A propósito da peça da TVI e da Ana Leal - sempre ela - sobre o matadouro em que se tornaram os hospitais públicos, devo dizer o seguinte:
1 - Antigamente os Hospitais públicos também eram matadouros. O meu Pai foi deixado morrer num deles - justamente os HUC - por recusa de assistência médica por parte de uma médica que foi condenada pelos seus pares e pelo tribunal de Coimbra, embora depois absolvida em recurso porque o relatório da IGAS prescreveu, como acontece em todos os casos. Portanto, nada disto é novo. Uma das últimas frases do meu Pai foi, justamente: "João: isto é um matadouro".
Corria o ano de 2004. Março, 23. Viria a morrer no dia seguinte, vítima do SNS e do matadouro em que justamente se converteram os HUC.
Foi há 11 anos. Não foi agora.
2 - Agora há realmente mais gente nos corredores em média. É verdade. Porque há mais idosos que se deixam chegar até às últimas, porque não têm dinheiro para se deslocarem até aos Hospitais de província e se tratarem a tempo. É certo.
3 - Neste momento também há menos cama
s nos Hospitais públicos. Algumas enfermarias estão vazias. Mas também é verdade que se deslocaram metade dos doentes para o privado. Vai-se a Coimbra e as ambulâncias que antigamente se dirigiam integralmente para os HUC agora dividem-se entre esse centro hospitalar e a SanFil. Antiga Clínica de Santa Filomena. São dezenas as ambulâncias estacionadas à sua porta a qualquer hora do dia. Depois, para as consultas externas, cada vez mais pessoas vão à IdealMed. É mais barata a consulta lá do que nos HUC(!) e o prazo de espera é muito menor.
4 - No entanto as clinicas privadas não têm urgências. Quer dizer: o pessoal que está nas últimas não vai fazer nada a uma privada. Tem que ir para o Hospital do estado na mesma.
5 - E O MAIS IMPORTANTE - Nos Hospitais do estado ou tens uma cunha ou estás feito. E isto nada tem a ver com política nem com o recente aumento dos acessos às urgências. Tem apenas a ver com o sistema de compadrio e amizades generalizado e instituído há décadas - provavelmente desde sempre - em que os amigos dos médicos e enfermeiros passam à frente de toda a gente. Não só nas urgências, como nas consultas de rotina. Tens lá um amigo, estás safo. Não tens, vais para a fila e pode nunca chegar a tua vez... a tempo de se fazer alguma coisa.
Este é que é o verdadeiro crime que se perpetra diariamente nos Hospitais estatais portugueses. E isso, meus Caros, sempre assim foi.
Se alguma vez tivesse imaginado o desfecho que o SNS daria ao meu Pai, eu ter-lhe-ia facilmente salvo a Vida. Era só fazer uma chamada para um médico amigo e ele estava safo.
Nunca me esquecerão as palavras de uma Amiga médica que, quando soube que o meu Pai tinha sido deixado morrer por incúria nos HUC me disse com o ar mais estranho do mundo:
- Ó João! Mas tu não sabias ter dito alguma coisa? Que o teu Pai estava aqui???
Ainda há bem pouco tempo um familiar meu, que tinha sido enviado para o Hospital da Guarda permanecia esquecido há horas nas Urgências, sem sequer ser visto - e com prognóstico de possível traumatismo craniano.
Passei-me dos carretos e fiz um telefonema a um amigo que de imediato mexeu os cordelinhos e apareceram logo 2 médicos à sua volta.
- "Temos que tratar já deste doente que parece que é o Presidente da República", desabafou uma médica! É tudo a telefonar....
O meu Obrigado a esse Amigo. Desta vez não foi nada, mas se fosse algo de grave poderia ter-lhe salvo a Vida.
E é assim que isto funciona. Tens amigos nos Hospitais ou na política? Sobrevives.
Não tens? Há-de ser o que calhar.
Tudo o que se disser para além disto é secundário.
O principal problema do SNS e do matadouro que realmente são as urgências Hospitalares é este.