A D. Pedro (da História de Pedro e Inês) sucede D. Fernando, o formoso. Que reinou de 1397 a 1383. Portanto, durante 16 anos.
Foi um curto e triste reinado.
Foi a propósito deste Rei que Camões escreveu nos Lusíadas: "O fraco Rei faz fraco a forte gente".
O país estava profundamente dividido entre grandes e pequenos, como sempre. Entre partidários da Aliança Inglesa e da aliança Francesa. E era preciso apaziguar os fidalgos, os mercadores, os misteirais (homens de mister, de oficio, não lavradores).
E o Rei não tinha nem a força nem o carisma indispensáveis para conseguir dominar essas forças sociais opostas.
Para além disso, ele cometeu 3 graves erros que agravaram a tensão política do seu tempo.
O primeiro erro foi envolver-se em 3 guerras com Castela. Foram três guerras perdidas. Das quais os portugueses nunca ouviram falar. E nas quais o Rei se portou sem valentia e sem inteligência.
O segundo erro foi o seu casamento com D Leonor de Telles de Menezes. A 3ª Leonor.
Porque o rei tinha já por duas vezes contratado os seus casamentos. Na primeira vez com uma D. Leonor que era filha do Rei de Castela. Na segunda vez, com outra D Leonor, que era filha do Rei de Aragão. Este casamento custou um dote elevadíssimo. E o dinheiro chegou a ser entregue.
Mas entretanto o Rei conheceu uma terceira D. Leonor. Que era uma grande fidalga portuguesa mas que já estava casada com um fidaldo da Beira, o João Lourenço da Cunha.
O rei conheceu-a, apaixonou-se e resolveu casar com ela.
O povo não concordava com este casamento porque considerava que não era digno de um Rei o casamento com uma mulher já casada.
Mas por detrás desse pretexto havia uma razão mais forte.
Desde sempre existiu em Portugal um forte pressão entre as classes populares e a Alta Nobreza.
E D. Leonor de Telles de Menezes pertencia realmente à Alta Nobreza.
O conflito que se desenvolve a pretexto deste casamento revela toda a força dramática desse conflito a que Fernão Lopes chamou o "grande desvairo entre El-Rei e o povo".
A história é esta: quando em Lisboa se constou que o Rei ia casar com esta fidalga, estalou uma revolta que trouxe 4 mil misteirais armados à rua em protesto.
O Rei finge que está disposto a ouvir as queixas do povo e manda-lhes dizer que no dia seguinte à tarde se concentrassem no adro da igreja de S. Domingues, porque o Rei iria lá ouvir o que eles tinham para lhes dizer.
À hora marcada, o adro de S. Domingues era um mar de gente. Todos queriam ouvir como é que o rei explicava aquela situação.
A tarde já estava a chegar ao fim quando se soube da odiada notícia. O rei tinha enganado o povo.
Ao raiar da madrugada, ele tinha saído por uma porta escondida do Paço Real com D. Leonor de Telles. E, àquela hora, ia já longe de Lisboa a caminho do norte do País.
O alfaiate Fernão Vasques, que tinha sido incumbido de expor as razões populares, não pode fazer o seu discurso. Vieram soldados reais, prenderam-no e cortaram-lhe a cabeça.
Mas não foi só a Fernão Vasques. Documentos falam de todos os cabecinhas do motim que, por essa razão, foram "justiçados". A Justiça que se fazia em caso de revolta contra o Rei era a ponta da corda para os plebeus e o gume do machado para os fidalgos.
O 3º erro foi a publicação da Lei das Sesmarias. Segundo Fernão Lopes em 1375.
A nossa historiografia tradicional e romântica viu nessa lei uma providência de protecção e ajuda à agricultura.
Mas de facto não foi nada disso.
A lei refere-se concretamente às terras que forem destinadas a "dar pão" (trigo) e proíbe que essas terras sejam utilizadas para qualquer outro tipo de lavoura. O lavrador é obrigado a entregar ao Senhor (dono das terras) uma fracção do "pão que Deus der".
Em algumas terras pagava-se um terço, na Quarteira, por exemplo, pagava-se "um quarto" e o nome "quinta" vem das terras onde o lavrador pagava "uma quinta parte" do pão que Deus desse.
Naturalmente, se o lavrador não cultivasse trigo ou cereais - mas apenas vinho e oliveiras - Deus não dava pão nenhum. E do vinho e do azeite o lavrador nada tinha que pagar.
É, portanto, para corrigir essa situação em benefício da nobreza - mas em prejuízo dos lavradores - que D. Fernando publica a Lei das Sesmarias.
Ora, acontecia que se o lavrador praticasse uma lavoura de altos lucros, como o vinho e o azeite, ele podia pagar bons salários. Se, pelo contrário, praticasse uma agricultura pobre, como era a do trigo, só poderia pagar salários baixos.
Por isso, a segunda parte da Lei das Sesmarias é constituída de medidas de trabalho obrigatório.
Os trabalhadores passam a não poder abandonar os campos. Os filhos dos cavadores têm que continuar a ser cavadores. É proibido o êxodo para as cidades porque é necessário garantir mão de obra para a lavoura do cereal.
Mais do que isso: o trabalhador - o chamado "ganha dinheiro" - nem sequer pode fixar livremente o preço do seu trabalho.
Porque são os grémios dos lavradores, os homens-bons das vilas, quem estabelece os preços pelos quais a gente dos campos tem que trabalhar.
Cai-se numa nova espécie de servidão.
Compreende-se perfeitamente que uma lei deste género tenha provocado uma forte reacção social por parte dos homens que trabalham a terra.
Esta contestação popular foi o pano de fundo para o que viria a seguir: a segunda guerra civil portuguesa e o início da segunda dinastia do (bastardo) Mestre de Avis.
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