10.29.2017

D. Pedro, o regente das 7 partidas

A propósito da estátua de D. Duarte em Viseu, ocorreu-me contar uma história. Não a sua - essa é bem conhecida - mas do seu irmão, o Infante D. Pedro, o Infante das 7 partidas, o regente que lhe sucedeu e que era um homem muito à frente do seu tempo. 
Mas muito inflexível. E talvez por isso acabou por ser morto pelo seu sobrinho, o rei Afonso V, filho do seu irmão, precisamente o D. Duarte, o eloquente. 
Esta história envolve Seia também. 

 Em 3 penadas, D Pedro tinha-se zangado com o sovina do Pai, o D. João I, e foi-se embora de Portugal em 1425. 
Foi para a Hungria lutar contra os turcos ao lado do imperador Segismundo. 
Depois disso esteve em Barcelona, em Veneza onde comprou o livro do Marco Pólo, das suas viagens fantásticas pela China e Mongólia, esteve em Pádua, em Ferrara e em Roma, onde foi recebido pelo Papa Martinho V. 
E depois foi para a Flandres, a capital dos negócios europeus. E em Bruges escreveu uma carta ao futuro Rei de Portugal, o seu irmão D. Duarte, explicando-lhe o que ele devia fazer quando chegasse ao trono. 

As reformas na administração, na Universidade... e, no fundo, aconselhava-o a abandonar Ceuta, que tinha sido o grande orgulho do Pai de ambos (D. João I) mas que D. Pedro considerava "um grande sumidoiro de gente, armas e dinheiro". 
Porque em Bruges - Europa desenvolvida - toda a gente fazia troça de Portugal (!) por manter, apenas por vaidade, tão péssimo negócio: Ceuta. 

Da Flandres, D. Pedro vai para Inglaterra, volta por Castela onde é recebido pelo Rei, e finalmente regressa a Portugal. 
O Infante tinha partido daqui um homem medieval e quando voltou era um homem moderno. Mas a sua inflexibilidade permanecia. 
Depois de regressar das "7 partidas", em 1428, D. Pedro pouco aparece na corte. Continua a ter más relações com o Rei seu Pai, a ponto de não comparecer no seu funeral. 

Sucede-lhe D. Duarte, o seu irmão mais velho, que reinaria apenas 5 anos. De 1433 até 1438. Morreu de peste ou de tristeza por ter deixado o irmão de ambos num cárcere em Tânger e nas Cortes de Leiria se ter decidido que D. Fernando não se resgataria em troca de Ceuta. 

D. Duarte morre mas tinha deixado testamento. Em caso de morte prematura, a rainha D. Leonor, sua esposa, seria a regente, sem interferência de mais ninguem, até seu filho - Afonso (V) atingir a maioridade de 14 anos. 
No testamento também pedia que se fizessem todos os esforços para libertar o seu irmão Fernando preso em Fez. Se não fosse possivel de outra forma, que se entregasse a cidade de Ceuta, tal como prometido. 

 Mas D. Pedro não aceita a regência da cunhada e durante 15 meses desenvolve-se uma luta entre eles até que D. Pedro acaba por conseguir empurrar D. Leonor para Toledo. E é aclamado pela população de Lisboa em 1439 como Regente de Portugal. 
Ao contrário do que preconizava, D. Pedro não entregou Ceuta nem salvou o irmão que acabaria por morrer em 1443 no cárcere. 


Esta regência devia durar 8 anos. 

Mas quando Afonso V fez 14 anos, este pediu-lhe para continuar a ajudar e D. Pedro continuou a ser o regente. 
Ao completar 16 - já por influências de outros fidalgos como o Duque de Bragança, irmão bastardo de D. Pedro, aconselham o Rei a retirar poderes ao regente. 

Em 1448 D. Afonso V inicia o seu reinado e o regente D. Pedro volta para os seus Paços de Coimbra (actual Universidade e Faculdade de Direito). 
Entretanto, essa facção afecta ao seu irmão duque de Bragança começa a acusar D. Pedro de várias coisas: de ter administrado mal o reino, de ter casado D. Afonso V com uma filha sua e até de ter mandado envenenar a mãe do Rei, a pobre Rainha D. Leonor em 1445, em Toledo. 

D Pedro negava mas as acusações eram cada vez mais fortes e havia ainda um episódio muito grave. Enquanto regente, D. Pedro tinha decidido invadir Castela. E para isso formou um exército que acabou por não ter recontros armados. Mas D. Pedro recolheu as armas e guardou-as no seu palácio, recusando-se a entregá-las ao Rei. Disse-lhe que lhe compraria outras ou que lhe daria o dinheiro para ele as comprar, mas aquelas armas não lhas devolveria. 
Isto era ofensa bastante para fazer eclodir uma guerra entre o sobrinho Rei e o tio ex-regente. 

Mas o drama final nem sequer foi desencadeado por este episódio. Foi por outro. 
O Rei manda pedir ao duque de Bragança para se juntar a si em Santarém. Provavelmente para, juntos, porem o ex-regente na ordem. Ele assim faz, mas quando chega a alturas de Coimbra, D. Pedro atravessa-se na Serra da Lousã e não o deixa passar. Informado o Rei, este ordena a D. Pedro que deixe passar o seu irmão mas D. Pedro não aceita. As Terras eram suas. E ele não passaria por elas. 

O Duque de Bragança teve que voltar atrás e subiu a Serra da Estrela por Seia, desce pela Covilhã e chega a Santarém onde faz queixa ao Rei. 
Este manda reunir o Conselho Real e a conclusão é clara. Quem desafia o Rei tem que escolher entre a morte, a prisão ou o exílio. 

Acontece que a esposa do rei, que era filha de D. Pedro, soube disso e mandou avisar o pai. 
E D. Pedro terá escolhido a morte. 

Manda juntar todas as suas tropas: 1.000 homens da infantaria com mais 5.000 cavalaria e artilharia e marcha sobre Lisboa. Mas antes de sair vai visitar a Sé Velha, a Igreja de Sta Cruz e o Mosteiro de Sta Clara. 

Põe a coluna em movimento e vem acampar na Ega. Depois vai até à Batalha onde reza no seu próprio túmulo que já estava construído e tinha sido preparado pelo seu Pai. Depois segue para Rio Maior e aí esteve 3 dias à espera das tropas reais. Que nunca apareceram. 
Continuaria por Alcoentre, Castanheira, Alverca. E dispõe o acampamento junto de uma ribeira - a de Alfarrobeira. No dia seguinte chegaria ao Lumiar e depois ao coração de Lisboa. 

Mas afinal nunca sairia da Alfarrobeira com Vida. 
É nessa altura que o exército Real o cerca. O Rei pretende evitar um combate. Envia os seus trombeteiros e pede ao D. Pedro que recue. Mas os exércitos começaram a atirar pedras mutuamente, depois setas e, por fim, D. Pedro manda disparar a artilharia. 

E uma pedra de canhão acaba por cair muito perto do local onde se encontrava a tenda do Rei seu sobrinho, Afonso V. O que foi considerado uma tentativa de Regicídio. 

Todo o exército Real cai sobre o acampamento de D. Pedro cujo coração é atravessado por uma seta. Ali ficou abandonado toda a noite. É levado depois para o Mosteiro da Batalha, para o seu túmulo - onde tinha rezado poucos dias antes. 

D. Pedro foi um homem muito inteligente mas inflexível. 
Que teve a morte às mãos do seu sobrinho. 
 A morte que ele próprio procurou.

10.09.2017

Pe António Vieira: o defensor dos Direitos Humanos dos Índios do Brasil

Na vida das Nações há altos e baixos. Há tempos luminosos, tempos gloriosos... e há tempos sombrios.

Em Portugal, o séc XVI foi um tempo glorioso.
Mas o sécXVII foi realmente um tempo bastante sombrio.
O primeiro terço é passado sob o domínio Filipino. O segundo terço é preenchido por uma guerra cruel que nos tirou tudo. Um período de miséria. Só no fim é que se acende uma luz: aparece o ouro do Brasil. Mas também foi uma quimera que pouco durou.

No séc XVII não há, em Portugal, grandes escritores, grandes pensadores, grandes pintores, grandes escultores, grandes artistas, grandes políticos.
Na Europa, pelo contrário, é uma pleiade extraordinária de gente a pensar novo.
Podemos dizer que a civilização moderna é pensada no séc XVII.
Mas em Portugal nada. Ou quase nada.
A principal excepção é o Pe. António Vieira.


Ele nasce numa casinha pobre na rua dos Cónegos, perto da Sé de Lisboa em 1608 e morre no Brasil, na Bahia, em 1697. Portanto ele acompanha todo o séc XVII.

Acompanha os inícios difíceis da guerra com a Holanda, depois o domínio Filipino, depois o momento glorioso da Restauração, e acaba por tornar-se o principal conselheiro do Rei Restaurador (D João IV).

É ele quem luta por essa Europa fora para que Portugal possa triunfar.
Mas a sua grande Obra Humana é a vida inteira consagrada à Liberdade dos Índios.
 - "Os Índios são Homens como nós. Os índios têm direito a viver a sua vida em Liberdade!"
É uma batalha enorme e infatigável que o Pe. António Vieira trava durante toda a sua vida para que isso seja reconhecido e para que os Índios no Brasil viessem a ter uma Condição Humana, uma Condição Cívica igual à dos brancos.

Vieira nasce numa casa pobre, a mãe era mulata, de origem africana, o pai trabalhava na Companhia de Jesus, que lhe deu emprego, quando o filho tinha apenas 5 anos, no Brasil, na Bahia.
Por isso ele vai com o seu pai para a Bahia, onde se matricula no Colégio da Companhia, um Colégio daqueles em que as crianças recebiam uma educação primorosa.
O menino revela-se logo um aluno genial. Veja-se este episódio:

Cada colégio enviava para Roma obrigatoriamente o relatório de tudo o que fazia em cada ano. Como era anual o relatório chamava-se Anua e tinha que ser escrito em Latim.
Era preciso que o padre que o escrevesse o fizesse correctamente.
Aos 18 anos apenas, este noviço foi escolhido para escrever o relatório daquele ano.

Logo a seguir é nomeado Professor de Retórica no Colégio de Olinda (cidade Brasileira do Pernambuco) e começa ai a sua extraordinária carreira de orador.
Porque quando aquele rapazinho amulatado começava a falar... era um assombro! As palavras fluíam-lhe da boca e iam directas à consciência e à alma de quem o ouvia.
Era uma sensação absolutamente inexplicável e uma experiência única ouvir o Pe. Vieira!

Essa notável capacidade confere-lhe imenso prestígio. Ele é ordenado sacerdote, recebe grandes missões dentro da Ordem de Jesus, de tal forma que até Fernando Pessoa o denominaria "o Imperador da Língua Portuguesa".

De facto, nunca ninguém manejara tão genialmente a palavra falada como o Pe. Vieira.
Os seus livros, escritos no sec XVII, ainda hoje nos emocionam.
Mas os grandes tempos começam para Vieira depois de 1640.

Chega à Bahia um navio vindo de Lisboa que traz uma notícia extraordinária: tinha havido uma revolução em Lisboa, o Rei era outra vez Português. Era o Duque de Bragança que tinha sido aclamado Rei. O Sr. D. João IV.
E isso emociona toda a colónia.

O Vice-Rei, que era o Marquês de Montalvão, aderiu imediatamente à revolução, como aderiram os governadores dos Açores, da Madeira, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Índia, China.
Todo o complexo das Nações de Língua Portuguesa adere em bloco e o Vice-Rei manda a Lisboa uma delegação de pessoas distintas para transmitirem ao Rei o seu apoio, que pode contar com o Brasil porque o Brasil o reconhece como o legítimo Rei de Portugal.
Nessa delegação inclui-se um sacerdote da Companhia de Jesus: o Pe. António Vieira. Aquele que dava garantias de "falar melhor" ao Rei.

A viagem é tormentosa - todas as viagens que Vieira faz do Brasil para Portugal acabam em desastres! - o navio foi apresado por piratas, saqueado e quase naufragado.
Por fim, por erro, foi parar a Peniche.
Em Peniche, o povo vem a saber que vêm ali uns Senhores do Brasil e com eles o filho do Vice-Rei. Acontece que o vice rei tinha mais 2 filhos que se tinham passado para o lado de Castela, não aderindo à Restauração. Por isso, o povo julgava que este terceiro filho também seria "traidor à Pátria" e estavam ali todos juntos para o atacar e até para o lincharem.
O Pe. Vieira tem essa primeira missão de explicar àquele povo furioso e indignado, que aquele filho do Vice-Rei era um bom português. E que vinha para lutar por Portugal. E assim lhe salvou a vida.

De Peniche, Vieira vem imediatamente para Lisboa - nessa altura era já um sacerdote famoso pela sua oratória - tinha 39 anos e tinha saído de Portugal há 33, portanto a sua formação é inteiramente feita no Brasil.
E é recebido pelo Rei. D. João IV deixa-se fascinar completamente por aquele sacerdote que tem uma linguagem diferente; que empolga, que deslumbra. E passa a confiar inteiramente nele.
Esse homem vem dizer coisas que para todos são evidentes... mas que nunca ninguém tinha dito. Muito menos daquela forma.
E vem dizer que a Portugal não basta a Independência. Era preciso ganhar a guerra.
Porque a Espanha ia declarar-nos uma guerra. Tal como veio a acontecer.
E uma guerra contra a Espanha não seria brincadeira nenhuma. Espanha era uma poderosa potência militar!

Como é que Portugal iria arranjar dinheiro para entrar numa guerra dessas?
Ele, Vieira, expôs a sua solução: 
Dinheiro há muito. Mas está nas mãos dos judeus, dos cristãos-novos que foram expulsos de Portugal e que estão na Holanda, em Inglaterra, na Itália, em França... e lá têm grandes empresas, grandes companhias, grandes fortunas.
Era preciso atrair essa gente toda de novo para Portugal. Para isso seria preciso acabar com essa odiosa distinção entre cristãos-velhos e cristãos-novos porque, afinal, todos acreditavam(?) em Cristo (o que não era bem verdade mas era politicamente correcto).
Era preciso acabar também com a crueldade da Inquisição, que cometia todo o tipo de crueldades, desacreditando Portugal por toda a Europa.
Em suma: era preciso juntar todos os portugueses no grande esforço pela Liberdade e pela Vitoria Nacional.

O Rei ouve atentamente e compreende que tudo isso é evidente. O dinheiro estava todo lá fora, realmente. Era preciso fazer o que Vieira propunha. E o Rei entrega-se de alma e coração àquele missionário.
Durante anos, D. João IV faz apenas aquilo que o Padre lhe aconselha.
Por exemplo: Vieira defende que a guerra só pode ser defensiva. Portugal não pode atacar ninguém. Porque se atacar, perde. Portugal deve apenas defender-se. E, se se defender, tem sempre mais condições de vitória. Foi o que aconteceu. O Rei seguiu-lhe o conselho. E se o não tem seguido, Portugal teria perdido a guerra.

Por outro lado, é fundamental o apoio das Nações estrangeiras. Da Inglaterra, da França, da Itália. E também da Igreja. E aí surge a Grande Ideia de Vieira. Uma ideia que ainda hoje muitos não lhe compreendem a genialidade e a possibilidade efectiva de a pôr em prática.
A ideia do Quinto Império.

A ideia do Quinto Império é a seguinte:
Aprendia-se na Escola que já tinham existido 4 impérios:
1º, o Assírio, 2º, o Persa, 3º, o Grego e 4º, o Romano. O 5º iria ser o Império Português.
A ideia era estabelecer, em primeiro lugar, uma aliança entre a coroa de Portugal e a de Espanha. Espanha tinha um grande império que abrangia grande parte da América. Portugal tinha outro império que abrangia a parte sul da América e também grande parte da Àfrica e da Àsia.
A esta Aliança adeririam depois os Cristãos-Novos de todo o mundo. Com os seus capitais e ideias. E a Igreja daria a sua Bênção a este Império que realmente seria viável e poderia ter-se constituído, transformando Portugal e Espanha num Império Universal.

Simplesmente isto era pensar muito grande, para a época. Foi considerado por todos os que o ouviam como muito atrevimento.
Então vinha um padre do Brasil pregar uma aliança com os Judeus? Os que tinham matado Jesus Cristo? Não podia ser!
Ainda por cima Vieira questionava a Inquisição. Considerava-a uma brutalidade e uma crueldade. Ora... nos meios mais conservadores e no seio da Igreja Inquisitória começa a formar-se uma oposição cada vez mais forte às ideias revolucionárias do Pe. António Vieira. E a ele próprio.

Entretanto, como Vieira desempenha funções diplomáticas, ele vai a Inglaterra, à França, à Holanda, a Itália... e em toda a parte sustenta as suas ideias (nem sempre com êxito, diga-se).
A hostilidade cresce e o resultado é que, depois de alguns anos em Portugal, o orador é forçado a regressar ao Brasil ao seu trabalho de missionário.

Acontece que, no Brasil, os colonos usam de grande crueldade para com os nativos, os índios. Tratam-nos selvaticamente. Castigam-nos de forma bárbara. Reduzem-nos à escravatura e até chegam a matar aqueles que não querem obedecer aos seus caprichos.

Vieira esforça-se por acabar com essa situação. "Os Índios são tão filhos de Deus como nós".
Mas os colonos não concordam. Dizem que os Índios não são Homens, são objectos, são bestas, são pedras, são rudes animais.

E Vieira responde-lhes: - Rudes animais ? Pedras? Pois levai um estatuário por essas montanhas. Pegai numa pedra tosca, bruta, rude, informe. Depois ele que desbaste o mais grosso, alise-lhe a testa. Ondeie-lhe os cabelos, rasgue-lhe os olhos, assinale-lhe o nariz, acabe por transformá-la numa figura Humana que se pode pôr até num Altar a quem os Cristãos rezam!
Se de uma pedra se pode fazer um Santo o que não se fará com um índio rude do Brasil?

E ele leva-os para os Colégios, ensina-lhes o português, ensina-lhes maneiras de vestir, ensina-lhes práticas civilizadas, europeias, acaba por fazer de milhares de índios "criaturas como nós".

Mas é claro que esses índios vão deixar de trabalhar como escravos.
Quem é que vai agora trabalhar nos engenhos do açúcar? Nas minas? Nas roças, nos cafézais, nas florestas a cortar o pau do Brasil?
Quem vai carregar a lenha e as alfaiais?
Claro que os colonos não concordaram com esta perda de mão de obra.
E expulsam o Pe. Vieira do Brasil. No processo, Vieira chega a correr riscos de vida.

Vieira compreende que não pode vencer esta guerra sem a ajuda do Rei e volta a embarcar para Lisboa para pedir ao Rei uma Lei que reforce a sua posição.
Mais outra viagem tormentosa, outro naufrágio, outra vez à beira da morte, outro ataque de piratas... parece que todas as viagens de Vieira têm esse fim. O que mostra até que ponto já no séc XVII era perigoso viajar para o Brasil.
Os mares estavam cheios de piratas holandeses, inimigos de Portugal que saqueavam os nossos navios. E ele, mais uma vez, passa por essa tragédia.

Mas lá chega a Lisboa e é recebido pelo Rei. D. João IV, que é um velho amigo, e manda fazer a Lei que proíbe a escravatura dos Índios do Brasil - que eram caçados na floresta como se fossem animais! - e entrega a direcção da política indígena do Brasil à Companhia de Jesus.
Era tudo o que Vieira pretendia.

Mas com isso não cessou a oposição dos colonos europeus.
Que precisavam, como já vimos, do trabalho escravo dos índios.
A pergunta sacramental é sempre a mesma: Se não forem os índios quem é que há-de trabalhar?
Os colonos acabam por expulsar os jesuítas do Maranhão e do Pará. São expulsos, embarcados à força e enviados para Portugal.

Vieira chega a Lisboa e é bem recebido pelo Rei. Consegue, uma vez mais, convencê-lo da Justiça da sua política de Humanidade profunda que consiste em transformar aqueles rudes "animais" em criaturas Cristãs e encarrega Vieira de novas missões diplomáticas em Itália.

É aqui que Vieira aprende a falar o Italiano - que o fará deslumbrar nas Igrejas de Itália como tinha feito em Portugal - é aqui que ele vem a conhecer a rainha Cristina da Suécia.
Uma Rainha que tinha abdicado do trono e que tinha decidido ir viver para Itália, para um faustoso palácio onde recebia as figuras mais importantes da Europa, como o Descartes.
Vieira é incluído nesse grupo de Intelectuais. E, claro, deslumbra ao pregar em italiano.
A rainha, deslumbrada, quer fazer dele pregador do seu palácio. Ele não aceita.
Quer fazer dele seu confessor privado. Ele não aceita.
A tudo responde que há UM SÓ Senhor a quem serve. Depois de Deus, é ao Rei de Portugal.

Vieira volta a Portugal, mas a oposição às suas ideias tornou-se entretanto tão grande que agora é a própria Companhia de Jesus quem o persegue. Por ter sido expulsa do Brasil graças às suas ideias.
A Inquisição levanta-lhe também um processo baseado nas críticas públicas que Vieira lhe fazia.
E expulsa-o para o Porto. Do Porto mandam-no para Coimbra.
Aqui, populares chegaram a fazer uma fogueira, queimando um espantalho de palha com a sua cara em frente à Universidade.
Parecia o fim de Vieira que consegue escapar apenas porque tinha conseguido obter em Itália, quando lá morou, um "Breve" Pontifício, um documento que era um autêntico salvo conduto para Vieira, na medida em que que proibia qualquer Entidade religiosa de ter autoridade ou disciplina sobre Vieira, excepto o Papa. Só o Papa podia decidir sobre aquele homem. Foi o que lhe salvou a vida.

Regressa ao Brasil, ao seu trabalho de missionário, mas está já velho, sem forças, cansado e alquebrado.
No entanto, ainda continua a ditar os textos dos seus sermões para esses 16 volumes que ainda hoje emocionam quem os lê.
São textos que se lêem rapidamente. textos corajosos, atrevidos, em que ele chega a desafiar Deus:
"- Levantai-vos! Por que dormis, Senhor? Por que não vindes ajudar este povo que sempre vos tem sido tão fiel? Levantai-vos! Não nos abandoneis! Então que justiça é essa de ajudar os nossos inimigos que foram sempre inimigos da Fé e de abandonar os Portugueses que sempre foram tão fiéis?"

Quando morre é já admirado por toda a agente. Foi uma Obra de missionário, de diplomata, de politico, de escritor. Mas sobretudo foi uma Obra de Herói dos Direitos Humanos.

Num período em que esta expressão - Direitos Humanos - ainda não aparecera na linguagem política, o Pe. António Vieira consagrou a sua vida inteira à defesa dos Direitos Humanos dos Índios do Brasil.

10.07.2017

D. Fernando, os 3 erros, as 3 Leonores e a Lei das Sesmarias que impedia a fuga para as Cidades.


A D. Pedro (da História de Pedro e Inês) sucede D. Fernando, o formoso. Que reinou de 1397 a 1383. Portanto, durante 16 anos.
Foi um curto e triste reinado. 
Foi a propósito deste Rei que Camões escreveu nos Lusíadas: "O fraco Rei faz fraco a forte gente".


O país estava profundamente dividido entre grandes e pequenos, como sempre. Entre partidários da Aliança Inglesa e da aliança Francesa. E era preciso apaziguar os fidalgos, os mercadores, os misteirais (homens de mister, de oficio, não lavradores).


E o Rei não tinha nem a força nem o carisma indispensáveis para conseguir dominar essas forças sociais opostas. 
Para além disso, ele cometeu 3 graves erros que agravaram a tensão política do seu tempo.



O primeiro erro foi envolver-se em 3 guerras com Castela. Foram três guerras perdidas. Das quais os portugueses nunca ouviram falar. E nas quais o Rei se portou sem valentia e sem inteligência.



O segundo erro foi o seu casamento com D Leonor de Telles de Menezes. A 3ª Leonor.
Porque o rei tinha já por duas vezes contratado os seus casamentos. Na primeira vez com uma D. Leonor que era filha do Rei de Castela. Na segunda vez, com outra D Leonor, que era filha do Rei de Aragão. Este casamento custou um dote elevadíssimo. E o dinheiro chegou a ser entregue. 
Mas entretanto o Rei conheceu uma terceira D. Leonor. Que era uma grande fidalga portuguesa mas que já estava casada com  um fidaldo da Beira, o João Lourenço da Cunha. 
O rei conheceu-a, apaixonou-se e resolveu casar com ela.


O povo não concordava com este casamento porque considerava que não era digno de um Rei o casamento com uma mulher já casada.
Mas por detrás desse pretexto havia uma razão mais forte.


Desde sempre existiu em Portugal um forte pressão entre as classes populares e a Alta Nobreza.


E D. Leonor de Telles de Menezes pertencia realmente à Alta Nobreza. 
O conflito que se desenvolve a pretexto deste casamento revela toda a força dramática desse conflito a que Fernão Lopes chamou o "grande desvairo entre El-Rei e o povo".


A história é esta: quando em Lisboa se constou que o Rei ia casar com esta fidalga, estalou uma revolta que trouxe 4 mil misteirais armados à rua em protesto.
O Rei finge que está disposto a ouvir as queixas do povo e manda-lhes dizer que no dia seguinte à tarde se concentrassem no adro da igreja de S. Domingues, porque o Rei iria lá ouvir o que eles tinham para lhes dizer.


À hora marcada, o adro de S. Domingues era um mar de gente. Todos queriam ouvir como é que o rei explicava aquela situação. 
A tarde já estava a chegar ao fim quando se soube da odiada notícia. O rei tinha enganado o povo. 

Ao raiar da madrugada, ele tinha saído por uma porta escondida do Paço Real com D. Leonor de Telles. E, àquela hora, ia já longe de Lisboa a caminho do norte do País.

O alfaiate Fernão Vasques, que tinha sido incumbido de expor as razões populares, não pode fazer o seu discurso. Vieram soldados reais, prenderam-no e cortaram-lhe a cabeça.
Mas não foi só a Fernão Vasques. Documentos falam de todos os cabecinhas do motim que, por essa razão, foram "justiçados". A Justiça que se fazia em caso de revolta contra o Rei era a ponta da corda para os plebeus e o gume do machado para os fidalgos.


O 3º erro foi a publicação da Lei das Sesmarias. Segundo Fernão Lopes em 1375.


A nossa historiografia tradicional e romântica viu nessa lei uma providência de protecção e ajuda  à agricultura. 
Mas de facto não foi nada disso. 



A lei refere-se concretamente às terras que forem destinadas a "dar pão" (trigo) e proíbe que essas terras sejam utilizadas para qualquer outro tipo de lavoura. O lavrador é obrigado a entregar ao Senhor (dono das terras) uma fracção do "pão que Deus der".


Em algumas terras pagava-se um terço, na Quarteira, por exemplo, pagava-se "um quarto" e o nome "quinta" vem das terras onde o lavrador pagava "uma quinta parte" do pão que Deus desse. 


Naturalmente, se o lavrador não cultivasse trigo ou cereais - mas apenas vinho e oliveiras - Deus não dava pão nenhum. E do vinho e do azeite o lavrador nada tinha que pagar. 
É, portanto, para corrigir essa situação em benefício da nobreza - mas em prejuízo dos lavradores - que D. Fernando publica a Lei das Sesmarias. 



Ora, acontecia que se o lavrador praticasse uma lavoura de altos lucros, como o vinho e o azeite, ele podia pagar bons salários. Se, pelo contrário, praticasse uma agricultura pobre, como era a do trigo, só poderia pagar salários baixos. 
Por isso, a segunda parte da Lei das Sesmarias é constituída de medidas de trabalho obrigatório.



Os trabalhadores passam a não poder abandonar os campos. Os filhos dos cavadores têm que continuar a ser cavadores. É proibido o êxodo para as cidades porque é necessário garantir mão de obra para a lavoura do cereal. 

Mais do que isso: o trabalhador - o chamado "ganha dinheiro" - nem sequer pode fixar livremente o preço do seu trabalho. 
Porque são os grémios dos lavradores, os homens-bons das vilas, quem estabelece os preços pelos quais a gente dos campos tem que trabalhar. 
Cai-se numa nova espécie de servidão. 
Compreende-se perfeitamente que uma lei deste género tenha provocado uma forte reacção social por parte dos homens que trabalham a terra.

Esta contestação popular foi o pano de fundo para o que viria a seguir: a segunda guerra civil portuguesa e o início da segunda dinastia do (bastardo) Mestre de Avis.







10.04.2017

Trindade Coelho, o paladino a luta contra o obscurantismo

Como é que se pode viver sem se dizer a verdade? 
"Não pode haver boa justiça num país de analfabetos". 

Trindade Coelho tentou EDUCAR, a suas expensas, o povo português... mas acabou suicidando-se! 

Trindade Coelho (1861-1908), Procurador Régio - o equivalente a Procurador Geral da República - é o primeiro mártir da sua crença de que seria possível instruir e politizar o povo português. 
Nessa tentativa e Missão produziu e pagou do seu bolso cartilhas que distribuiu pelas escolas, na senda de João de Deus. Mas de nada lhe (nem a nós) serviu. 


Trindade Coelho começou a sua carreira como delegado do Procurador no Sabugal. Em pouco tempo pôs o caos processual da comarca em ordem. Por isso foi promovido para Portalegre onde livrou um condenado da pena perpétua, porque estava claramente inocente. 

Em todo o alto Alentejo se instalou a fama do Delegado de Portalegre. O Justiceiro dos pobres. 

Em consequência disso, o Ministro da Justiça nomeia-o para uma comarca maior. Uma comarca com comboio: Ovar. Ficou surpreso, mas logo as dúvidas se lhe dissiparam com o que o ministro lhe propôs, na semana seguinte: ser deputado. 

- Ó sr ministro: desculpe mas eu isso não aceito! Ser político é uma porcaria. Eu não quero ser político! 
- Ó Homem: mas olhe que por esta via de deputado você sobe já a juiz - o mais jovem juiz de Portugal! - e por este caminho chega ao Supremo! - disse-lhe o ministro. 
- Chegue onde chegar. Eu não quero ser político! A política repugna-me. Eu quero ser magistrado! Eu estou ao serviço da Justiça. Não da política. E é preciso escolher: ou justiça ou política. Os dois proveitos não cabem no mesmo saco. Eu sou pela Justiça e não sou pela política! 

O ministro, admiradíssimo com a sua convicção e verticalidade, nomeia-o para Lisboa como delegado do Procurador Régio - o equivalente a procurador Geral da República. Durante 17 anos, desde 1890 até 1907, Trindade Coelho será delegado do Procurador Régio, e acredita que isso lhe vai dar a possibilidade de emendar os erros e atrasos da justiça portuguesa. 

Durante esses anos, ele dedica-se, com toda a sua alma, a corrigir o Direito. Publica os "Recursos Finais do Direito Penal", as "Anotações ao Código Penal", o "Regulamento do Ministério Público" e foi um dos fundadores da "Revista de Direito e Jurisprudência". Ele tenta criar o Novo Direito Português. Especialmente sobre direito processual penal. A preocupação de Trindade Coelho é a de que não se condenem mais inocentes. 

Mas o tempo passou e Coelho foi-se fartando de ver testemunhas a jurar mentira, ver condenados pobres que estavam inocentes, e ele acaba por perceber o essencial: 

"Não pode haver boa justiça num país de analfabetos. Este país não precisa de justiça. Antes, precisa é de Instrução". 

Daí a sua batalha seguinte pela reeducação Nacional. Imprime e publica folhetos para a Instrução popular ao serviço do povo. 
Publica e oferece cartilhas muito simples que levem o povo a cultivar-se. Dele veio a parábola dos 7 vimes: uma, qualquer criança parte. Mas quando se juntam 7 vimes, ninguém as consegue partir. Defendia uma Nação UNA contra os partidos. Porque os partidos são isso mesmo: os que "partem" a Nação! O seu partido era Portugal. 

Publicou "Os remédios contra a usura", a "Cartilha do Povo", "o ABC do povo", depois os "Elementos apara uma educação cívica", o "Pão Nosso - leituras para o povo". A "Enciclopédia para uso do povo", as "Leituras para a 1ª, 2ª, e 3ª classe". 

E tudo isto sem qualquer interesse económico. 
Pelo contrário: para publicar e oferecer estas publicações, acabou por ter que vender os poucos terrenos de herança que o seu laborioso Pai lhe tinha deixado. 
Ia trabalhando e empobrecendo alegremente. 

Até que, em 1906, publicou o seu "Manual Político do Cidadão Português". 
Nele explica o que são as pedras basilares da Organização do Estado: o que é o Rei, o poder judicial, o que é o governo, o que é o parlamento, o que são os partidos... 
Trata-se de um manual em que ele tenta consciencializar o povo português sobre o que "é" a realidade política. 

Simplesmente, Trindade Coelho era absolutamente incapaz de mentir. 
E quando chega ao último capítulo sobre os partidos políticos do seu tempo - os grandes partidos da monarquia: o partido Progressista, o partido Regenerador, o jovem partido Republicano do senense Afonso Costa - ele publica expressões extremamente cruéis sobre esses partidos. 
Para ele, os partidos são profundamente corruptos, dizem que querem coisas diferentes mas querem todos o mesmo. E por fim publica as opiniões de dois escritores franceses que defendem que a vida partidária em Portugal é uma autêntica vergonha. Recordo os leitores que estamos em 1906. Já lá vão 111 anos. 

Ora: um livro destes, publicado por um delegado do Procurador Régio não poderia ser do agradado do próprio Procurador, que de imediato o chamou à pedra e lhe disse que isso não podia ser. 
É preciso dizer-se que o Procurador Régio era António Cândido, um homem sério, honesto, íntegro e de grande carácter. Mas não podia deixar de chamar a atenção a Trindade Coelho pela sua veleidade. A Monarquia, embora decadente, ainda estava em vigor e havia coisas - tal como hoje parece ainda haver - que não podiam ser ditas publicamente. 

Trindade Coelho, impedido assim de publicar o que pensa, pede a demissão, no ano seguinte, em 1907, de delegado de Procurador Régio, a única profissão que tinha tido na sua vida. 
Viu-se assim privado de emprego, e por consequência de um vencimento. Não tinha outros rendimentos e chegou a não ter dinheiro para o pão. De maneira que até fome passou. 

Para além disso, Trindade Coelho era um homem muito dado a depressões. E isto de viver sem poder dizer a verdade não lhe era possível. O que conduziu ao trágico fim desta história. 

No verão de 1908, 2 anos antes da Instauração da República que amanhã se comemora, acabou por se suicidar com um tiro na cabeça. 
Assim acabou a grande batalha que travou, ao longo da sua vida, para salvar Portugal do analfabetismo, do obscurantismo, da estupidez e do caciquismo. 

Essa batalha não foi ele quem a ganhou. 
E ainda hoje não está ganha.

10.03.2017

A Raínha de Espanha que era Portuguesa

Sabem que existiu uma Raínha de Espanha que era PORTUGUESA e que foi também uma imperatriz europeia? 
E tudo envolvido numa extraordinária história de amor.... que começou com um casamento por dinheiro! 
Ora leiam: 


Antes do rei de Portugal que era espanhol - Filipe II e I de Portugal - Os espanhóis tiveram também uma regente (Rainha consorte) que era portuguesa - a sua própria Mãe. 


D Isabel de Portugal era filha de D. Manuel I e de D. Maria, a segunda mulher de D. Manuel. 
E viria a ser avó de D Sebastião. Seu pai, D Manuel, projectou-lhe o casamento com o Carlos V, imperador de Espanha e da Europa. Do Sacro Império Romano Germânico. O que ocorreu em 1526, já a infanta tinha 23 anos. 

Porque é que D Manuel terá tido a ideia de casar a filha com o imperador? 
A península Ibérica estava a atravessar um fortíssimo movimento para a unificação política. A península antiga, a do séc XII, estava dividida em vários reinos: Leão, Castela, Navarra, Aragão, Granada e Portugal, Eram 6 reinos. Desses 6 reinos, 5 deles já estavam unidos. Só faltava Portugal.

Como é que se podia defender a independência de Portugal? 
Em politica internacional há só 2 caminhos: um é a guerra e o outro é a Paz. 
E realmente o nosso Rei Afonso V tentou o caminho da guerra. Fez a guerra e perdeu-a. 
O filho de D. Afonso V, que é o D João II, já vai pelo caminho da Paz. Em vez de combates faz casamentos. 

Casa os príncipes portugueses com princesas espanholas. Porque isto cria um clima de aliança entre os 2 países. 

Portugal e Espanha têm que conviver no mesmo espaço. E já que assim é, melhor que convivam como amigos do que como inimigos. 
É por isso que D João II casa o seu filho único com uma princesa espanhola. Mas o príncipe morreu pouco depois numa queda de cavalo. Partiu o pescoço e morreu passadas umas horas. 

Sucede-lhe D. Manuel I, que vai casar com a viúva desse príncipe - que é a princesa D. Isabel de Castela, mas também teve pouca sorte. A princesa morre do primeiro parto. 

D Manuel não desiste. Repete a cartada e casa com a irmã da D. Isabel. Eram ambas filhas dos Reis católicos com quem D Afonso V tinha andado em Guerra. 
D. Manuel casa com a irmã, que é a D. Maria, e desse casamento teve 7 filhos. E depois da D Maria morrer, em 1517, ainda vem a casar com uma sobrinha sua (da D. Maria)!. Quer dizer: as 2 primeiras mulheres de D. Manuel eram filhas dos Reis Católicos e a terceira era neta dos Reis Católicos. 
Das 3 vezes tenta alianças com a Casa reinante em Espanha. 

Dos 7 filhos do rei D Manuel, o primeiro é D. João (III de Portugal). E o segundo é a Infanta D Isabel. O D. João III casou logo com uma princesa espanhola. Com a D. Catarina que era também uma neta dos Reis Católicos. 

Para a segunda filha o casamento ideal seria com o próprio Carlos V que iria ser Rei de Espanha além de Imperador da Alemanha, e isso teria para Portugal muito prestígio. Tratava-se do principal monarca da Europa. 

Carlos V tinha herdado 4 grandes heranças reais dos seus 4 avós: da avó rainha Isabel de Castela, herdou o Reino de Castela. Do avô Fernando de Aragão, o reino de Aragão. Do avô Maximiliano da Alemanha, a Coroa Imperial da Alemanha. E da avó Maria de Borgonha, a Flandres e todos os países Baixos. 
E isto realmente faz um Império europeu, embora não contínuo. São regiões isoladas. 
França, por exemplo, é central e não faz parte do império. 

Estas regiões isoladas obrigavam o Imperador a um grande trabalho. 
Carlos V estava em guerras constantes. E, para manter as guerras, precisava de dinheiro. 
E é exactamente isso o que o leva a optar pela D. Isabel portuguesa. 
Repare-se que ele podia casar com quem quisesse, qualquer princesa na Europa gostaria de casar com aquele grande Senhor. 

Um Casamento por dinheiro que se transforma na mais bela história de amor... 

Mas ele opta pela princesa portuguesa principalmente porque era a princesa que lhe ofereceu o maior dote. 
As negociações demoraram muitos anos e acabou por se estabelecer um dote de 900 mil dobras de ouro espanhol. Era uma quantia enorme! Diz o cronista Damião de Góis que "nunca uma princesa levou um dote tão grande". 

E Carlos V precisava imensamente de dinheiro para fazer a guerra. Foi portanto um casamento politico de interesse, apenas. Ele nem conhecia a noiva. 
Mas esse casamento acaba por se transformar numa linda história de amor. 

Casam em 1526.  Ela vai até Sevilha mas Carlos V atrasa-se e chega apenas 5 dias mais tarde. 
Mas logo que a viu se apaixonou. 
Ela era muito bonita, tinha um temperamento sereno, era afectuosa e sobretudo muito culta e inteligente.

Ele tencionava estar ali pouco tempo mas acontece que eles vão para Alhambra de Granada, onde passam 5 meses de lua de mel. 
Foi o único tempo que Carlos V concedeu a si próprio. 
Esteve 5 meses com a mulher em Granada e ela nunca mais se esqueceu disso. 
Foram os únicos 5 meses felizes da sua vida. D. Isabel, no seu testamento, escreveu que quando morresse queria que fosse enterrada em Granada, em lembrança do tempo que ali tinha passado. 

Mas esse tempo de amor não podia durar muito. Carlos V não era apenas Rei de Castela. Também era o Imperador da Alemanha. Uma Alemanha inquieta onde tinha acabado de surgir um Lutero, o protestantismo, as revoltas contra os senhores. Uma Alemanha que era um autêntico vulcão. 

Carlos V era também o Senhor dos Países Baixos, da Flandres. 
Era também Rei de Aragão e, como tal, o Rei de grandes possessões em Itália. Uma Itália também sempre inquieta. 
Por isso, depois desta lua de mel, Carlos V sai de Espanha e está 4 anos ausente. 

É impressionante a correspondência que ele troca com a Imperatriz. O sentimento entre eles foi muito forte. 
Com Carlos V longe de Espanha, é ela a regente de Espanha. A Raínha Consorte. 
Prudente, inteligente, equilibrada, durante anos é ela quem governa todos os negócios em Espanha. Dizia-se é como se Espanha tivesse dois Reis. 

O imperador, para além de ser muito poderoso é um homem superiormente inteligente e tem um projecto: unir toda a Europa. 
Uma Europa só com UM Chefe, UMA fé UMA política. 
O chefe é ele. A política é a da Paz, e a fé é a Católica. 

E Isso era mesmo necessário porque a Europa atravessava um grave perigo. 
Os turcos vindos do Oriente tinham atravessado já o mar Egeu, apoderaram-se da Grécia, ocuparam a Bulgária, chegavam já a cercar Viena. 
Era a Europa que ameaçava cair sob a invasão terrível dos Turcos. A Europa tinha que se unir para se defender e o campeão dessa unidade é Carlos V. 

Mas contra ele não havia só a ameaça turca. 
Havia também aquela terrível fermentação ideológica luterana vinda da Alemanha. Ele não conseguia ter a Alemanha unida. Nem sequer sob a mesma Fé. 

Havia também a França que não fazia parte deste bloco mas que queria manter a sua independência e a sua Unidade. E fez uma guerra terrível contra Carlos V. Este acabou por vencer e até por prender o Rei de França. Mas era preciso exércitos, soldados e dinheiro. 

Quem é que tinha mais dinheiro? Os ricos países da Flandres. 
Carlos V esmagou-os com impostos. E os flamengos revoltaram-se. 
E ele agora tem 4 inimigos contra si. Os flamengos revoltados, os turcos que o invadem, as cidades da Itália que se sobrelevam, e também a Alemanha protestante. 
Carlos V lida com guerras durante 40 anos. 





Entretanto, em 1536, a imperatriz morre na sequência de um parto. 
Ela foi tendo vários filhos que iam morrendo em crianças. E ela própria acaba por morrer em Toledo com apenas 36 anos. 

O imperador teve um desgosto profundo que o vai acompanhar toda a sua vida. 
Ele nunca mais viria a esquecer aquela mulher. Não voltou a casar, e com o tempo aquela imagem vai-se tornando mais dominante.  
Quatro anos depois dela morrer, ele chama um grande pintor - Ticiano - e pede-lhe que lhe pinte um retrato da imperatriz. Ticiano serve-se de outros retratos e faz-lhe uma imagem linda. A que apresentamos neste texto. 


Depois de 40 anos de luta, Carlos V percebe que o seu sonho não é possível. A Europa não pode ser unida E então, com 56 anos, em 1556 ele reúne em Bruxelas com as principais figuras do Império e abdica. Diz ele: "durante todos estes anos tentei, por todas as formas, fazer a paz na Europa. E construir uma grande Europa Unida. Não consegui". 

Abdicou da coroa de Espanha para o seu filho Filipe II. Que viria a ser o II de Portugal.

No ano seguinte abdicou a coroa imperial da Alemanha no irmão, Fernando. E retira-se. Para um convento pobre em Castela. 

Na frente do leito mandou colocar o retrato de Isabel de Portugal, pintado por Ticiano. E foi com os olhos postos na Princesa portuguesa que ele expirou em 1558. 

Amou-a na vida e na morte. 
Uma história bonita de uma grande portuguesa que ajudou a fazer a Paz na Península