1.30.2013

Discurso de Marinho e Pinto de hoje na abertura do Ano Judicial.

http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31632&ida=123176

O estado tem a obrigação de resolver soberanamente os litígios entre empresas e não remetê-las para essa gigantesca farsa que são os chamados tribunais arbitrais, que em muitos casos não passam de meros instrumentos para legitimar verdadeiros actos de corrupção. 

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Sendo este alto tribunal, pelo menos hoje, a Casa da Justiça, ele é o local próprio para em nome da Ordem a que presido e em representação dos Advogados portugueses aqui exprimir as nossas preocupações sobre o estado de direito, sobre a democracia, sobre a administração da justiça.

Este é, pois, o local próprio para denunciar;
o populismo da política do governo em matéria de justiça;
para denunciar a utilização por parte do executivo dos órgãos de informação para fanatizar as consciências dos cidadãos;
para denunciar o sistemático recurso à propaganda em vez de informação rigorosa sobre os assuntos de interesse colectivo;
 para denunciar a alteração das leis essenciais ao funcionamento da justiça com a finalidade de conquistar popularidade fácil.

Este tribunal é o local adequado para denunciar a insensibilidade deste governo em relação aos problemas dos portugueses;
a insensibilidade de pessoas que chegaram ao poder prometendo nunca fazer aquilo que hoje fazem com calculismo e frieza;
de pessoas que derrubaram o governo anterior por ele pretender aplicar medidas de austeridade infinitamente mais leves do que as que o actual governo agora aplica com gélida determinação e, até, com prazer ideológico;
em suma: de pessoas que tudo fizeram (incluindo a criação artificial de uma crise política) para obrigar Portugal a pedir a intervenção da TROIKA, pois, sempre souberam que só com essa intervenção poderiam realizar a sua oculta agenda ideológica que passa pela aniquilação dos direitos de quem vive só do seu trabalho, que passa pela destruição do estado social, que passa por um ajuste de contas com os valores e conquistas mais emblemáticos da revolução do 25 de Abril e pela reinstauração de um modelo de organização económica que, verdadeiramente, apenas triunfou nos primórdios do século XIX ou então em algumas das piores ditaduras do século XX.

Este é, pois, o local certo para, recuperando um ideia central do programa do presidente americano Barak Obama, dizer ao governo português que a existência do estado social não faz de Portugal uma nação de pessoas dependentes, mas antes nos liberta a todos – repito: a todos - para melhor executarmos as tarefas que farão este país trilhar as veredas do progresso e do desenvolvimento e proporcionarão um futuro melhor para os nossos filhos.

E, sobretudo, para advertir solenemente o governo de que não tente convencer-nos de que temos de escolher entre apoiar os idosos ou os jovens; de que temos de escolher entre apoiar aqueles que, durante décadas, com o seu trabalho, com os seus impostos, taxas e contribuições, sustentaram este país ou os cidadãos mais jovens a quem entregaremos o futuro de Portugal.

Todos temos direito aos benefícios do progresso e do desenvolvimento.

 Nós, a população activa, temos uma dívida de gratidão para com os idosos deste país.

Foram eles, os que hoje estão reformados e aposentados, que pagaram as escolas onde estudámos gratuitamente, os hospitais onde nos tratámos sem taxas moderadoras; foram eles que pagaram as maternidades onde nasceram sem qualquer custo para as famílias alguns dos que agora os consideram apenas como um custo económico que é preciso reduzir ou eliminar.

O governo português tem de respeitar os pactos que os reformados e os aposentados celebraram com o estado e com a segurança social quando eram trabalhadores activos e garantir-lhes um fim de vida com dignidade.

Isso é não só uma exigência do princípio da protecção da confiança, mas também um critério de aferição de seriedade que ninguém tem o direito de violar – é também uma questão de honradez.

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Este tribunal é, pelo menos hoje, o local apropriado para denunciar a fraude em que se consubstanciam certas pretensas formas de justiça.

A justiça faz-se nos tribunais com juízes e advogados independentes e com procuradores e não em centros de mediação, ou julgados de paz.

O estado tem a obrigação de resolver com justiça os litígios entre os cidadãos e não obrigá-los a fazerem as pazes.

O estado gasta quantias vultuosíssimas em instâncias alternativas que, se aplicados nos tribunais proporcionariam uma justiça muito melhor à cidadania e à economia – ao país e aos cidadãos.
  
O estado tem a obrigação de resolver soberanamente os litígios entre empresas e não remetê-las para essa gigantesca farsa que são os chamados tribunais arbitrais, que em muitos casos não passam de meros instrumentos para legitimar verdadeiros actos de corrupção.

Façamos, a este propósito, um breve desenho para os mais distraídos: por detrás de qualquer acto de corrupção está um acordo entre corrupto e corruptor mediante o qual o primeiro adquire para o estado bens ou serviços ou adjudica obras a um preço muito superior ao seu preço real, repartindo depois essa diferença entre ambos e, nalguns casos, também com terceiros, nomeadamente com o partido a que pertence o decisor corrupto.

Normalmente o acto que materializa esse acordo entre corrupto e corruptor assume a forma jurídica de um contrato publico-privado em que as partes são o estado (ou alguns dos seus órgãos) e a empresa ou instituição privada representada pelo corruptor.

Para que o propósito atinja os fins delineados sem qualquer problema para os seus autores, basta apenas que esse contrato inclua uma cláusula mediante a qual as partes recorrerão obrigatoriamente a um tribunal arbitral para resolver qualquer litígio dele emergente.

Depois, finge-se uma divergência ou outro pretexto qualquer como um atraso no pagamento do inflacionado preço para que o caso vá parar ao dito tribunal.

Imagine-se, agora, qual será a decisão desse tribunal.

Qual será a decisão de um tribunal em que os juízes foram substituídos por advogados escolhidos e pagos – principescamente, aliás - pelo corrupto e pelo corruptor.

É óbvio que proferirá a sentença pretendida por ambos e obrigará o estado ao cumprimento integral da prestação que o corrupto e o corruptor haviam acordado entre si.

O recurso ao tribunal arbitral previne também a hipótese de o decisor corrupto ser substituído no cargo por outra pessoa alheia ao negócio.
  
É, sobretudo, para isso que se tem vindo a generalizar o recurso aos tribunais arbitrais na esmagadora maioria dos negócios do estado.

Agora, praticamente todos os contratos público-privados contêm uma cláusula mediante a qual se estabelece que o tribunal competente para dirimir qualquer litígio deles emergente será um tribunal arbitral, pois não podem correr o risco de o caso poder ir parar a um tribunal independente e ser apreciado por um juiz independente.
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