11.27.2003

Requiem do Hospital velho: a dança macabra das ambulâncias

O velho hospital cá continua, moribundo.
Aproximam-se os piores meses do ano: Janeiro e Fevereiro. Virão as gripes e as pneumonias e não haverá um mínimo de dignidade nem privacidade para aqueles que tiverem o azar de cair naquela casa.
O Porta da Estrela publicou, em Fevereiro passado, uma reportagem pungente intitulada "É isto o que Seia merece?" com fotografias de doentes a serem transportados de noite ao vento e à chuva, com temperaturas próximas dos zero graus, entre os 2 blocos do Hospital.
Dormem nos corredores, os doentes. E não é só dormir. É estar rodeado de outros utentes, visitas, outros doentes, funcionários no exercício das suas funções; enfim toda a gente que tem, também ela, de se deslocar pelos corredores de acesso do velho Hospital.
E ali ficam. Horas. Dias. Nos corredores. A dormir, a comer e a fazer as suas necessidades.
Quando não podem ser levados até ao 1º piso às costas dos enfermeiros mais robustos, porque elevadores... não há.
Ali permanencem, nestas condições, tempos infindos para quem tem, por Lei, o direito à sua privacidade e ao recolhimento na doença.
Mas em Seia a Lei é substituída pela falta de espaço e de instalações condignas.



Em Portugal já temos 10 estádios de futebol novinhos de dezenas de milhões de Euros cada. Isto não é - não pode ser - mais importante que a Saúde pública.
Em Portugal teremos TGV e aeroportos novos, embora todos esses projectos tivessem sido declarados congelados, enquanto houvesse um só doente em lista de espera, por um Primeiro Ministro inflamado pela razão que a mais elementar justiça lhe conferia então.
Hoje já ninguém confere nada, nem os tremendos prejuízos que a falta dos mais básicos cuidados de saúde às populações provocam no orçamento geral do estado. Esbanjam-se milhões a tentar remediar o que poderia ter sido evitado. Mas para evitar... não há verba.


E os poli-traumatizados e os doentes agudos que chegam à urgência do Hospital de Seia continuam a morrer nas ambulâncias que partem diáriamente a caminho da Guarda, 65 kms para Este, onde depois de se perder mais uma hora em diagnósticos - que se poderiam perfeitamente fazer em Seia - são reenviados para Coimbra, mais 160 Kms para Oeste, - a andar para trás - numa dança macabra que termina por ser, desgraçadamente, a última para muitos dos que lá vão dentro, a sofrer a indignidade e o supremo azar de ter vivido, trabalhado e adoecido em Seia.

As 3 horas que se perdem na viagem maldita poderiam ser fundamentais para se salvar uma vida. E quantas se perderam já?


Haverá maior indignidade do que esta, perpetrada sobre aqueles que, porque idosos ou doentes, mais fragilizados se encontram neste particular momento das suas vidas?
Achamos que não.
Ninguém que tenha a desventura de presenciar este negro espectáculo pode ficar insensível.

Talvez por isso o Ministro esteja a evitar visitar-nos.

Para não ver. Para não ficar chocado com a agonia de uma população que parece ter sido condenada ad-eternum por ter escolhido esta maravilhosa terrinha para construir a sua vida. A mesma população que contribui, com o seu trabalho, para o desenvolvimento da região; e também, com os seus impostos, para a construção dos mega-estádios de futebol e para a aquisição de submarinos e helicópteros de guerra, estranhos e súbitos “desígnios” nacionais.



Em Fevereiro passado exortámos Eduardo Brito a que não se desse por vencido. A que não atirasse a toalha ao chão, por mais desigual e viciado que fosse este combate.

Até porque a toalha iria cair por certo sobre os doentes.

E se as mais claras evidências não forem suficiente para sensibilizar esta classe política governante, faça-lhes ver, sr Presidente, na única linguagem que eles tão bem entendem, que o nosso velho Hospital serve uma população que, junta, enche o Alvalade 21.

Não uma vez por época, mas todos os dias do ano.




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