Mais grave do que continuarmos a ocupar teimosa e convictamente o último lugar no ranking dos países da Europa no que se refere aos parâmetros civilizacionais (saúde, nível de vida, cultura, protecção social, habitação) e consequentemente o primeiro nos da desgraça (droga, alcoolismo, sida e analfabetismo), é o termos adoptado institucionalmente uma estranha displicência relativamente ao que mais nos devia preocupar.
Parece ser cada vez mais preciso saber o que se passa com o Jardel, se a mulher lhe foi mesmo infiel ou se era ele que o gastava todo nas casas de alterno, se o Valentim Loureiro é muito ou pouco corrupto ou se a imbecil do Masterplan deu umas chapadas na outra que lhe é igual, recolhendo, através disso, mais popularidade.
*A Popularidade contra a Qualidade*
Detenhamo-nos sobre este novo fenómeno que tudo legitima e tudo desculpa, porque este é, estou cada vez mais certo, uma das primeiras causas perpetuadoras do nosso subdesenvolvimento: a popularidade profissional.
Quase toda a gente anseia, nos nossos confusos dias, por ser muito popular. Por ser o mais simpático possível aos olhos dos outros. E não me refiro apenas aos políticos profissionais ou seus aspirantes, que precisam dessa popularidade na hora do voto, nem só à dos comerciantes, da qual tradicionalmente depende a sua sobrevivência.
As televisões continuamente a fomentam para si e para os seus – para os assuntos que promovem, sejam programas ou notícias, apresentadores ou estratégias.
E o mais traiçoeiro e vil paralelismo acaba por se estabelecer na sociedade menos avisada (quase toda ela) entre o que é popular e o que é bom.
Não há nem nunca houve verdade nessa analogia.
Compreendemos por recurso à História, Sociologia e à imprescindível observação diária que o que é, em dado momento, o mais popular, nunca é o melhor. Simplesmente porque o povo, na sua esmagadora maioria, e desde que há registos, nunca possuiu as ferramentas nem as habilitações que lhe permitissem aprofundar critica e coerentemente qualquer assunto ou domínio por mais banal que este fosse (salvaguardando o pontapé-na-bola, tradicional e singular "ciência" portuguesa, relativamente à qual até o mais analfabeto é catedrático).
A partir de um nivel de abordagem mais ou menos superficial, 99% das pessoas não consegue prosseguir nas suas análises por falta de argumentação científica capaz e consolidada.
E porquê?
Só no corpo e no vestir, investir!
Porque somos um povo latino. Não se estuda, dá muito trabalho, não há interesse na população em aprender, não há pachorra para perder tempo a cultivar o cérebro. Apenas no corpo e no vestir é obrigatório investir (também é mais fácil, não é?), ou seja: no visual que directa e eficazmente impressiona os outros, igualmente menos bafejados em equipamento pensante, e que outro remédio não têm do que fazer, também eles, precisamente o mesmo.
Uma pescadinha-de-rabo-na-boca em que quanto mais bronco mais amigos (broncos) se tem (mais popular se fica), e quem não for muito estúpido está feito, porque dificilmente encontra muitos interlocutores (menos amigos = menos popularidade), o que prejudica desde logo, por exemplo, uma carreira política, na província.
Concluindo esta ideia: para se ter sucesso na política no interior é necessário e fundamental estar ao nível do povão eleitor, e portanto, não ser NUNCA brilhante.
Curioso e merecedor de estudo aprofundado é depois o fenómeno da inveja e maldicência daqueles que contribuiram, votando, para colocar as pessoas nos cargos públicos, quando se apercebem das vantagens e benefícios que esses candidatos adquiriram, pessoal e profissionalmente, por via dessas eleições.
Mas este é um assunto para outra crónica, complementar a esta, para quem as coleccionar.
Retomando o raciocínio: pela mesma ordem de razões, em Portugal, devia a TVI ter vergonha em vez de orgulho, em propagandear a sua pretensa qualidade em função do share liderante – e aqui está uma outra prova real do que defendo.
Não há coisa mais desgraçada que uma estação de televisão em que as notícias são substituídas pelo miúdo das vacas que queria o Mantorras, e pelos casamentos dos atrasados mentais do Big Brother e dos baptizado dos respectivos filhos.
E logo vem a SIC no seu encalço, com todas as misérias de que é capaz, Masterplan, astrologias e tarots de manhã até à noite, e noticiários em que se metem a balbuciar em dialectos inimagináveis todos os mentecaptos que descobrem nas aldeias mais recônditas, disputando com a inqualificável TVI o share, que não a qualidade, no negro e contínuo derby "Carnaxide – Venda do Pinheiro", cujo desfecho será sempre um zero-zero, mas até agora registando um resultado catastrófico para o espectador médio que é, na sua esmagadora maioria, constituído pelo povo desprotegido e ileterado.
O mesmo povo que, com toda a atenção que nunca dispensou à escola, todo este lixo vai absorvendo e toda esta incultura sofregamente consumindo, de olhos arregalados, para não perder pitada.
*A preversão do mecanismo*
Este mecanismo de perpetuação da mediocridade em que é sempre e só valorizado aquilo de que o povo parece gostar, muitas vezes por recurso à estratégia de previamente se anunciar que determinados produtos, serviços ou pessoas são os mais populares, desvaloriza a real qualidade dos sujeitos e retira a esse mesmo povo qualquer resquício de análise ou dúvida, por inútil.
Deixo outro exemplo tão real quão caricato:
Na política, no Big Brother e no Masterplan ganha-se e perde-se pelo voto popular.
Em 1928 um analfabeto não podia votar. Hoje, já pode.
(Em vez de termos conseguido debelar o analfabetismo, conferimos-lhe direitos, legitimando-o. Tal como recentemente, com os touros de morte).
Um voto imbecil vale tanto quanto o de um professor da Universidade ou o de um investigador. Com uma diferença: há infinitamente mais ignorantes que intelectuais.
Os intervenientes – candidatos, concorrentes - e os demais ficam convencidos, quando ganham, que são melhores que os concorrentes que perderam (tiveram menos apoio).
No entanto não se submeteram, vencedores e derrotados, a nenhum juri qualificado. Submeteram-se, isso sim, ao juri mais desqualificado que imaginar se possa: ao povo.
Do qual, metade não compreende o que lê, e 95% nunca há-de conhecer a História do país, nem a sua imensa cultura, para não mencionar o resto do planeta e o seu enquadramento: o sistema solar, a via láctea…
Portanto: é uma maioria de desprotegidos intelectuais aquela que decide uma eleição aberta, o que corrobora e confirma a tese sobre a qualidade dos políticos eleitos.
E é, ainda por cima, abjectamente perverso, o mecanismo.
Porque ao valorizar o popular, atribui a cada pessoa capacidades de julgamento que ela, de facto, não tem.
O povo sente-se lisonjeado ao perceber que detém, no fundo, e sem que para isso reúna quaisquer qualificações, alguma espécie de poder: o de popularizar e com isso "qualificar" e "legitimar" produtos, serviços ou pessoas.
Nada mais falso.
As Histórias dos povos mostram o contrário, em cada passagem.
A História de Portugal não aponta em sentido diverso.
A prova é que continuamos em último lugar na Europa apesar do Emanuel Pimba, do Quim Barreiros, da TVI, da Ágata, da Teresa Guilherme, do Guterres, e do Eusébio.
26/8/2002
joaotilly@netvisao
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