3.16.2014

O que mata Seia é a falta de Inteligência

Quase 6 meses após as eleições autárquicas, Seia encontra-se exactamente no mesmo ponto em que estava antes. 
Apenas o tempo passou. Sem perspectivas de novas empresas, sem ideias, sem Inteligência. 

E vou bater neste ponto da Inteligência porque esta palavra sozinha encerra em si tudo o que falta a Seia há muitos anos. 
A definição da Mainstream Science on Intelligence, que foi assinada por cinquenta e dois pesquisadores em inteligência, em 1994, define este conjunto de actividades cerebrais: "uma capacidade mental bastante geral que, entre outras coisas, envolve a habilidade de raciocinar, planejar, resolver problemas, pensar de forma abstrata, compreender ideias complexas, aprender rápido e aprender com a experiência. Não é uma mera aprendizagem literária, uma habilidade estritamente acadêmica ou um talento para sair-se bem em provas. Ao contrário disso, o conceito refere-se a uma capacidade mais ampla e mais profunda de compreensão do mundo à sua volta." 

Ora isto é exactamente o que Seia não tem tido. Nem por parte de quem decide, nem por parte dos directamente interessados e atingidos pelas políticas (ou falta delas) de quem decide e nem por parte dos opositores formais às políticas de quem decide. 
Continua a fazer-se tudo como dantes. "À semelhança do que se fez nos anos anteriores"... mas como agora não há dinheiro - pelo menos para o fundamental - as coisas ficam-se praticamente pelas intenções daquilo que já foram. 

Não há investimento em coisa nenhuma, em Seia. A iniciativa privada mostra que não acredita nesta Terra. 
E esse é o primeiro passo para a morte rápida e anunciada do território. Seia não pode viver apenas dos funcionários públicos cada vez mais pobres e espoliados pelo estado. As repartições dentro em breve começarão a fechar. 

E também não há estratégia visível por parte do executivo. As coisas fazem-se avulsamente, sempre a mesma coisa, de forma repetitiva. 
É a feira do queijo, hoje ultrapassada por todas as outras depois do erro crasso - e por muitos denunciado - de ceder a feira às Terras vizinhas. É o Jazz e Blues cada vez com menos gente, é depois a transumância comprada aos espertalhões que ganham a vida a impingir ideias parvas a quem não tem espírito crítico para perceber a tristeza e a mediocridade desses eventos aparvalhados. É a BTS - o ponto provavelmente mais ridículo do ano em que se tenta promover o turismo para os residentes locais, e chega o verão. Outono com a velha, esfarrapada e desde sempre inútil CineEco, e mais um fim de ano proibido em Seia para se enviar toda a gente para S. Romão. 

E passou mais um ano. Toda a gente recebeu 13 ordenados, fizeram-se dezenas de viagens e estadias, algumas ao estrangeiro, e o ano passou. 
E Seia mais pobre ficou. 

Na minha opinião a coisa está errada desde o seu início. 
Quem é que temos a gerir o concelho? Nos tempos árduos e competitivos em que vivemos não podemos dar-nos ao luxo de ter gente empresarialmente impreparada a gerir um Concelho. 
O erro nasce provavelmente aqui. 

Como se pode exigir a quem nunca ganhou um cêntimo a gerir uma empresa sua, que venha gerir eficazmente todo um concelho? 
Que experiência tem um professor, por mais bem intencionado que o seja, secundado por outros seus pares - como é o caso actual - de empreendedorismo, de luta contra as circunstâncias adversas, de mudança de estratégia quando é necessário, de combate à concorrência? 
Nenhum deles a tem. 

Nenhum deles alguma vez esteve dependente do mercado para sobreviver. Sempre ganharam os seus ordenados certinhos ao fim do mês e, apesar de terem mudado de profissão provisoriamente, continuam na mesma vida. 
Experiência empresarial e de negócios? Nenhuma. 
Como pode esta gente gerir um concelho quando nunca geriu um pequeno negócio, ao menos? 
Não pode. Não tem visão empresarial. 
Não detecta o afundamento do concelho a cada dia que passa, não consegue discorrer estratégias de combate à crise que já destruiu mais de metade do tecido produtivo de Seia nos últimos 10 anos. 

Este é o principal problema: a falta de visão e de Inteligência - na definição postulada no início deste texto - de quem deveria ter o discernimento para tentar dar a volta a isto... e não tem. 
E como não tem, fiaram-se num Messias que lhes caiu de pára-quedas à frente. Um espertalhão que tem UM olho aberto. 
Sabe-se bem que em Terra onde o desporto preferido é manter os 2 olhos fechados, um zarolho é rei. E entregaram-se cegamente nas suas mãos. Como se ele fosse o verdadeiro Enviado e Salvador desta Terra. 
Acontece que o Messias recebeu melhor proposta (apesar de aqui lhe entregarem tudo de mão beijada permitindo-lhe até criticar o executivo nos jornais) e mandou-os passear. Foi tratar da sua vidinha para outras paragens, deixando-os dependentes unicamente do seu notável e abrangente leque de ideias. À semelhança dos anos anteriores. 

Depois desse episódio na inútil e perdida CIM, outros ainda mais caricatos estão a vir a lume por estes dias mostrando que esta envergonhante situação para Seia não foi ultrapassada. Atarantados e sem líder, os "actores" políticos do PS ainda hoje não descobriram onde fica o túnel, quanto mais a luz no seu fundo. 

Mas infelizmente há mais. Isto da CIM evidentemente não passa de uma tacharia inútil, como se pode comprovar hoje mesmo na BTL onde Seia e a Serra da Estrela primam pela invisibilidade. É tudo aproveitado para se arranjarem mais uns tachos a uns boys e o resto é deixar correr. 
Houvesse espírito crítico na sociedade e o executivo seria forçado a trabalhar, a idealizar, a discorrer. 

E, ainda mais infelizmente, há ainda mais. A pouca massa crítica que existe ou não quer saber disto para nada e há muito partiu para fazer o seu negócio e ganhar a vida, ou está acometida aos 2 partidos que existem. O PCP e o CDS não existem na sociedade, infelizmente. E um ou 2 independentes.
Há gente capaz no PS, mas está calada porque nos últimos 20 anos tem corrido bem. E há gente igualmente capaz no PSD mas não faz muitas ondas porque sabe que o PSD não é - não tem sido - alternativa ao status quo e por isso não vale a pena arranjar inimigos antes do tempo. 

Os cidadãos criticam cada vez mais abertamente as opções da CMS - ou a falta delas - mas na hora da verdade votam esmagadoramente PS num fenómeno suicidário para mim inexplicável atendendo à ruína concelhia a todos os níveis que se vem manifestado nos últimos anos e que se continua a instalar a cada dia que passa. E todos a vêem. Passada que seja a Páscoa vamos ver o que vai acontecer a muito comércio e restauração que luta com grandes dificuldades há anos.

Cada vez mais me parece que os cidadãos independentes - tirando os boys e famílias de cada partido - votam maioritariamente no PS por não acreditarem minimamente na alternativa que o PSD oferece. 
Estou perfeitamente convencido de que se o candidato do PSD desta vez fosse Luis Caetano ou Tenreiro Patrocínio o resultado seria substancialmente diferente. Tratou-se de um claro erro de casting aceder a que um candidato que ninguém em lado nenhum conhecia fosse o escolhido.

E, por último, como corolário, temos uma oposição que nos últimos anos se tem pautado pelo laxismo e que, pela primeira vez, parece mais aguerrida. Mas que mesmo assim (ainda) não chega à população. 
O facebook de Tenreiro Patrocínio não é suficiente e a ausência total de comunicação formal do PSD não ajuda à difusão da mensagem. 

Esta é, portanto, a tempestade perfeita para o declínio da nossa Terra. 
1 - Um executivo sem o mínimo esboço de uma ideia - compra eventos avulsos a quem lhos impinge  e chama a isso política de visibilidade.
2 - Um povo descrente que interiorizou que "eles (seja quem for) estão lá é para se encherem e tratarem das suas vidinhas". Portanto não se envolve directamente na política em cuja bondade, convictamente, não crê. 
3 - Uma oposição que, embora com alguma garra, (ainda) não consegue transmiti-la à população. 

Neste contexto, a carta que o jovem empresário Gonçalo Cabral escreve ao Presidente da CM Seia e que o Notícias de Seia publicou na íntegra é, quanto a mim, um facto histórico. Embora algo longa e politicamente localizada, ela retrata a problemática que os jovens vivem e os obriga a emigar para outros países mas também para outros concelhos. 
Nenhum jovem qualificado fica em Seia. Já antigamente só ficavam os menos qualificados a quem alguém arranjava um tacho num Organismo público. Neste momento nem esses. Não há empregos. Nem já tachos políticos novos existem. Estão todos atribuídos até às reformas. 

Por isso a situação em Seia é negra. Há 20 anos que o é e continua mais negra à medida que o tempo passa. O despovoamento - a que alguns chamam desertificação - é notório. As maiores empresas, como a MRG, fecham ou deslocalizam. 
Grandes broncas se avizinham com outras grandes empresas e Marcas de Seia até há pouco consideradas de sucesso e pilares da nossa visibilidade. Porque simplesmente deixou de existir o mercado tradicional e nós não conseguimos criar outro. 

As estradas da Serra estiveram fechadas 41 dias este inverno. O Turismo desacredita. Os comerciantes não conseguem sobreviver nestas condições. Para o ano que vem, serão milhares os que considerarão ir para outras paragens. A culpa é das EP mas também de quem não as pressiona. 

Exigem-se estradas novas que custariam 100 milhões - para mais rapidamente despovoar esta região, como acontece em todo o lado. Mas não há um cêntimo para reparar a EN17 ou as estradas municipais.

Tudo loucuras marcadas por uma agenda política vazia de iniciativas, respostas, estratégias, Inteligência. 
Temos um Hospital às moscas. Sem valências, cada vez com menor credibilidade terapêutica dados os casos de diagnósticos errados sucessivos que se acumulam e são tornados públicos. 

À falta de tudo, viramo-nos para outro Messias (II) - a barragem de Girabolhos. 
Como se a decisão técnica da construção da barragem tivesse alguma coisa a ver com algum político local!... E como se a sua construção viesse salvar Seia de alguma coisa...

Mas até isso se tenta fazer passar ao povo distraído e descrente. Com a cooperação da imprensa local que continua a fazer copy/paste dos textos que recebe da CMS, mudando um adjectivo ou um tempo verbal. E a isso chama jornalismo. Um jornalismo que, felizmente, só mesmo a classe política ainda lê. Mais ninguém.

Falta a Seia Inteligência para a gerir, para a fiscalizar e para reclamar dessa falta. 

É, realmente, a tempestade perfeita.