4.25.2003

Portugal, 29 anos depois

Há exactamente um ano iniciei a minha participação mais frequente no PE com uma crónica em que defendia que o melhor de Abril foi o 25 e o pior, o 26.
Um ano depois cá estamos a celebrar ambos: um ano no corpo redactorial deste Jornal e outro sobre o dia da Liberdade.
O dia – 24/4 - repete-se anualmente e a Liberdade terá sido a única coisa que desse Abril se mantém.
Celebremo-la, portanto.

Sobre a Paz, Pão, Habitação, Saúde e Educação, estamos conversados.
Sobre a Justiça, também.
Temos alguma Paz e temos alguma Educação, embora não gratuita.
Relativamente ao Pão, temos o Rendimento Mínimo Garantido. Dado insistentemente às pessoas erradas.
Habitação social, não temos.
De Saúde, temos um arremedo, e um brutal negócio. Qualquer coisa próxima dos países de Leste. Com dinheiro, tudo se arranja, mesmo fisioterapias em Cuba. E, sem ele, abandonam-se os desgraçados à sua sorte.
A Educação que temos é aquela que a boa vontade dos professores colocados a dezenas e centenas de quilómetros das suas residências ainda consegue proporcionar.
NHV - Não Há Verba – devia ser a nova denominação para a Educação, em Portugal.
Justiça é a instituição mais descredibilizada do país. Era só rir, se não fosse tão dramático. Totalmente prepotente e completamente desajustada de toda a realidade dos nossos dias, prende preventivamente tarados sexusais e pequenos ladrões comuns, enquanto assassinos aguardam julgamento em liberdade e o colarinho branco faz o que quer do país. Juízes em pânico pedem protecção aos jornalistas, enquanto grandes criminosos apenas são beliscados quando ficam na mó de baixo. Vejam-se os casos do Benfica, da Moderna e da Pedofilia. Enfim, do pior que imaginar se possa.

Sobre a Paz e sobre a Liberdade, há algo mais a desenvolver.
Não há guerra, é certo, por mais que o nosso iluminado primeiro-ministro nos queira à força incluir no menu das próximas guerras que os Américas, na sua compulsiva política de domínio do petróleo mundial, tem já agendadas.
Mas também não há Paz, na sua total acepção.
Seia, por exemplo, vive níveis de intranquilidade que de modo nenhum justificam a já habitual aparição do capitão da GNR nas televisões, é certo. Trata-se de um problema de incontenção nítida, de maneira nenhuma justificável, que fica a dever-se muito mais a uma concomitante dificuldade cultural do que a um surto epidémico de violência desabrida.
Mas ela existe, a intranquilidade, nos cidadãos.
Que todas as manhãs se aproximam dos carros na ansiedade do que lhes poderá ter acontecido de noite.

O Turismo Zoológico

Não há Paz enquanto houver corrupção nos mais variados sectores sociais, para onde quer que olhemos.
Mesmo nas mais singelas actividades, a inefável "cunha" está presente. Faz parte da amaldiçoada "cultura" (leia-se ignorância cultivada) popular e é – na minha opinião - o que mais contribui para impedir que nos colemos aos países da frente.
Somos um país visceralmente corrupto, feito de um povo ansiosamente corruptível e corruptor.

As crianças aprendem logo na escola que têm que se "dar bem" com os auxiliares, professores e outras crianças mais ricas para poderem ter aquilo que, sem isso, não terão.
O comportamento e – pasme-se! – a simpatia pessoal, são cada vez mais valorizados na avaliação escolar.
Estamos a criar gerações de criados, de garçons, de arrumadores, de lacaios dos nossos futuros patrões – os povos desenvolvidos que aqui virão dar-nos a esmola da nossa sobrevivência com os seus Euros, Libras e Dólares, deixados num Turismo rural insipiente e degradante - muito próximo dum turismo Zoológico - que teimamos em lhes prestar.
Vemos as populações, como bichinhos raros num zoo, vestirem-se ao tempo dos avós a cantar e a dançar para os senhores da alta finança, enquanto estes deglutem lautos banquetes e derramam nas mesas garrafas de vinho a preços proibitivos para aqueles que os servem.

Os senhores do dinheiro (meros quadros superiores nos países desenvolvidos) pelam-se por vir a Portugal e a Marrocos, para se divertirem com a forma como vivem estes nossos "povos antigos".
Tal como nós nos divertimos no Jardim Zoológico ao ver como são engraçados os macacos a comer amendoins.

A dignidade de ser Português

Abril não está presente nos lares de 3ª idade, pagos a peso de ouro, onde os nossos idosos acabam por deixar tudo o que lhes restou, nos últimos dias de vida.

Não está presente nos discursos dos políticos nem do Presidente da República que, sinuosos e inconsequentes, continuam a debitar toneladas de palavras redondas em frases ininteligíveis que não conduzem absolutamente a nada a não ser à perpetuação da nossa desgraça e do nosso recuo relativamente à Europa desenvolvida.

Em Abril de 74 éramos um dos países mais pobres da Europa, amordaçados durante 48 anos e há muito afastados das vias do progresso pelo Estado Novo. Mas ainda tínhamos a Grécia, a Itália e a Turquia nitidamente atrás de nós. Hoje, estamos isolados na última posição, sejam quais forem os rácios, os organismos e os critérios que estudem este ranking.
Até relativamente ao Zimbabwe o nosso analfabetismo funcional é superior.
De quem é a culpa? Da classe política incompetente e corrupta e, em última análise, do Povo que a foi elegendo ao longo de 30 anos.

O que fazer de nós, portugueses?
Não é a estranha ambição de criados da Europa que nos dignifica.
Não é a costumeira conotação internacional com os povos étnicos e nómadas da Europa Latina que nos credibiliza.
Não é a vigaricezita diária que nos distingue.
Temos quase 860 anos de história. Descobrimos continentes há 500 anos atrás.
Como raio nos deixámos chegar a isto?

A primeira medida a tomar é erradicar a estupidificação massiva do povo difundida pelos mais inacreditáveis "programas" televisivos.
Como o povo libertado há 29 anos ainda não é capaz de decidir entre o mau e o pior e escolhe sempre o pior que houver, alguém terá que decidir por ele.
E, enquanto isso não se verifica – demorará mais de 1 década – há que filtrar essas suas inacreditáveis "decisões".
E temos que começar pela sua voz activa: aquela que muda (ou deveria mudar) as coisas.

Eleições livres sim; mas para quem saiba que está vivo.

Ou seja: para quem tem a escolaridade mínima internacional: o 12º ano.
Enquanto for o "povão" analfabeto a escolher a classe política, não vamos a lado nenhum. Nem há sequer razão para dar voz ao povo estupidificado. Se os macacos, as zebras e os felinos são óptimos para se apreciarem, mas muito maus eleitores, o mesmo se aplica aos cidadãos analfabetos e alienados, que constituem mais de 50% da população portuguesa dos nossos dias.
Se para se tirar uma mera carta de condução é necessário mostrar habilitações, se para ser servente de obras é necessário ter o mínimo estipulado pelo empreiteiro, porque é que para escolher o destino do país qualquer humanóide está devidamente habilitado? Só porque nasceu? Mas se os chimpanzés, os golfinhos e os cavalos são tão ou mais perspicazes (porque não podemos falar em cultura para nenhuma destas espécies) que a maioria dos analfas da província, também teremos que dar a estas espécies (animais) o direito a votar?

Enquanto forem os analfabetos alienados a escolher a classe política que nos governa, teremos sempre governos de qualidade correspondente aos eleitores.

Portanto este é o primeiro passo a dar-se.
Aliás, os nossos donos americanos há muito que retirarm ao povo o direito de decidir seja o que for.
O presidente da República é eleito por um colégio eleitoral e não pelo povão directamente.
E se eles são considerados a "maior democracia do mundo" o que esperamos para lhes seguir o exemplo?
Esta é, não tenho qualquer dúvida, a primeira medida a tomar para se começar a construir um Portugal não-estúpido que deixe de ser referenciado internacionalmente como o país que exibe a maior concentração de Bimbos da Europa.

João Tilly 25/4/2003