2.08.2004

Carlos Cruz: «O locutor da nossa vida»

Reproduzo o artigo de Ana Sá Lopes, no Público de há um ano.
Carlos Cruz estava preso preventivamente há 5 dias. Hoje continua preso preventivamente à ordem de um só homem. Há 1 ano e 5 dias.

O locutor da nossa vida
: Ana Sá Lopes (PÚBLICO)
Quarta-feira, 5 de Fevereiro de 2003


Terá sido Emídio Rangel que lhe chamou o "Luís Figo" da televisão quando o convidou para a SIC ou o nome foi inventado antes? Carlos Cruz, 62 anos, escolhido para rosto da campanha institucional da introdução do euro como tinha sido antes escolhido para responsável pela candidatura portuguesa ao Europeu de 2004, é talvez o mais popular comunicador do país - ou, como ele prefere dizer, locutor. ("Eu gosto mais de ser considerado um locutor do que um comunicador, um neologismo criado por vaidade de uma profissão. Eu sou um locutor", entrevista a Adelino Gomes, PÚBLICA, 15-4-2001).

Foi por duas vezes director de informação da RTP, viveu em Nova Iorque como conselheiro de imprensa da missão de Portugal junto das Nações Unidas, sobreviveu a um carcinoma na garganta, depois de ter recuperado de uma depressão profunda onde, segundo publicamente revelou, chegou a admitir o suicídio. ("Não me apetecia viver, achava que não havia lógica para eu estar vivo, não andava por aqui a fazer rigorosamente nada e é nessa altura que aparece o cancro e eu agarrei-me à vida. Tive uma enorme vontade de viver", idem). Isto passou-se há dez anos.

Na rádio e na televisão, fez de tudo. Apresentou telejornais antes do 25 de Abril ("Fiz muita coisa de que não gostei antes do 25 de Abril. Textos de natureza política de elogio ao regime no telejornal, peças de propaganda do regime", entrevista a Paulo Chitas, "Visão", 31-1-2002). Na época, os locutores da televisão tinham tarefas variadas ("Entrevistávamos cientistas, apresentávamos o Totobola, telejornais, variedades, concursos. Li muitos textos no telejornal com os quais estava em desacordo, mas nunca lhes dava entoação", idem).

Mas deu toda a sua "entoação" a programas de rádio que ficaram na memória de várias gerações, do "PBX" ao irrepetível "Pão com Manteiga. O "Zip-zip", no fim dos anos 60, com Fialho Gouveia e Raul Solnado, foi, à época, uma revolução que Carlos Cruz ainda considera ser "um marco da sua vida". ("Era um estado de espírito, uma arma, uma denúncia, até onde era possível fazer denúncias. Politicamente foi muito importante porque alertou as pessoas. Eu sou um cidadão diferente depois de ter feito esse programa", entrevista a José Leite Pereira, Alexandra Inácio e Ana Vitória, Jornal de Notícias, 1-4-2000).

Mais tarde, dedicou-se à apresentação de concursos, tendo conseguido com o "1,2,3" e as suas várias edições os favores do público - mas menos os da crítica que o arrasará completamente quando na SIC apresenta as "Noites Marcianas".

Pelo caminho, vai continuando a dar o rosto e a voz a inúmeras campanhas publicitárias, funda uma produtora, a Carlos Cruz Audiovisuais que chega a empregar 70 pessoas e a tomar conta da produção de uma enorme fatia de programas para a RTP.

Um dia sonhou com um "Canal Carlos Cruz", mais recentemente gostava que lhe tivessem dado um programa tipo Larry King. A SIC oferece-lhe "Escândalos e Boatos".

Casado recentemente com a modelo Raquel Rocheta, 34 anos mais nova, de quem tem uma filha de meses, parecia viver um momento de grande estabilidade. Tem uma filha mais velha, a manequim Marta Cruz, de 18 anos, filha da sua ex-mulher Marluce, também ex-modelo, que o considera tão pai da Marta, filha biológica, como pai do Martim, filho de um anterior casamento de Marluce, e de Roberta, sobrinha adoptada.

Quando Luís Osório, no DNA de 20-6-1998, lhe perguntou o que, além da filha, deixava de verdadeiramente importante se morresse naquele momento, foi assim que respondeu: "Tudo o que os outros pensam a meu respeito, inclusivé a minha filha. Nós também somos aquilo que os outros pensam de nós, quando desaparecermos fisicamente só vivemos na memória dos outros".

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