano de 1111. Pôs-se uma tempestade impressionante que lança sobre as paredes da fortaleza toneladas de àgua e vento. Uma chuvada copiosa e oblíqua entrecortada com relâmpagos sem fim pintam toda a paisagem de um imenso branco mortiço e medonho.

O super monarca Afonso VI, filho do Grande Fernando Magno, intitula-se o Imperador das Hispânias: Castela, Leão e Galiza. Mas será isso verdade?

Não.
Uma vasta região do Centro e Sul da Península continua sob o domínio dos muçulmanos que em 711 invadiram a Península Ibérica. Para os expulsar definitivamente, Afonso VI precisa do contributo dos modernos guerreiros estrangeiros que possuem uma tecnologia bélica superior: os Templários.

Para o conseguir, Afonso VI casa as suas duas filhas com dois grandes guerreiros oriundos da Borgonha com ligações ao Papa e aos Templários. Urraca, a legítima, casa com Raimundo; e Teresa, a bastarda, com Henrique.

Esta história começa com uma dessas duas filhas: a não legítima. A D. Teresa.

No corredor coberto com uma longa passadeira, 10 archotes ardem de cada lado, espaçados e presos às paredes. Arcas de madeira nobre e austera servem

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de cadeiras colocadas de 10 em 10 metros de um dos lados. E veem-se armaduras com o mesmo espaçamento do outro.

D. Henrique de Borgonha, nervoso e impaciente, caminha de um lado para o outro. Ouvem-se os trovões lá fora.

- Que tempo miserável! Tinha que calhar logo hoje...

O escudeiro tenta acalmá-lo.

- Calma, Meu Senhor. Tudo há de correr pelo melhor... Deus não permitirá que...

O escudeiro é interrompido pelo choro de um bebé.

- Já nasceu! Deus é grande! Exclama o Fidalgo. E de imediato ajoelha, benzendo-se inclinando a cabeça. Um momento depois, levanta-se de um salto:

- E Teresa? Como está a minha Senhora??

D. Henrique corre para a porta do quarto, mas é travado por uma jovem aia

- Meu Senhor: não podeis entrar ainda!

D. Henrique recua.

- Mas D. Teresa está bem? Como está a minha mulher?

- Está bem! Não cuideis. Mãe e filho estão bem com a Graça de D...

- Filho! É um rapaz! Exclama D. Henrique, cheio de alegria!

E ajoelha novamente a agradecer.

- Obrigado, meu Deus! Dais-me um varão logo no primeiro filho! Afinal a tempestade foi minha amiga!

Mas logo algo lhe parece estranho. Há um grande silêncio. Dentro do quarto não se ouve uma voz. Não é normal.

2

D. Henrique corre novamente para a porta do quarto e esmurra-a insistentemente.
- Então? Que se passa? Deixai-me entrar e ver o meu filho!

De lá de dentro vem uma voz trémula:

- S... só um momento, Meu Senhor. Está quase pronto...

D. Henrique, estranhando:

- Mas porquê todo este silêncio? Porque não vos rides e cantais? É um varão! Porque não cantais de alegria?!

A porta abre-se lentamente. Ao fundo do quarto, à esquerda da cama com as respectivas cortinas (dossel) uma velha parteira olha fixamente o chão. Teresa, a mãe, tem um olhar ausente, como que ainda não consciente de que já nasceu o seu filho.

A aia mais velha tem um bebé ao colo, enrolado num cobertor enquanto lhe limpa a face com um pano suave. O bebé tenta chorar.

- Aia! Dai-me o menino! O meu filho!

A aia passa cuidadosamente o recém-nascido para os braços do pai. A criança ainda tem vestígios do parto.

- Oh que Ventura a minha! Que tesouro! O meu filho! Será o Rei de Portucale! Aia: tirai-lhe o cobertor. Deixai-mo ver completo!

A aia, visivelmente atrapalhada:

- Meu Senhor: tendes muito tempo para isso. Não o deixemos apanhar frio. Pode apanhar o mal.

- Sim... tendes razão. Agasalhai-o, sim. Amanhã ou depois confirmarei. E, voltando-se rapidamente:

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- Mas asseguraste-te que era MESMO um Rapaz!? Não me estais a mentir? - Não, Meu Senhor! Seria lá capaz disso! É um rapaz sim que vos afianço com estes dois olhos que o viram. Eu vos garanto que é um varão!

- E a Senhora D. Teresa? Não fala... parece ausente...

Não, meu Senhor. Está apenas abalada. É o primeiro filho. Muitas nem aguentam. Deixai-a repousar.

- Está bem. Amanhã voltarei para ver o meu filho inteiro e confirmar com os meus olhos a ventura que Deus me deu...

D. Henrique sai do quarto. As aias olham uma para a outra desalentadas e a velha parteira dirige-se a elas:

- Foi a vontade de Deus. O menino sobreviverá, apesar de tudo. D. Teresa olha fixamente o teto do quarto, sem expressão.

No dia seguinte na sala de jantar, D. Henrique está sentado a uma das cabeceiras. Uma imensa lareira atrás de si exibe uma armadura de cada lado. Por cima da lareira uma tapeçaria com cenas de caça. Sobre a mesa, com doze metros de comprimento e dois de largura, estão colocados três castiçais de doze velas espaçados regularmente. Aos pés de D. Henrique, dois majestosos galgos.

- Escudeiro! Manda a aia vir trazer-me o meu filho. Quero vê-lo antes de partir!

O escudeiro sai e passados alguns momentos regressa com a Aia jovem que traz um bebé nos braços.

- Senhor, o menino estava a dormir. Não achais melhor que o deixeis descansar que logo após voltardes da caçada ele estará mais desperto...?

- Nada disso. Quero ver agora e já o meu filho que Deus me deu e ver como ele é perfeitinho e completo. O Futuro Rei desta que há de ser uma Grande Nação...

A aia jovem, envergonhada:

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- Bem se o desejais tanto... ele aqui está. Henrique toma o menino nos braços.

- Mas ele está vestido como ontem! Retirai-lhe a roupa que eu quero ver de que é feito o futuro Rei!

A aia, muito a medo, desenrola o cobertor até que por fim o menino fica completamente nu, revelando o seu corpo inteiro.

- É Homem sim! Olha aqui, Aia!... mas... espera lá... As pernas do menino são pequeníssimas! Isto é normal, Aia?

A jovem aia, balbuciando:

- Meu Senhor, eu... eu não tenho ainda muita experiência com recém-nascidos... ainda só vi nascer dois ou três, mas acho que sim...

D. Henrique, abanando a cabeça:
- Não pode ser. Escudeiro: Chama a parteira!

O Escudeiro sai da sala e poucos momentos depois aparece acompanhado pela velha parteira.

- Parteira: explica-me! Isto é normal? As pernas do meu filho mal se veem... o que é isto??

- Meu Senhor... eu não sei bem...

- Não sabes??? Tu que já trouxeste ao mundo centenas de crianças, não sabes? Tu que já viste nascer e morrer tanta gente? Diz-me a verdade já, velha! - Bem, meu Senhor... (e desata a chorar) eu não tive a culpa! Sei que me vai mandar matar mas eu não tive culpa. O parto até correu bem, a criança nasceu com facilidade... mas acontece que... que...

D. Henrique (espumando de raiva):

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- Acontece o quê? Fala ou eu juro-te por Deus que não voltarás a ver nascer o Sol!

- Meu Senhor (irrompendo em choro) mas eu não tive a culpa... eu não fiz nada... a criança nasceu assim normalmente...

D. Henrique (cada vez mais alterado):

- Assim??? Mas assim como?? O que tem o meu filho? Diz-me, mulher, ou eu juro que...

- O vosso filho nasceu “tolheito” das pernas. Jamais conseguirá andar... nem sequer montar...

D. Henrique, chocado e incrédulo:
- Quê? Que me dizes? O futuro Rei não vai conseguir caminhar? Velha parteira (chorando):

- Não, Vossa senhoria. Eu já vi nascer muitos assim com as perninhas “tolheitas”. São pequenas demais e nem sequer são iguais. Não ganharão carne nem força. Vosso filho jamais poderá caminhar pelo seu próprio pé...

E, em convulsão, atira-se de joelhos às pernas de D. Henrique que continuava incrédulo a olhar para o infinito.

- Mas a culpa não foi minha! Por favor, poupai-me! Eu não fiz nada de errado e Deus é minha testemunha que eu não fiz nada de errado!

D. Henrique, por seu lado, tinha ficado estático. Hirto. Olhos baços, sem expressão. O Escudeiro, assustado:

- Senhor: estais bem?

D. Henrique interrompe o choro da velha que se ajoelhava a seus pés suplicando misericórdia. E com voz grave e cava pergunta:

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- Velha: ouve-me. Não há nada a fazer? Nunca viste nenhum menino assim nascido ficar curado?

- Senhor: se vos disser que sim estarei a mentir e Deus castigar-me-á. Só um Milagre de Nosso Senhor poderá curar este menino.

E logo a seguir, esperançosa:

- Mas Senhor: animai-vos! O menino não morrerá, meu Senhor... ele vai viver...

- O Quê?? Ele vai viver?? Pois antes morresse! Que vou eu fazer com um filho aleijado? Que Rei pode ser um Rei aleijado? Nenhum! Ouviste, velha estúpida? Nenhum!

E agarra a velha içando-a no ar...

- Nenhum Rei no Mundo temente a Deus pode ser um aleijado! E este vai ser. Para que serve um Rei assim? Mais valia...

E, visivelmente transtornado, retira a espada da bainha... A Velha parteira suplica:

- Meu Senhor! Parai! Passareis a Vida eterna no Inferno! Não desperdiceis a Vossa Alma que é eterna! Por Amor de Cristo Nosso Senhor!

E suplicava, chorando e tentando proteger a criança que se encontrava novamente nos braços da ama.

- Meu Deus! Meu Deus! Por que dás esta tortura? O menino vai crescer e será sempre um tolhido. Como poderá governar? Desesperava D. Henrique.

E voltando as costas, sai da sala, atirando com a espada para um canto, enquanto o escudeiro, assustadíssimo, sai correndo atrás de si, e os pagens se escapam cada um para seu lado.

A velha parteira ergue os olhos rasos de lágrimas como que implorando um milagre aos Céus. E a aia, a seu lado, chorando com o menino ao colo...

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Na Idade Média quem decide tudo é Deus. Para o bem e para o mal. A população não podia senão resignar-se com os desígnios do Altíssimo. Mas esta era a maior machadada que se poderia ter abatido sobre um Nobre francês, educado segundo os mais modernos padrões do Conhecimento Científico da época e que tinha vindo há pouco tempo para o Condado Portucalense a convite de seu sogro. E que, no fundo, nutria o secreto desejo de ver o seu filho coroado Rei de uma Nova Nação que estava a formar-se e para a qual ele tinha inclusivamente encontrado o nome: Portucale.

Com um filho deficiente – portanto impossibilitado de vir a constituir-se um Rei que se exigia forte guerreiro e hábil cavaleiro, todos os seus planos estavam a ir por água abaixo.

Havia que fazer alguma coisa porque nem uma nova criança resolveria o problema. Enquanto este primogénito estivesse vivo ele seria sempre o futuro Rei, nascesse quem nascesse a seguir. Mas um Rei “tolheito” que nunca poderia ganhar o respeito dos seus súbditos.

A menos que... o destino estivesse a preparar mais algum golpe de teatro que pudesse resolver este aparentemente irresolúvel problema.

O que viria, realmente, a acontecer.

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Capítulo 2 – Egas Moniz e a Educação de Afonso Henriques

Floresta Densa de Guimarães. Em plena caçada. Hermígio Moniz, o velho Senhor de Riba Douro, faz parar o seu cavalo junto de D. Henrique que, na margem de um ribeiro olhava, especado, a sua imagem na água.

Os seus companheiros de caça mantinham respeitosamente uma certa distância, garantindo-lhe assim uma relativa privacidade.

- Henrique: os caminhos do Senhor são duros e tortuosos. Só ele sabe por que nos faz passar por certas provações.

Desmonta do cavalo colocando-lhe a mão no ombro:
- Henrique: não te esqueças do que prometeste ao meu Irmão.

D. Henrique roda a cabeça devagar no sentido de Hermígio e balbucia quase impercetivelmente:

- E achas que ele vai manter o seu pedido, depois... depois de ver a criança? A criança aleijada?

- Os Mistérios do Senhor podem ser insondáveis mas os de Egas são inexistentes. Mantem o que combinaste, Henrique, meu querido Irmão-em- Armas, que o meu outro Irmão, o de sangue, cumprirá a sua parte.

E remata, dando-lhe uma palmada nas costas:

- E agora vamos a eles! Daqui a pouco cai a noite e os javalis já pensam que estamos doentes!

Os cavaleiros partem a todo o galope pela floresta adentro. A caçada é retomada, o galope frenético, as flechas voadoras, a perseguição dos cavaleiros a javalis e veados. D. Henrique cai em pleno ribeiro atingido por um ramo de uma árvore enquanto perseguia uma cria de javali. Gargalhada geral e boa disposição.

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Cai a noite. O grupo de caçadores retorna ao Castelo. Um pagem segura o cavalo de D. Henrique enquanto o informa:

- Meu Senhor: lá dentro à espera de V. Senhoria está D. Egas de Riba Douro. Quer falar com V. Senhoria antes da ceia.

D. Henrique, apreensivo, não responde. Desmonta do cavalo e dirige-se para a entrada da Torre de Menagem enquanto os escudeiros cerram a porta principal do castelo.

Os pagens abrem a porta da Torre e, ao entrar, D. Henrique depara imediatamente com o seu grande Amigo e irmão de Hermígio, Egas Moniz, da mais alta fidalguia de Riba Douro, Tarouca, Lamego e Ucanha.

- Egas, meu Irmão!
- Henrique, irmão meu!

E lançam-se nos braços um do outro, ambos mordendo os lábios para conter as lágrimas.

- Estava em Salzedas (Mosteiro de Tarouca) quando a notícia chegou. Vim imediatamente. Cavalguei toda a noite...

- Não esperava outra coisa de ti, Egas.

E logo num tom mais grave:

- Já soubeste?

- Sim. E exigi ver com os meus olhos. Não leves a mal mas tinha que ver para crer.

- Sim, Claro. A maior ventura seguida da maior desgraça...
- Irmão Henrique: os mistérios de Deus...
- Já sei, já sei. É o que sempre diz teu irmão Hermígio. Está lá fora... vai vê-lo.

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- Não, meu irmão. Hermígio pode esperar. Esta conversa, não. Como sabes, pedi – por via da muita estima que te tenho - aquilo que te pedi. E tu concedeste. Agora venho reclamar o teu penhor.

- Egas, meu irmão. Bem sei o que te prometi. Mas nenhum de nós poderia prever o que a Fortuna nos reservava. A criança nunca vai poder andar. Nunca será Rei nem sequer Conde de Portucale... Agradeço-te do coração mas estás desobrigado do teu pedido.

- Como, Henrique??? Só por cima do meu cadáver! Venho reclamar a tua promessa. Não me importo que Deus assim tenha decidido. Venho reclamar o que combinamos. Mal a criança atinja os dois anos de idade, esteja como estiver, será por mim educada para ser Conde, Rei ou Papa. O Amor que lhe darei é o mesmo quer tenha pernas e braços ou não. É-me igual! Portanto é isto o que te venho aqui dizer: ao perfazer dois anos a criança passará a ser educada por mim tal como acordámos mal se soube que vinha a caminho. E eu não abdico de ser o seu Aio.

- Egas! Aio?? Por Amor do Altíssimo! Como é que a melhor linhagem de Riba Douro pode vir a ser aio de um fedelho? Eu, que sou estrangeiro, é que devia ser aio dos teus filhos. Tu pertences à melhor casta da nobreza de Entre Douro e Minho! E a mais antiga também.

- Chama-lhe o que quiseres, irmão. Mas o teu rebento será por mim educado tal como tínhamos acertado os dois e também com Sua Senhoria D. Teresa Vossa esposa. E disso não abdico.

- Egas (condescendendo): nem eu esperava outra coisa. Rezemos, pois, por um Milagre e que Deus tenha compaixão daquela pobre criatura e se digne fazer um grande Gesto. Pelo menos que ela possa manter-se de pé. No cavalo teremos que a cingir com algum engenho à sela. Tenho Esperança que será possível mantê-lo no dorso de um cavalo sem cair. Havemos de o conseguir!

- Claro, Irmão. Juntos e com a Graça de Deus... Juntos havemos de conseguir. E agora vamos ver o nosso outro Irmão.

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Um forte abraço une uma vez mais D. Henrique e D. Egas Moniz.

E mais uma vez o carácter e a integridade de Egas Moniz levam a melhor sobre o preconceito medieval instituído. Deficiente ou não, o futuro Rex de Portucale havia de ser educado por si.

O destino, mais à frente, iria dar uma volta de 180 graus ao futuro desta criança. Mas, por enquanto, nenhum dos dois o poderia imaginar.

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Capítulo 3 – A partida e a morte do Conde D. Henrique

Exterior do Castelo de Guimarães. Ano de 1112

Raia a Aurora. Os cavaleiros, cerca de 100, aguardam pelo Conde D. Henrique já do lado de fora das muralhas. Nos aposentos de D. Teresa, D. Henrique despede-se da esposa, D. Teresa de Leão, que se encontra de pé à sua frente.

- Senhora minha: está na hora. Esta campanha não demorará mais de um mês. Tenho que defender Vossa Irmã do seu infame segundo marido, Afonso, que cerca Astorga, agora Terra Nossa. Por muito que me custe, sangue é sangue e Terra é Terra. E não darei de barato o que tanto nos custou a conquistar.

- Ide, meu Senhor. Realmente o meu novo cunhado não é de fiar. Mas Deus não permitirá que ele leve a melhor.

Com um beijo na mão de sua esposa e outro na testa da criança que dormia ao colo da aia, D. Henrique retira-se dos aposentos, atravessa o corredor, sai para a praça interior da fortificação, monta o seu nervoso ginete, que o escudeiro muito a custo tentava segurar, e levanta o braço para os serviçais que, amontoados na praça, gritam:

- Viva D. Henrique e seus Bravos Cavaleiros! Boa Ventura!

- Meus fiéis serviçais! Dentro de uma lua, com a Benção de Deus Pai, aqui estarei para vos contar as façanhas desta nova Batalha e da Libertação de nossa Cidade Astorga. Até lá, querendo Deus, Nosso Senhor!

- Viva D. Henrique! Que vá com Deus e Boa Ventura!

D. Henrique abandona a praça com um último aceno e, já fora de portas, exorta os seus cavaleiros:

- Meus Bravos! O nosso Bom Deus e minha cunhada D. Urraca pedem-nos que façamos Justiça à traição de Afonso I, seu infeliz esposo. Vamos dar-lhes batalha forte e, com a Graça de Deus Nosso Pai, venceremos e reporemos a Justiça em Astorga!

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- Por Cristo e D. Henrique! Por Cristo e D. Henrique!

E os cem cavaleiros partem a galope para o cerco de Astorga deixando atrás de si os ecos dos gritos vibrantes e dos cascos dos cavalos envolvidos numa núvem de poeira.

Passam 4 dias na viagem. D. Henrique e os seus cavaleiros chegam a Astorga. É noite cerrada. Milhares de archotes cercam o castelo. Tudo em redor são acampamentos. Ouvem-se os risos das mulheres da vida, os berros dos bêbedos, as gargalhadas dos jovens. De dentro da fortificação, no entanto, nem um som. Nem uma luz.

Astorga está cercada há já um mês completo pelas tropas de Afonso I, o segundo marido de D. Urraca. O casal que se zangava e reconciliava alternadamente. E de cada vez que tal acontecia, um novo cerco, uma nova escaramuça, uma nova batalha.

Madrugada alta, com os sitiantes dormindo e aproveitando um denso nevoeiro, D. Henrique e os seus cem cavaleiros aproximam-se do flanco da fortaleza. Ao sinal combinado, outros cem cavaleiros saem da fortificação pela porta principal erguida depois de untada com azeite e banha para evitar o ruído.

As duas alas de cavalaria precipitam-se em conjunto sobre o acampamento principal onde o rei traidor Afonso I dormia um bem regado sono.

-Alarme! Tocam as trombetas dos vigias! Os sitiantes estremunhados precipitam-se para as armas... mas é tarde demais. Os cavaleiros de D. Henrique e de D. Urraca estão a cair sobre eles sem piedade.

Uma surtida de surpresa a meio da madrugada!... à boa maneira Templária. Ninguém ali o esperaria. A noite era usada tradicionalmente pelos sitiados para fazer saídas curtas para conseguirem algum mantimento ou para enviar mensageiros isolados. Nunca para fazer a guerra.

O Rei ainda consegue escapar, em trajes menores, protegido pelos seus escudeiros. Mas quem fica é dizimado. A cavalaria organizada não dá hipóteses

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à infantaria confusa. As tendas são queimadas, os fugitivos esmagados ou passados à espada.

Quem consegue fugir, salva-se. Quem ficou a dar batalha foi esmagado. Por fim, quarenta a cinquenta peões ajoelham depondo as armas. A batalha terminara em poucos minutos. O Rei escapou. Mas ficou sem metade das tropas.

- Hurra! Hurra! Por D. Henrique! Hurra! Hurra! Por D. Urraca!

Henrique e o Condestável de D. Urraca desmontam e abraçam-se. Os vencedores percorrem o acampamento despojando os soldados caídos dos seus valores. As peças valiosas encontradas dentro da tenda real são trazidas a Henrique e ao Condestável. Este obsequia D. Henrique com esse valioso saque.

- O saque é vosso, por direito e Valor.
D. Henrique agradece. Realmente, a Tradição medieval manda que quem ajuda

a ganhar um Sítio leva a melhor parte do saque.

- Graças, Condestável. Assim o farei por Honra de Deus e de meu filho Afonso cujo nome não desmerece o deste impostor!

E, por entre o júbilo das tropas vencedoras, Henrique e o Condestável de Leão montam e regressam para o castelo.

Por um breve instante olham para trás e confirmam a destruição total dos acampamentos sitiantes, consumidos pelo fogo e pilhados pelas tropas aliadas. Dezenas, ou mesmo centenas, são os corpos jazendo que estão a ser despojadas dos seus pertences pelos escudeiros dos cavaleiros vencedores.

Nessa mesma noite, retemperadas as forças, decorre um banquete com música e dança e muita alegria na sala principal.

Manda a tradição que os vencedores confraternizem durante uma semana em banquetes, danças e folguedos após a vitória numa batalha (ou cerco, neste caso). Mas D. Henrique queria voltar o mais depressa possível para a sua Esposa e filho.

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- Condestável: Esta é a última noite que descansaremos em tua Casa porque amanhã cedo quero voltar para PortuCale.

- Meu Senhor! Tão cedo? Nem 3 noites aqui passastes. Olhai que os Vossos homens estão a adorar a estadia!

E lança o olhar para um grupo de jovens que se divertia com outro grupo de donzelas.

- Bem o sei... mas tenho saudades do meu filho. Quero ver se ele melhorou das pernas.

O Condestável, já um pouco bêbedo, responde:

- Meu Senhor: que Deus te ouça. Não quero tirar-te esperanças mas essa doença não costuma ter cura...

D. Henrique dá um murro na mesa e levanta-se de um salto, como para protestar, mas cambaleia por um segundo e vai cair sobre a mesa quando é agarrado pelo cavaleiro a seu lado

O Condestável, rindo:

- Então, Meu Senhor? O que se passa? O hidromel de Astorga é forte demais para os Portucalenses? Ah! Ah! Ah!?

D. Henrique retorna a si, claramente confuso, sem perceber o que se estava a passar

- Onde estou? O que se passou? O Cavaleiro que o ampara elucida:

- Parece que Monseigneur não aprecia as qualidades do nosso hidromel. Este é a sério. Não é amansado pela brisa marítima! Ah! Ah! Ah!

D. Henrique senta-se de novo, ajudado pelo cavaleiro e diz:

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- Mas eu não estou bem. Bebo desde criança e não seriam 6 copos que me poriam assim. Vejo tudo a rodopiar...

- Monseigneur: pensei que estaríeis a folgar mas agora vejo que estais a arder em febre!

E o Condestável ordena:

- Homens! Levai D. Henrique para dentro. É muita emoção junta. Ele tem que descansar.

De imediato dois escudeiros, um de cada lado, amparam e conduzem D. Henrique aos seus aposentos.

Quatro semanas volvidas, no castelo de Guimarães, Egas Moniz passeia com D. Teresa, com o seu escudeiro e as duas aias.

- Senhora Minha: sabeis novas de V. marido e senhor D. Henrique?

- Ainda não e já estou em cuidados. A última coisa que me disse foi que voltaria num mês e já passaram quase dois...

- Não há de ter acontecido nada de maior senão a esta hora já o saberíamos... Nisto, um vigia grita da amurada:
- Três cavaleiros aproximam-se a Norte!
- Quem são? Consegues distinguir estandartes? Pergunta Egas Moniz.

- Não está levantado ainda.... espere... agora sim... Mas não conheço. É vermelho com um ramo verde ao centro...

- É um ramo de carvalho. Vêm de Astorga! – exclama o Senhor de Riba Douro. - De Astorga? Aflige-se D. Teresa. E o meu Senhor não vem com eles???
- Não vislumbro o Senhor D. Henrique.

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Egas Moniz ordena que se abram os portões. Os 3 cavaleiros entram no castelo e desmontam. O do centro dirige-se a D. Teresa e, com uma vénia, entrega-lhe um colar e 2 braceiras.

D. Teresa (aflita):

- Deus Meu! Henrique! São do meu senhor! Onde está ele??

O cavaleiro de Astorga, com voz grave:

- Senhora Minha, vosso Esposo e Senhor D. Henrique foi chamado por Deus...

D. Teresa, desesperada:

- Não!!! Mataram-no??

- Não, senhora minha. Ninguém o conseguiria. Vosso esposo foi o mais valoroso guerreiro no desmantelamento do cerco... e nem ferido ficou.

- Nem ferido??? Então... então como perdi o meu Senhor?

- Acontece que nem três dias eram passados desde a heróica Vitória e Vosso Senhor foi acometido de forte febre. E a ela não resistiu mais do que uma semana.

D. Teresa (suplicando):

- Meu Deus! Por que me levaste o meu Senhor?

- Fizemos tudo o que estava ao nosso alcance. Os melhores físicos de Astorga estiveram sempre a seu lado. Mandámos vir um a que chamam milagreiro de Carrión. Mas nem esse lhe valeu.

D. Teresa, suplicando:
- Meu Deus! Perdoai a este pobre pecador!

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- Mas fique V. Senhoria ciente que ele não sofreu. Entrou em delírio nos últimos dias e só falava em V. Senhoria e no seu filho. E repetia: “Ele vai ser Rei! Ele vai ser Rei!” Não percebemos bem o que queria dizer com isso...

D. Teresa, recompondo-se:

- Deixai. Eu sei o que ele queria dizer. Mas porquê? Isto só pode ser mais uma provação de Deus Todo Poderoso.

E, resignando-se:
- Teremos que a aceitar. É a sua Vontade...

- V. Senhoria: nós viemos à frente. O corpo de Sua Senhoria chegará provavelmente amanhã por esta hora.

- Sim. Entrai. Ponde-vos à vontade. Aias: preparai um banho quente e comida forte para estes gentis cavaleiros. A malfadada notícia que nos trazem não pode ser confundida com o seu empenho e denodo. Ide!

E as aias entram com os cavaleiros para uma dependência contigua às muralhas. Nisto chega Egas Moniz

- Senhora: estou destroçado.

- Bem o sei, meu Bom Amigo. A Ventura não nos tem sorrido mas temos que nos resignar. É esta a vontade de Deus...

- ... cujos mistérios são insondáveis.

- Que mais nos reservará o Divino?

- Senhora: a partir deste momento, aconteça o que acontecer – e agora por maioria de razão! – eu quero educar o Vosso filho. Será menos uma preocupação para vós; e acreditai que dele cuidarei como se de filho meu se tratasse.

- Eu sei, Bom amigo... eu sei... mas ele nem 2 anos ainda fez...

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- Senhora: Dada esta inesperada fatalidade e uma vez que a criança, por infeliz sina, não mais verá o seu querido Pai, peço autorização para o levar comigo logo após as exéquias de Vosso Esposo.

- Não sei que te responda, bom Amigo. Foi promessa de meu falecido esposo e terá que ser cumprida. E mais agora que - como infelizmente bem o dizes – ele não mais verá o seu Pai...

- Senhora Minha: Tendes, a partir de agora, um Condado inteiro para gerir; terras, montes e vales a perder de vista e populações aos milhares para cuidar. Deixai-me aliviar-vos, ao menos, de uma tarefa que sei ser capaz de levar a bom Porto. E eu me comprometo a trazer-vos o Infante Afonso Henriques anualmente à vossa presença para que nunca se esqueça de sua Querida Mãe. - Está bem, Meu Amigo. Agora deixai-me por momentos. Preciso ficar só.

- Com certeza, Senhora. Deus e a Alma desse grande Homem que foi o vosso Esposo vos acompanhe agora e sempre.

D. Teresa encaminha-se cambaleando para dentro do palácio Ducal.

Egas observa-a meditando nas duras provações a que o Senhor a está a submeter. Primeiro, o filho tolhido. Agora, fica viúva ainda na flor da idade... Que mais desgraças lhe reservará o destino?

Castelo de Guimarães. O funeral de D. Henrique. Todos os residentes do Castelo e ainda o Condestável de Astorga, D. Urraca e a sua comitiva estão presentes. O Arcebispo de Braga, D. Maurício Burdino, que viria a ser o Anti Papa Gregório VIII, preside às exéquias num latim irrepreensível. O corpo viajara muitas milhas para ser enterrado. Mas não na Terra em que nasceu nem naquela que o viu morrer. Henrique, um francês, um viajante pela Hispânia, lutara em muitas frentes. E faria aqui a sua última viagem.

- ... “memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris”... Lembra-te, Homem, que és pó e ao pó hás de voltar.

O corpo desce às catacumbas da Igreja no meio do choro gemido das mulheres e do absoluto silêncio dos homens. A pedra tumular é colocada com um som

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arrepiantemente cavo. Um a um, todos saem da Igreja. Egas Moniz dirige-se a D. Teresa:

- Senhora minha: é hora de partir. Vosso filho está já na liteira. Ide despedir-vos dele e tomai para Vós os próximos dias para descansardes e recuperardes desta tão grande tragédia.

D. Teresa dirige-se à liteira e beija longamente a criança que está preste a partir para Salzedas e para o mosteiro de S. João. São as Terras de Riba Douro, as Terras de Ucanha, actual Tarouca, distrito de Viseu.

A liteira parte com a comitiva de Egas Moniz. D. Teresa fica especada, os braços caídos a ver a liteira afastar-se. Dentro dela vai o futuro Rei de Portugal. Um Rei que nunca poderá erguer-se nas suas próprias pernas.

- Meu Deus (murmura): o que reservarás para o futuro deste meu frágil e infeliz menino? Seja o que for, por favor não o deixeis morrer... mesmo que nunca venha a andar. Mesmo que nunca venha a montar a cavalo... mesmo que nunca venha a ser Rei. Será sempre o meu filho.

Mas nem a mais fértil imaginação se aproximaria do que o futuro reservava ao seu querido filho.

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Capítulo 4 – A Visão de Santa Maria, a Igreja de Rates e o desastre de Chaves

Torre de Ucanha. Tarouca. Meio dia. Passaram-se 6 anos. A criança, o Infante Afonso filho de Henrique tem agora 7 anos. É uma criança extremamente inteligente. Aprende tudo com muita rapidez. É muito desenvolto na oralidade e rápido nas respostas. Já conhece o pequeno Império de Riba Douro. Conhece as aldeias e vilas, os rios, os vales, as plantas e os animais. É um verdadeiro menino-prodígio... mas não anda. Nem sequer consegue manter-se em pé. As suas pernas continuam dobradas e sem músculos. Para se equilibrar sobre um potro, um escudeiro de Egas Moniz arranjou um sistema composto de duas varas verticais fixadas uma de cada lado da sela, às quais o menino se segura com as mãos. Mas apenas consegue segurar-se se o animal se mover devagar. A passo. A trote, ele acaba sempre por cair. E o galope é impensável.

- Não adianta, Pêro. Caio sempre. Não consigo dar uma volta completa à praça de Britiande...

- Não desespereis, Senhoria Menino - responde-lhe o fiel escudeiro Pêro de Ucanha. Com o tempo tudo se há de resolver... tende confiança!

- Confiança? (desanimado). Pêro: cada vez estou pior e menos tempo aguento em cima do potro. Cada vez tenho que fazer mais força e canso-me cada vez mais...

- Eu sei, Meu Senhor Menino mas a Vida é mesmo assim. Temos que lutar com perseverança contra as nossas próprias limitações. Reparai: vós tendes 7 anos e sabeis ler editais e escrever o vosso nome. Eu tenho quase 30, ninguém me ganha a montar e a subir a uma torre... mas não distingo uma letra. Cada um é para o que nasce...

- Pois sim, bom Pêro. Mas de que me serve saber ler e escrever se não consigo andar, correr e nem sequer montar? Passarei o resto da minha vida sentado numa cadeira? De cada vez que quiser levantar-me tereis que me ajudar e transportar para qualquer lado, até para a latrina? Não quero um futuro desses para mim!

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- Meu Amo: a Vida muitas vezes mostra-nos caminhos que não vemos e Venturas que não esperamos. É preciso ter confiança em Deus, Nosso Senhor. Ele lá terá as suas razões e, querendo, nos indicará o melhor desses caminhos. Temos apenas que aguardar esse chamamento com esperança e alegria...

- Pois sim, bom Pêro. Assim farei. Aguardarei que esse caminho se abra à minha frente.

Nisto, ouve-se a voz ao longe:

- Infante Afonso! Afonso Henriques! E Pêro! Vinde aqui!

Afonso e o escudeiro apressam-se. Era o Senhor D. Egas Moniz. Afonso, montado, segura-se com uma mão a uma das varas da sela e com a outra agarra com força a mão de Pêro que corre a seu lado.

- Afonso! Pêro! Preparai-vos. Vamos partir!
- Partir, meu Amo? Para onde, se posso ousar perguntar-vos?

- Pêro! Afonso! Esta noite tive uma epifania. Vi a imagem de Nossa Senhora que me acordava. Dizia:

- D. Egas... D. Egas... dormes?

- E Vós quem sois? - perguntei.

- “Sou a Virgem que mando que vás a Rates e caves nesse lugar e encontrarás uma igreja que em outro tempo foi começada em meu nome e uma imagem minha. Coloca o menino sobre o Altar e vereis que fica sarado. Para o fortaleceres ainda mais leva-o a banhos às termas de Chaves. Quando voltares o menino será forte e são. E o meu Filho quer por ele destruir os inimigos da Fé”.

Portanto vamos rápido chamar seis cavaleiros e aparelhar a liteira e vamos para Rates e a seguir para Chaves. O menino vai ficar curado!!!

- Graças a Deus! Vede, Senhor Menino! O caminho de que vos falava!

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- Deus te oiça, bom Pêro... Deus te oiça...

Os preparativos para a Viagem milagrosa iniciam-se em Britiande. Cavaleiros e escudeiros armam-se, mulheres trazem mantimentos, aparelha-se a liteira a dois cavalos robustos e nessa mesma tarde se inicia a viagem que pode mudar o destino do futuro Rei e de um novo País. Poucas horas após a comitiva de Britiande saía com destino ao Futuro...

Três dias de viagem foram suficientes para que a comitiva chegasse a Rates. Mas aqui surge um novo contratempo: os escudeiros procuram descobrir, perguntando à população local, o lugar onde em tempos terá existido uma ermida, uma igreja, uma capela... mas acontece que já ninguém o sabia dizer.

De facto, o templo original datava do sec. IV, do tempo da romanização, ainda antes da chegada dos povos bárbaros e posteriormente dos muçulmanos. Oito séculos depois nada tinha resistido. Nenhum vestígio era conhecido. E agora?

- Senhor: corremos tudo; batemos a todas as portas, perguntámos a todos os camponeses e mestrais. A Lenda é conhecida mas o local onde em tempos se levantou a Igreja... já não. Sinto muito.

- Não desistiremos, Pêro. Amanhã, querendo Deus, a acharemos. Esta noite ficamos por aqui. Cavaleiros: para a albergaria! Escudeiros: montem acampamento no cimo daquele monte. A noite está calma e bom tempo. Basta uma sentinela. A Deus vos encomendo.

- A Deus encomendamos Vossas Mercês, Cavaleiros! - Responderam os escudeiros.

O resto da noite foi calmo. Mas Egas Moniz estava apreensivo. Não contava com mais este contratempo. Como era possível que ninguém – mesmo ninguém! - conhecesse o local onde há oito séculos se erigira a Igreja em Honra de Nossa Senhora?

Como iria ele descobrir o que há oitocentos anos se perdeu? Estava nestes pensamentos quando o sono o tomou.

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No dia seguinte, mal a manhã clareou, D. Egas e os seus cavaleiros acordam e preparam-se para partir.

- Companheiros: uma coisa é certa. Não vamos voltar para trás nem seguir para Chaves sem termos esta etapa cumprida. Havemos de descobrir a igreja nem que escavemos os cumes de todos os montes!

O Escudeiro Pêro de Ucanha, acabado de chegar, anuncia:

- Meu Senhor: julgo não será necessário tal trabalho. Acho que descobrimos o local!

- Que dizes, Pêro? Tens a certeza?

- Meu Senhor: ontem ordenaste-nos que fizéssemos acampamento naquele monte a Sul. Pois bem: esta manhã, fazendo o reconhecimento do local, encontrei isto sob uma fraga!

E desenrola um pano, mostrando uma imagem de Nossa Senhora esculpida em Pedra.

- Grande Pêro! Tens razão! Só pode ser ali. A Imagem já a temos e a igreja a escavaremos. Vamos, companheiros!

E partem a galope para o acampamento no cimo do monte. À chegada, Egas Moniz exorta os seus Homens:

- Cavaleiros e escudeiros: a Igreja tem que estar por aqui. Nossa Senhora ordenou-me que escavasse até a encontrar. Procurem o ponto mais alto deste monte e começaremos por aí!

E os homens, cada um por seu lado, dirigem-se de imediato ao cabeço mais elevado, que claramente se distinguia do resto da serrania. E ali começaram a cavar. Pouco tempo depois um dos escudeiros dá o sinal:

- Meus Amos e Senhores: descobri algo grande!

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Os restantes escudeiros e cavaleiros precipitam-se para o local e deparam com um grande bloco de mármore não polido, enterrado a cerca de 2 metros de profundidade. Escavam em redor e em breve descobrem o que parece ser uma mesa de mármore branco. Egas Moniz exclama:

- É o Altar! Descobrimos o Altar!

E tal como ordenado pela Virgem, sem mais delongas, sentam o Infante sobre o Altar e, espalhados em redor, os sete cavaleiros e outros tantos escudeiros rezam com fervor pedindo a Deus que lhes conceda a Graça Maior a que poderiam almejar: a primeira parte do processo da Cura do menino.

Depois da fervorosa oração, os Homens aproximam-se da criança, levantam-na do Altar e tentam colocá-la no chão para verificarem se algum progresso tinha sido atingido.. E a verdade é que por Milagre ou por simples sugestão, o Infante Afonso de Henriques consegue equilibrar-se... embora encostado ao Altar. Mas era já um progresso de qualquer forma! Egas Moniz exorta:

- Vede! Ele equilibra-se! Um Bom sinal! É um Sinal Divino! Vamos de imediato para Chaves. As termas trarão a cura definitiva para o nosso Infante!

E o acampamento é levantado, a liteira de novo aparelhada, o menino nela deitado e a comitiva parte para as termas, as Aquae Flaviae do tempo de Trajano. As águas milagrosas que (se acreditava) podiam curar a maioria das maleitas.

A Viagem durou apenas dois dias. E ao anoitecer do segundo, a majestosa e duplamente milenar Ponte Romana já se recortava no horizonte. Egas Moniz dirige-se aos seus homens:

- Meus Senhores: eis-nos chegados à última parte da nossa Missão. Com a Graça de Deus, amanhã por esta hora teremos o Infante completamente são e pronto para assumir as suas responsabilidades na condução dos destinos do Condado mal atinja a maioridade dos 14 anos. Que Deus nos acompanhe até ao Fim desta campanha.

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Cavaleiros e Escudeiros respondem em uníssono:

- Amen!
E a comitiva segue até à entrada da Ponte. Do lado oposto está também a entrar um rebanho numeroso conduzido por um pastor e o seu filho. Egas dá instruções à comitiva:

- É já noite. Não percamos mais tempo. Avancemos. Eles recuam.

Mas acontece que os pastores já não conseguem segurar o rebanho que se precipita para a ponte. A comitiva de Britiandes também. A meio da ponte o rebanho cruza-se com os cavaleiros. Os cães de parte a parte desatam a ladrar e ameaçam envolver-se numa batalha sangrenta. As ovelhas e as cabras berram assustadas, os cães ladram e rosnam de forma ensurdecedora.

Cavaleiros e escudeiros estão treinados para a guerra e não se assustam. Mas os cavalos, sim. Envolvidos por cães em luta e ovelhas em debandada, espetados nas pernas e no ventre pelos cornos do gado desabrido e sem nenhum espaço para fugir, os cavalos empinam-se, relinchando, os olhos raiados de sangue e esbugalhados de pânico provocado por uma situação de grande perigo sem espaço de fuga, que para eles é completamente nova.

Os cães a ladrar, o rebanho em estampida, os cavalos a relinchar e a empinar- se nas patas traseiras. Incluindo os que transportam a liteira...

O caos durou breves minutos. Os escudeiros não tiveram outro remédio senão passar a fio de espada os cães do pastor que, desesperado, lançava as mãos à cabeça.

Sem contendores, os cães da comitiva do Senhor de Riba Douro acabaram por acalmar. E com eles o rebanho e os cavalos. A paz voltou. Egas Moniz ordena:

- Pêro: vai ver do Infante
Pêro de Ucanha dirige-se à liteira, abre-a e sofre o maior choque da sua vida.

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Rapidamente olha em volta, assegurando-se de que mais ninguém está a ver, cerra a cortina novamente e corre a chamar Egas Moniz.

- Meu Amo! Meu Amo! - em voz baixa ao seu ouvido - Vinde aqui. Vinde rápido. - Que se passa?
- Vinde, meu Amo (aflito). Vinde aqui. Vinde ver com os Vossos próprios olhos!

E conduz D. Egas para a liteira. Egas Moniz abre-a e... ela está vazia!

Mas... mas... onde está o...?

O Escudeiro sussurrando angustiado:

- Chiu, Meu Amo. Reparai... está aqui o colar de seu Pai... o menino só pode ter sido atirado ao rio pelo escoicinhar dos cavalos. Perdemos o Infante!

O Tâmega tem um caudal imenso. Seria impossível resgatar fosse o que fosse da corrente. Menos ainda por parte de cavaleiros equipados com armaduras.

Egas Moniz olha em redor. A noite estava bréu. Lua Nova.

Ninguém, no meio daquela confusão imensa de cães a ladrar, ovelhas a balir e cavalos a relinchar, parecia ter notado que o Menino desaparecera. Havia que pensar rapidamente. E agir de forma mais veloz ainda.

Egas Moniz dirige-se ao filho do pastor, levanta-o do chão e transporta-o ao colo tapando-lhe a boca para o impedir de gritar enquanto bradava:

- Calma, meu Infante! Onde vós já íeis! O perigo já passou! Que alegria ver que conseguistes descer da liteira! Estais quase curado da maleita! Que grande milagre se está a preparar! Louvada seja Nossa Senhora que em boa hora me apareceu em sonhos! Mas agora voltemos para dentro que se faz tarde.

- Vamos embora, Homens!

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E metendo-o na liteira, deixa-o à guarda de Pêro de Ucanha com ordens de não o deixar gritar e de ninguém se aproximar.

A seguir dirige-se ao pobre pastor que, ainda atarantado, corria de um lado para o outro tentando recolher o gado, já que tinha perdido os seus cães, e diz-lhe:

- Bom Homem: presta muita atenção ao que te vou dizer. Se queres viver e que o teu filho também viva, toma esta bolsa de moedas de oiro e diz ao povo que o teu filho caiu ao rio. Tu ficarás bem e ele muito melhor. Pode vir a ser Rei. De qualquer modo não tens escolha. Ou aceitas esta oferta neste momento ou morres tu e morre ele em seguida trespassados pelas nossas espadas!

Perante tal falta de alternativa o infeliz pastor não teve outro remédio senão aceitar o saco de moedas, incrédulo mas resignado, e nem tempo teve para chorar a perda do filho que não mais iria ver e do qual nem se quer se despediu.

Nessa noite ninguém mais viu o seu filho exceto D. Egas Moniz e seu fiel escudeiro.

Durante a noite cortaram-lhe o cabelo curto, como usava o infante, deram-lhe banho, vestiram-lhe as suas roupas e colocaram-lhe alguns dos adereços que o infante usava e lhe tinham sido oferecidos por seu pai, D. Henrique, como o colar achado na liteira.

Explicam-lhe, para o acalmar, que iria viver num palácio e que até poderia vir a ser Rei. E que o pai o tinha vendido. A criança chorou toda a noite mas deram- lhe muita comida boa e guloseimas e ele acabou por se acalmar.

No dia seguinte pela madrugada, antes do sol nascer, Egas Moniz e seu fiel escudeiro dirigiram-se às termas a sós e apenas acompanhados do filho do pastor.

Quando os escudeiros se preparavam para os acordar já eles voltavam das Termas. E Egas Moniz diz-lhes:

- Companheiros: olhai o Milagre! – e apontava para o filho do pastor, uma criança perfeitamente saudável que caminhava com desenvoltura.

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- Correi, Infante... e saltai!

E o filho do pastor corria e saltava perante o espanto geral. Os cavaleiros ajoelharam.

- Vede o Grande Milagre de Nossa Senhora! – continuou Egas Moniz. Fizemos tudo o que ela mandou. E ela recompensou-nos com a Cura do infante! Rezemos agora todos, irmãos, agradecendo a Nossa Senhora esta Grande Ventura....

Epílogo

E foi a partir desse dia que Portugal perdeu um infante deficiente e ganhou um enérgico Rei. Um Rei que em breve iria desafiar a sua “própria mãe” na batalha de S. Mamede.

Mas notai que afinal... D. Teresa não era, realmente, sua Mãe. O que explica essa e muitas outras batalhas em que este menino pastor guerreiro participou e venceu. Um pastor que, por um golpe de sorte, iria no futuro criar o seu próprio país. E o seu próprio reino: o Reino de Portugal!

FIM
João Tilly 6/2020

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