O estado tem a obrigação de resolver soberanamente os litígios entre empresas e não remetê-las para essa gigantesca farsa que são os chamados tribunais arbitrais, que em muitos casos não passam de meros instrumentos para legitimar verdadeiros actos de corrupção.
...
Sendo este alto
tribunal, pelo menos hoje, a Casa da Justiça, ele é o local próprio para
em nome da Ordem a que presido e em representação dos Advogados
portugueses aqui exprimir as nossas preocupações sobre o estado de
direito, sobre a democracia, sobre a administração da justiça.
Este é, pois, o local próprio para denunciar;
o populismo da política do governo em matéria de justiça;
para denunciar a utilização por parte do executivo dos órgãos de informação para fanatizar as consciências dos cidadãos;
para denunciar o sistemático recurso à propaganda em vez de informação rigorosa sobre os assuntos de interesse colectivo;
para denunciar a alteração das leis essenciais ao funcionamento da justiça com a finalidade de conquistar popularidade fácil.
Este tribunal é o local adequado para denunciar a insensibilidade deste governo em relação aos problemas dos portugueses;
a insensibilidade de pessoas que chegaram ao poder prometendo nunca fazer aquilo que hoje fazem com calculismo e frieza;
de
pessoas que derrubaram o governo anterior por ele pretender aplicar
medidas de austeridade infinitamente mais leves do que as que o actual
governo agora aplica com gélida determinação e, até, com prazer
ideológico;
em
suma: de pessoas que tudo fizeram (incluindo a criação artificial de
uma crise política) para obrigar Portugal a pedir a intervenção da
TROIKA, pois, sempre souberam que só com essa intervenção poderiam
realizar a sua oculta agenda ideológica que passa pela aniquilação dos
direitos de quem vive só do seu trabalho, que passa pela destruição do
estado social, que passa por um ajuste de contas com os valores e
conquistas mais emblemáticos da revolução do 25 de Abril e pela
reinstauração de um modelo de organização económica que,
verdadeiramente, apenas triunfou nos primórdios do século XIX ou então
em algumas das piores ditaduras do século XX.
Este é, pois, o
local certo para, recuperando um ideia central do programa do presidente
americano Barak Obama, dizer ao governo português que a existência do
estado social não faz de Portugal uma nação de pessoas dependentes, mas
antes nos liberta a todos – repito: a todos - para melhor executarmos as
tarefas que farão este país trilhar as veredas do progresso e do
desenvolvimento e proporcionarão um futuro melhor para os nossos filhos.
E, sobretudo, para
advertir solenemente o governo de que não tente convencer-nos de que
temos de escolher entre apoiar os idosos ou os jovens; de que temos de
escolher entre apoiar aqueles que, durante décadas, com o seu trabalho,
com os seus impostos, taxas e contribuições, sustentaram este país ou os
cidadãos mais jovens a quem entregaremos o futuro de Portugal.
Todos temos direito aos benefícios do progresso e do desenvolvimento.
Nós, a população activa, temos uma dívida de gratidão para com os idosos deste país.
Foram eles, os que
hoje estão reformados e aposentados, que pagaram as escolas onde
estudámos gratuitamente, os hospitais onde nos tratámos sem taxas
moderadoras; foram eles que pagaram as maternidades onde nasceram sem
qualquer custo para as famílias alguns dos que agora os consideram
apenas como um custo económico que é preciso reduzir ou eliminar.
O governo português
tem de respeitar os pactos que os reformados e os aposentados
celebraram com o estado e com a segurança social quando eram
trabalhadores activos e garantir-lhes um fim de vida com dignidade.
Isso é não só uma
exigência do princípio da protecção da confiança, mas também um critério
de aferição de seriedade que ninguém tem o direito de violar – é também
uma questão de honradez.
...
Este tribunal é,
pelo menos hoje, o local apropriado para denunciar a fraude em que se
consubstanciam certas pretensas formas de justiça.
A justiça faz-se
nos tribunais com juízes e advogados independentes e com procuradores e
não em centros de mediação, ou julgados de paz.
O estado tem a obrigação de resolver com justiça os litígios entre os cidadãos e não obrigá-los a fazerem as pazes.
O estado gasta
quantias vultuosíssimas em instâncias alternativas que, se aplicados nos
tribunais proporcionariam uma justiça muito melhor à cidadania e à
economia – ao país e aos cidadãos.
O estado tem a
obrigação de resolver soberanamente os litígios entre empresas e não
remetê-las para essa gigantesca farsa que são os chamados tribunais
arbitrais, que em muitos casos não passam de meros instrumentos para
legitimar verdadeiros actos de corrupção.
Façamos, a este
propósito, um breve desenho para os mais distraídos: por detrás de
qualquer acto de corrupção está um acordo entre corrupto e corruptor
mediante o qual o primeiro adquire para o estado bens ou serviços ou
adjudica obras a um preço muito superior ao seu preço real, repartindo
depois essa diferença entre ambos e, nalguns casos, também com
terceiros, nomeadamente com o partido a que pertence o decisor corrupto.
Normalmente o acto
que materializa esse acordo entre corrupto e corruptor assume a forma
jurídica de um contrato publico-privado em que as partes são o estado
(ou alguns dos seus órgãos) e a empresa ou instituição privada
representada pelo corruptor.
Para que o
propósito atinja os fins delineados sem qualquer problema para os seus
autores, basta apenas que esse contrato inclua uma cláusula mediante a
qual as partes recorrerão obrigatoriamente a um tribunal arbitral para
resolver qualquer litígio dele emergente.
Depois, finge-se
uma divergência ou outro pretexto qualquer como um atraso no pagamento
do inflacionado preço para que o caso vá parar ao dito tribunal.
Imagine-se, agora, qual será a decisão desse tribunal.
Qual será a decisão
de um tribunal em que os juízes foram substituídos por advogados
escolhidos e pagos – principescamente, aliás - pelo corrupto e pelo
corruptor.
É óbvio que
proferirá a sentença pretendida por ambos e obrigará o estado ao
cumprimento integral da prestação que o corrupto e o corruptor haviam
acordado entre si.
O recurso ao
tribunal arbitral previne também a hipótese de o decisor corrupto ser
substituído no cargo por outra pessoa alheia ao negócio.
É, sobretudo, para
isso que se tem vindo a generalizar o recurso aos tribunais arbitrais na
esmagadora maioria dos negócios do estado.
Agora, praticamente
todos os contratos público-privados contêm uma cláusula mediante a qual
se estabelece que o tribunal competente para dirimir qualquer litígio
deles emergente será um tribunal arbitral, pois não podem correr o risco
de o caso poder ir parar a um tribunal independente e ser apreciado por
um juiz independente.
...
Sem comentários:
Enviar um comentário